Ensino Superior enfrenta 500 a 600 aposentações de docentes por ano

José Moreira, presidente do SNESup alerta para a falta de professores, que já se faz sentir nas universidades. Em declarações ao DN diz ser necessário assegurar igual número de entradas para que o sistema não colapse nos próximos anos.

Os professores universitários não serão suficientes para as aulas necessárias, daqui a poucos anos.

Nos próximos três ou quatro anos, as estimativas apontam para a aposentação 500 a 600 professores do Ensino Superior (ES) por ano. Um número considerável que motiva o alerta do presidente da direção do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), José Moreira: vão faltar docentes nas universidades e politécnicos. "Este movimento está já a começar. Há uma quantidade imensa de docentes a chegar à idade da reforma. Temos apenas 30 mil docentes de carreira e as aposentações já se sentem nas instituições de ensino. Com a saída de 500 a 600 docentes por ano, precisávamos de igual número de pessoas a entrar no sistema para garantir o funcionamento das instituições", explica.

Contudo, essas entradas têm sofrido "entraves". "As instituições, devido ao orçamento, vão colocando obstáculos. Têm rejeitado absorver os docentes e investigadores precários. Os números são vergonhosos. Contam-se pelos dedos das mãos os docentes integrados na carreira", sublinha.

Há, ainda, uma dificuldade acrescida na contratação de novos professores, que se prende com "a falta de atratividade da profissão face ao mercado privado". "Apesar dos vencimentos dos docentes e investigadores do quadro serem mais elevados do que a média da Função Pública, já há dificuldade de recrutamento, pois o vencimento não é competitivo face ao oferecido no setor privado, principalmente em áreas como a informática ou ciências aplicadas. Acresce ainda que os docentes do quadro das instituições têm de trabalhar em regime de exclusividade, não podendo acumular com outra função", afirma.

José Moreira, eleito novo líder do SNESup em abril, tem ainda outras lutas para o seu mandato, que passam pelo combate à precariedade e a progressão das carreiras. O presidente da direção do sindicato relembra "a perda de 30 por cento do poder de compra de docentes e investigadores, nos últimos 15 anos".

"Nós sabemos que não somos os trabalhadores mais mal pagos da Administração Pública, mas fomos os que sofremos a maior queda. Estamos solidários com os outros trabalhadores, mas o que não estamos dispostos a aceitar é que os trabalhadores mais qualificados da Administração Pública estejam a perder o poder de compra de forma tão significativa", refere.

José Moreira quer ainda resolver o problema dos investigadores em fim de contrato e com contratos precários (ver caixa). "Temos 43 por cento de docentes precários e quase 80 por cento de investigadores em igual situação. O que nós defendemos é que é preciso acabar com toda esta incerteza sobre as condições de trabalho, quer nas instituições de Ensino Superior (ES), quer nas de investigação científica. Essa incerteza prende-se com a precariedade, os vencimentos e o orçamento das instituições", esclarece.

60 milhões em falta

Os 1190 milhões do Orçamento de Estado não foram suficientes para fazer face às despesas do ES, muito por causa das atualizações salariais da Função Pública. "Há falta de verbas para satisfazer os compromissos. Deveria, no nosso entender, haver um mecanismo automático para estas alterações orçamentais, que são obrigatórias por causa da atualização dos salários. A verba deveria ser aumentada imediatamente para evitar essas situações. E isto acontece todos os anos, mais ou menos por esta altura", explica José Moreira.

No que se refere ao orçamento global, o presidente da direção do SNESup não tem dúvidas: "Do ponto de vista das instituições, é deficitário".

"Há um conflito entre o que as instituições desejam e o orçamento disponível em OE", sustenta. Neste contexto, explica, "deveria, de uma vez por todas, haver um pacto social sobre o que é que a sociedade espera das instituições e o que a sociedade está disposta a pagar. Que se acorde, de uma vez, um financiamento", sublinha.

José Moreira entende ser necessário pensar a longo prazo e não apenas "a 4 ou 5 anos, numa visão da legislatura". "É altura da tutela tomar uma posição de longo prazo. O problema do orçamento arrasta-se ao longo dos anos e a rutura começa a aproximar-se. Há problemas a nível físico, com degradação e a falta recuperação do património e das infraestruturas, e temos os problemas da precariedade e da perda de poder de compra. Estes problemas tornam o sistema insustentável. Somos um serviço público ao serviço do país, não somos um grupo de elite."

Investigadores em fim de contrato

Em 2016/2017, cerca de dois mil investigadores foram contratados a prazo, ao abrigo de uma norma transitória. Estes contratos, que somam seis anos (com uma renovação a cada três), começaram a terminar em 2023 e os investigadores desconhecem qual será o seu futuro imediato. Segundo José Moreira, "o número de investigadores que está a ser integrado é residual".

"Está ainda em vigor o programa do regime transitório e de acordo com este diploma, após 6 anos de contrato, deviam ser integrados. Estão agora a chegar os primeiros colegas ao 6.º ano. Foram assinados 1600 contratos e a vigorar há 1200. Já perdemos 400 pessoas e apenas cerca de 200 tem possibilidade de ser integrados", lamenta José Moreira.

O responsável explica a dificuldade imposta por dois regimes jurídicos, o das instituições públicas e o das associações de direito privado. "Só as instituições de direito público são obrigadas a abrir vagas. No caso das associações de direito privado, não há obrigação legal". Uma situação, sublinha, que leva a que mais investigadores abandonem o ES.

Apoio à contratação permanente de doutorados

Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, apresentou, em abril, o programa FCT Tenure, um novo mecanismo de apoio à contratação permanente de doutorados para carreiras de investigação científica e docente. A medida foi bem recebida pelo sindicato, mas levantou dúvidas.

"O que é dito é o seguinte: a FCT compromete-se a pagar 50% dos salários aos investigadores que sejam contratados por tempo indeterminado, mas não se sabe o número de contratos abrangidos. Seriam seguramente mais de 1000, mas a resistência principal é que isto depende da vontade das instituições. O problema não fica resolvido, mas é um passo importante", confessa José Moreira, para quem os incentivos para motivar docentes a ingressarem na carreira são fundamentais para o funcionamento das instituições de ES.

Petição pela recuperação de salários

"Pela valorização dos salários de investigadores e professores do Ensino Superior é o título da petição criada pelo SNESup, com o objetivo de levar o plenário da Assembleia da República a discutir a recuperação das renumerações no Ensino Superior. "Pedimos o apoio de todos os cidadãos. Prestamos um serviço essencial ao país e é importante que as pessoas tenham esta perspetiva", refere José Moreira. A petição conta por esta altura com cerca de 7200 assinaturas, devendo atingir as 7500 para poder subir a plenário.

Cynthia Valente, 08 Junho 2023, Diário de Notícias