Teletrabalho dispara, mas direito a desligar só consta de 3,3% das convenções

Teletrabalho ganhou expressão na contratação colectiva em 2022, e foi tratado em 27 das 240 convenções publicadas. Direito à desconexão só constava de oito convenções.

Depois da experiência forçada pela pandemia, o teletrabalho ganhou expressão na contratação colectiva em 2022, sendo regulado em 11,3% das 240 convenções publicadas, acima dos 2,9% do ano anterior. Já o direito a desligar, previsto expressamente na lei desde o início do ano passado, continua a estar praticamente ausente das preocupações dos empregadores e dos sindicatos, constando em apenas 3,3% das convenções.

O dever de o empregador se abster de contactar o trabalhador no período de descanso foi introduzido na lei no quadro do teletrabalho, mas aplica-se à generalidade dos trabalhadores.

O relatório anual sobre a evolução da negociação colectiva em 2022, divulgado na segunda-feira pelo Centro de Relações Laborais (CRL), revela que o tema ainda não ganhou expressão na contratação colectiva: do total de convenções publicadas no ano passado, apenas oito regulam o direito à desconexão, o que representa apenas 3,3% do total. Ainda assim, trata-se de uma evolução face às cinco convenções que se debruçavam sobre este direito em 2021 (2,4%).

O relatório elaborado por Paula Agapito, coordenadora executiva do CRL, e Cláudia Madaleno, professora na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mostra que a maior parte das convenções que tratam o direito à desconexão é do sector dos seguros (sete em oito) e um do sector da educação.

De um modo geral, este assunto surge associado ao teletrabalho, como acontece no acordo assinado entre o Citeforma (centro de formação do sector do comércio) e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços (Sitese), que prevê que “deve ser assegurado aos trabalhadores em teletrabalho o direito à desconexão, nomeadamente através da adequação dos meios de controlo de assiduidade e da utilização dos meios de comunicação em conciliação com os horários de trabalho”. Solução semelhante encontraram a Generali e o Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins (Sinapsa).

Noutros acordos de empresa também do sector segurador estabelece-se o dever de a empresa desenvolver acções de formação para o uso razoável das ferramentas tecnológicas ou remete-se para regulamentação interna.

Em todos os casos, sublinham as autoras do relatório, “os dados apontam para uma escassa representação na contratação colectiva”, apesar de Paula Agapito destacar a “sensibilidade de alguns empregadores e sindicatos para as novas formas de trabalho e as exigências que elas convocam”.

É nesse sentido que a regulação do teletrabalho surge como uma das notas mais relevantes da contratação colectiva desenvolvida em 2022. Das 240 convenções publicadas, 27 regulam este regime de trabalho. São quatro vezes mais do que em 2021 (em que apenas seis tratavam este tema, ou seja, 2,9% do total) e representam 11,3% do total.

A Lei 83/2021, em vigor desde 1 de Janeiro de 2022, introduziu alterações relevantes ao regime de teletrabalho e, no geral, as 27 convenções reflectem este novo enquadramento legal, ao mesmo tempo que procuram soluções que respondam à experiência adquirida.

“Há várias soluções nas convenções relativas a regimes mistos, onde se prevêem tempos de trabalho presencial e tempos de teletrabalho. As organizações tentam regular a prática numa convenção colectiva”, destacou Paula Agapito em declarações ao PÚBLICO, acrescentando que há uma pluralidade de soluções para tentar ajustar o regime do teletrabalho à realidade de cada organização.

Depois de, no pico da pandemia de covid-19, o teletrabalho ter ocupado um milhão de pessoas, nos últimos dois anos os regimes mistos ou híbridos foram ganhando terreno e 14 convenções regulam esses modelos.

No caso do pagamento do acréscimo de despesas, dez convenções prevêem que “os custos associados à aquisição/uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos necessários ao funcionamento do posto de trabalho em teletrabalho, bem como pagamento de acréscimo de custos de energia subsídio de refeição devem ser suportados pelo empregador”.

A lei prevê que cabe ao trabalhador apresentar prova dessas despesas e solicitar o pagamento, mas algumas convenções vão mais longe.

O acordo colectivo entre a Zurich e o Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora (STAS) prevê um subsídio diário de três euros por teletrabalho, podendo o empregador pagar um valor fixo de 36 euros (11 meses por ano). Enquanto o acordo de empresa entre a Imprensa Nacional Casa da Moeda e a Fiequimetal (Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, entre outros) estabelece um subsídio até 40 euros para despesas de transporte dos trabalhadores em regime presencial ou para despesas de teletrabalho.

O regime de pagamento de despesas de teletrabalho voltou a sofrer alterações já em 2023, abrindo a porta a que os acordos colectivos ou os contratos de teletrabalho possam prever um valor fixo que não ficará sujeito a tributação, à semelhança do que está previsto para o valor pago contra a apresentação de factura. Contudo, o Governo ainda não publicou a portaria para agilizar o regime.

Salários negociados cresceram 3,9%

O relatório do CRL também se detém sobre a análise das matérias retributivas, concluindo que 98% das 240 convenções publicadas previam alterações salariais.

Em 2022, os salários negociados atingiram o aumento nominal e real mais elevado da última década. O aumento nominal médio foi de 5,5% (em 2021 foi de 4%) e o crescimento real foi de 3,9%, ficando ligeiramente acima da valorização de 3,7% verificada no ano anterior.

No relatório destaca-se que os principais critérios para a actualização dos salários foram a inflação e a evolução do salário mínimo nacional (que em 2022 subiu para 705 euros), condicionantes de mercado e o crescimento da actividade.

A análise das convenções permite ainda concluir que em alguns sectores as matérias pecuniárias foram além do salário base. A maioria das convenções pratica valores de pagamento do trabalho suplementar acima do que está previsto no Código do Trabalho e prevê subsídios de turno e de disponibilidade.

Há ainda situações em que as convenções consideram que o trabalho nocturno (pago com acréscimo) tem início às 20 horas, em vez de ser às 22 horas como prevê a lei, ou alargaram a base de cálculo dos suplementos pagos.

Todas estas mudanças, não tendo impacto directo na remuneração-base, acabam por se traduzir num aumento dos ganhos dos trabalhadores.

Raquel Martins, 4 de Junho de 2023, Público