Universidades não têm dinheiro para colocar investigadores nos quadros

Responsáveis querem contratar sem termo 1200 investigadores, mas o Estado não lhes atribuiu recursos para o fazer. Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas pede uma dotação orçamental "consignada a emprego científico". Exigem ainda soluções para evitar a "sangria" de professores.

 O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) quer que o Orçamento do Estado atribua às instituições "uma dotação orçamental consignada a emprego científico" que lhes permita celebrar contratos, por tempo indeterminado, com investigadores que trabalhem nas universidades ou nas unidades de investigação no seu perímetro. "As universidades representam 45% do sistema científico e 51% dos investigadores. Qual é o problema de lhes atribuir diretamente recursos para a contratação de mais investigadores de carreira?", questiona o presidente do CRUP, António Sousa Pereira. Defende, por isso, "a criação de uma carreira de investigação própria no interior das universidades, ou das suas unidades de investigação, financiada por uma dotação própria do Orçamento do Estado para cada instituição". Nesse sentido, o CRUP enviou um parecer ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

No documento enviado no início de junho à ministra Elvira Fortunato e ao secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Teixeira "as universidades propõem que parte do financiamento que suporta a atividade dos investigadores apoiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia - FCT passe a ser transferido e regularmente integrado no orçamento das universidades". "Este financiamento deve ser gerador de condições de sustentabilidade futura, devendo assegurar o acesso futuro às carreiras docente e de investigação por parte das gerações mais jovens", escreve o CRUP.

Recorde-se que, em 2016/2017, cerca de dois mil investigadores foram contratados a prazo, ao abrigo de uma norma transitória. Estes contratos somam seis anos (com uma renovação a cada três) e terminam em 2023. Os investigadores desconhecem qual será o seu futuro imediato. O CRUP defende que a redução da precariedade dos investigadores só poderá ser alcançada "se pelo menos parte desses investigadores for integrada em posições de carreira pelas universidades onde desenvolvem a sua atividade". Para que tal seja possível, as universidades pedem para serem dotadas de "condições financeiras" e de mecanismos que permitam manter os investigadores que vierem a ser contratados, incluindo os mais diferenciados e avançados na carreira, "sem colocar em causa a sua sustentabilidade financeira". Os reitores sustentam ainda que só "um quadro de financiamento estável e previsível" pode ajudar a resolver o problema da vinculação dos investigadores.

"O que nos pedem é para assumir uma despesa fixa com uma receita inexistente", frisam.
A vontade e disponibilidade para avançar já com 1200 contratações sem termo não é suficiente para resolver o problema. Ao DN, António Sousa Pereira, presidente do CRUP e reitor da Universidade do Porto, explica que a contratação carece de financiamento e que as universidades funcionam como "barriga de aluguer". "Nós temos um sistema de investigação pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e as universidades funcionam como barriga de aluguer. Não decidem quem contrata, se contrata ou como contrata. Aquilo que estamos a pedir é, depois de uma experiência acumulada de muitos anos com provas dadas por parte das universidades, que parte da responsabilidade seja transferida da FCT para as universidades para que possam criar a sua própria carreira de investigação e que possam contratar, se não todos, uma parte significativa dos que estão contratados ao abrigo da norma transitória", explica. Segundo o responsável, a partir de setembro deste ano vão multiplicar-se os términos de contratos dos investigadores e é necessário resolver a questão "com a máxima urgência". António Sousa Pereira confessa a existência de investimento por parte do Governo na investigação, mas, diz, "não tem continuidade". "Andarmos permanentemente a resolver a situação de investigadores precários não é saudável. A solução que foi encontrada com a norma transitória foi dar um contrato de seis anos e, agora no final, não temos financiamento para contratar estas pessoas. O que nos pedem é para assumir uma despesa fixa com uma receita inexistente. Estamos cada vez mais limitados, até as propinas foram congeladas pela Assembleia da República. Querem que as universidades vão buscar dinheiro onde para contratar estes investigadores? Não têm dinheiro", sublinha.

Presidente do, António Sousa Pereira, defende "a criação de uma carreira de investigação própria no interior das universidades, ou das suas unidades de investigação, financiada por uma dotação própria do Orçamento do Estado para cada instituição".

O presidente do CRUP vai mais longe e afirma ser inaceitável que se peça às universidades para "assumir uma responsabilidade de futuro, até à idade da reforma, com uma receita que não existe ou que pode acabar de um dia para o outro". "Quem propôs isto não mediu as consequências. Quem assume isto pode até incorrer num crime de má gestão. Nós estamos interessados em ser parte da solução, mas temos de ter um papel ativo. Queremos soluções para termos um arranque de ano letivo mais tranquilo", conclui.

"Vamos assistir a uma sangria de docentes do ES com consequências desastrosas"
A previsão de 500 a 600 aposentações por ano de docentes do Ensino Superior é uma das grandes preocupações do CRUP, que antevê "problemas sérios num futuro próximo". Dificuldades de contratação que já existem em áreas como as Tecnologias de Informação, Economia, Gestão ou Medicina. Áreas onde já se sente a falta de docentes e nas quais é cada vez mais difícil atrair professores, pois "têm melhores condições na iniciativa privada, onde recebem três vezes mais do que a Administração Pública oferece". "Os salários não são minimamente competitivos com a iniciativa privada. Há áreas em que os alunos são contratados ainda antes de acabarem o curso. Adivinha-se, em algumas áreas de conhecimento, uma crise muito grave. As pessoas fazem as contas e vão embora e eu compreendo. Os docentes estão com salários como há 12 anos as carreiras foram descongeladas, mas o decreto da progressão já caducou. Já não há concurso de progressão. Vejo com muita preocupação o futuro da academia. Vai ser difícil ou quase impossível contratar em igual número de saídas. Temos muita dificuldade em contratar e em contratar os melhores", afirma António Sousa Pereira.

Para o presidente do CRUP, "se não forem tomadas medidas muito rapidamente, vamos ter problemas muito sérios num futuro próximo". "O CRUP avisou durante anos a fio sobre a falta de professores do Ensino Secundário. Temos uma situação que se agrava de dia para dia, com falta de professores em várias escolas. Nós avisamos. E agora estamos a avisar que no Ensino Superior vai acontecer a mesma coisa", diz. A solução encontrada pela tutela de transferir investigadores para a área da docência, explica, não é viável porque, "muitos estão em áreas em que não há défice". "Essa ideia de que se pode resolver olhando só para os números é caricata. Se tiver funcionários em excesso na padaria, não os passo para o talho. As contas devem ser feitas com ponderação e com estudos. Vai haver muitas áreas com falta de professores no ES. É, por exemplo, cada vez mais difícil convencer médicos para colaborar no ensino. O Governo tem de olhar para isto, acompanhar e ir atrás do que está a acontecer na iniciativa privada, porque vamos assistir a uma sangria com consequências desastrosas. Esta política tem de ser encarada de frente e não é com mais 100 ou 200 euros de salário que se muda algo", sustenta.

Existem, em Portugal, 30 mil docentes de carreira no Ensino Superior. Segundo sindicatos e reitores, os professores e investigadores perderam, nos últimos 15 anos, 30% do poder de compra