Frente Comum defende que problema de sustentabilidade da ADSE "desaparece imediatamente" se salários e pensões subirem

Trabalhadores e aposentados do Estado pedem redução do pagamento para o subsistema público de saúde de 14 para 12 meses e de 3,5% do salário ou pensão brutos para 1,5%

A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (afeta à CGTP) juntou, ao final da manhã desta terça-feira, dia 20, cerca de duas centenas de pessoas, entre trabalhadores e aposentados do Estado, numa concentração em frente à sede da ADSE, na Praça de Alvalade, em Lisboa, para reivindicar a redução do desconto mensal dos atuais 3,5% (do salário ou pensão brutos) para 1,5% e de 14 meses para 12 meses.

Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum, assinalou o acumular dos lucros do subsistema de saúde dos funcionários públicos – os excedentes acumulados da ADSE em 2022 rondaram os 1200 milhões de euros – “à conta dos 3,5% de desconto durante 14 meses, que não caíram do céu, foram impostos por um governo PSD-CDS durante o tempo da troika e, hoje, é um governo PS [Partido Socialista], com maioria absoluta, que teima em não resolver [esta situação]”. “Afinal estão comprometidos exatamente com os mesmos interesses que criticavam naquela altura”, atirou o dirigente sindical.

Para o sindicalista não está em causa “uma ADSE gratuita”, mas sim “paga a um preço justo e que garanta a sua sustentabilidade, como, aliás acontecia até ao dia em que resolveram ir ao bolso dos trabalhadores da Administração Pública para engrossar as contas do Estado e dos orçamentos”.

Foi pedido também o alargamento das convenções para um acesso equitativo dos beneficiários independentemente da geografia onde vivam, já que “todos pagam a mesma coisa e têm direito a um acesso semelhante em todo o país”.

“Basta desta complacência com os grandes grupos económicos que concentram em Lisboa, Porto e Coimbra uma grande parte da oferta”, afirmou Sebastião Santana.

A sustentabilidade não deve servir de desculpa para tudo sugeriu Sebastião Santana. “Fala-se em sustentabilidade da ADSE, como se fala de sustentabilidade da Segurança Social e outras mais sustentabilidades que são pagas pelos descontos dos trabalhadores. Se estão preocupados com a sustentabilidade, nós também e [a solução] é simples: façam aquilo que têm de fazer, que é aumentar salários e pensões e o problema desaparece imediatamente”.

UM PARTIDO SOCIALISTA PRÓXIMO DA TROIKA

Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, fez questão de marcar presença e foi, aliás, quem subiu primeiro para o palanque para manifestar o apoio aos participantes naquela ação de luta para “justamente exigir a redução das comparticipações”, que o “Partido Socialista está muito contente por manter”. O que está “em linha com as opções que o Governo tem tido para os salários e pensões, bem como no desinvestimento e subfinanciamento dos serviços públicos em que se inclui a ADSE”, sinalizou a oradora.

Na sua opinião, a ADSE tem que “continuar a ser um serviço público complementar para os trabalhadores da Administração Pública”. “Não aceitamos que continuem a ser beneficiados os grandes grupos privados da saúde em detrimento das condições de vida de trabalhadores e de aposentados, tal como em relação ao Serviço Nacional de Saúde continuamos a exigir investimento e que acabe esta opção de financiamento dos grandes grupos hospitalares privados”, reiterou também Isabel Camarinha.

“São opções que caracterizam este Governo”, censurou, salientando a luta das estruturas sindicais da CGTP para “alterar” esse rumo.

Já Isabel Quintas, membro do Conselho Geral e de Supervisão indicada pelo Murpi – Confederação Nacional de Reformados Pensionistas e Idosos, alertou para um conjunto alargado de problemas que enfrenta a ADSE. Além da diminuição da taxa de desconto mensal, tocou no aspeto da “responsabilização do Estado pela saúde dos seus trabalhadores e aposentados”, um aspeto implícito nas palavras de Sebastião Santana ao falar de um regresso ao modelo de financiamento do subsistema público de saúde ao tempo antes da troika, quando parte dos custos da ASDE eram assumidos pelo Orçamento do Estado – o que deixou de acontecer em 2014, passando o instituto público a ser autossustentável, com mais de 90% das receitas provenientes das quotizações dos beneficiários titulares.

A representante do Murpi reforçou ainda a redução dos pagamentos para 12 meses, sublinhando um dos motes da manifestação de que ninguém pode estar doente “14 meses por ano”. Pediu ainda o alargamento das convenções, o pagamento das regularizações (acertos de contas que vêm desde 2015) por parte dos grupos privados (segundo o relatório de atividades de 2022 da ADSE ascendem a cerca de 91 milhões de euros, embora seja ressalvado que o valor ainda está dependente de confirmação), o reembolso pelo Governo dos custos com beneficiários isentos (na ordem dos 13 milhões de euros, só em 2022), o desbloqueio das contratações de trabalhadores “para a ADSE prestar um serviço de qualidade” aos 1,3 milhões de beneficiários e a contratação de técnicos especializados para um eficaz combate à fraude.

O PROBLEMA DE 70 MILHÕES DE EUROS CHAMADO AUTARQUIAS

Isabel Quintas sustentou ainda que o aumento das comparticipações dos beneficiários em cerca de 7,5 milhões de euros, fruto da atualização dos preços do regime convencionado, em 2021, “devia ter sido suportado integralmente pela ADSE dado o saldo positivo”.

Além disso, para a aposentada, “não podemos aceitar a chantagem que os grandes grupos privados de saúde – que devíamos apelidar de ‘negociantes da doença’ – estão a fazer com a ADSE retirando sistematicamente médicos e atos clínicos do regime convencionado, obrigando os beneficiários a gastar muito mais através do regime livre”. “É uma forma de descredibilização da ADSE que não podemos aceitar”.

Isabel Quintas pediu que “o Governo assuma as suas responsabilidades na ADSE” e manifestou “preocupação com a medida anunciada recentemente da assunção integral por parte da ADSE das despesas médicas dos beneficiários das autarquias”. A este respeito, ressalvou que não “discutimos a justeza desta medida, mas não podemos aceitar que o Governo, que não financia a ADSE, decida sobrecarregar o subsistema sem a devida compensação”.

Em causa está o compromisso que o Governo terá assumido com a Associação Nacional de Municípios Portugueses – segundo anunciou a presidente, Luísa Salgueiro – de entrada na ADSE dos trabalhadores das autarquias, em 2024, em condições idênticas às dos funcionários da administração central. Em causa estarão à volta de 220 mil beneficiários, contando com os familiares, e o impacto nas contas do subsistema fica acima dos 70 milhões de euros anuais, que neste momento são financiados pelas câmaras.

Para Fátima Amaral, representante da Frente Comum no Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da ADSE e dirigente do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, “a sustentabilidade não pode ser a ‘palavra-chave’ que o Governo usa sempre que está em causa o aumento de direitos, mas esquece quando prepara a isenção das autarquias nas despesas de saúde dos seus trabalhadores”.

A dirigente sindical fez notar, igualmente, que há que ter em conta a diferença que existe entre o subsistema público, os seguros privados e as mútuas e que distingue a ADSE de tudo o resto.

É que na ADSE existe “solidariedade interprofissional, pois a contribuição de cada trabalhador ou aposentado é proporcional ao seu rendimento, estando garantida a igualdade de direitos e a solidariedade intergeracional, pois apesar de os custos de saúde serem diferentes de acordo com a idade, isso não determina contribuições diferentes”, assinalou Fátima Amaral.

A ADSE E AS SUAS DUAS TUTELAS

A dirigente sublinhou ainda que apesar de a ADSE ser suportada “quase na totalidade pela contribuição dos trabalhadores e aposentados, apresentando saldos positivos de 1,2 mil milhões de euros”, esses excedentes “não se refletem em aumento de benefícios e estão sob tutela das Finanças em aplicações de baixíssimo rendimento”.

A mesma responsável mencionou ainda a tendência de subida “do número de renúncias de beneficiários titulares”, apontando o dedo à atuação do Governo – a ADSE tem dupla tutela dos ministérios da Presidência e das Finanças – que bloqueia a contratação de trabalhadores e, assim, compromete o funcionamento da ADSE, nomeadamente a necessária celeridade no pagamento dos reembolsos aos beneficiários quando estes apresentam faturas ao abrigo do regime livre (em que o doente avança o valor da fatura na totalidade e, depois, submete à ADSE para receber a comparticipação).

“Num mapa onde se preveem 280 trabalhadores, apenas há 184”, contabilizou Fátima Amaral, lamentando a “prática sistemática de aquisição de horas a tarefeiros, numa inaceitável situação de precariedade”.

Fátima Amaral sublinhou que as contribuições dos beneficiários para a ADSE cresceram 5,2% entre 2021 e 2022 para 702,5 milhões de euros, num aumento para o qual contribuiu “o há muito por nós reivindicado” alargamento aos trabalhadores com contratos individuais de trabalho dos hospitais EPE, mas também da redução do número de isentos (fruto da aplicação do Decreto-Lei n.º 4/2021, que fixou o valor elegível para a isenção nos 635 euros) e ainda como resultado das progressões e das “insuficientes atualizações salariais que se verificaram na Administração Pública”.

E deixou o alerta de que “a situação da ADSE está longe de estar estável. Não está afastada a intenção do Governo de destruir a ADSE, que claramente dificulta o alargamento de direitos e reforça a acumulação de saldos”.

Ana Sofia Santos- Expresso