Universidade do Porto condenada por assédio moral a antiga professora

Instituição e três professores da Faculdade de Medicina têm que pagar 30 mil euros a docente que ali trabalhou entre 2004 e 2011. Reitoria apresentou recurso.

O TAF estabeleceu uma indemnização de 30 mil euros, a ser dividida pelos quatro condenados. Ou seja, tanto a Universidade do Porto como os três professores que tinham responsabilidades na FMUP têm que pagar 7500 euros à docente

A Universidade do Porto (UP) e três professores da Faculdade de Medicina (FMUP) foram condenados por assédio moral no local de trabalho a uma docente que ali deu aulas, entre 2004 e 2011. O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, que tomou a decisão no mês passado, fixou também uma indemnização por danos patrimoniais de 30 mil euros, que terão que ser assumidos em partes iguais pelos quatro condenados.

Tanto a universidade como o então director da FMUP, José Agostinho Marques, foram condenados “por omissão de acção”. Ou seja, o tribunal entendeu que os dirigentes destas instituições deviam ter tido “uma conduta mais diligente no sentido da protecção da trabalhadora” em causa. A sentença sublinha ainda que a “imagem e renome nacional e internacional” da instituição “não deve ficar refém de comportamentos humilhantes e discriminatórios como aquele que foram infligidos” àquela docente.

Os factos que motivaram a condenação por assédio moral da UP foram cometidos por Acácio Rodrigues, então director do Serviço e Laboratório de Microbiologia (SLM) da FMUP, e Cidália Vaz, professora no mesmo serviço e investigadora no mesmo laboratório. Foram ambos igualmente condenados neste processo.

O TAF do Porto deu como provados um conjunto de abusos cometidos por estes dois responsáveis nos oito anos em que a professora queixosa trabalhou na FMUP. Para a decisão são especialmente valorizados três episódios.

Em Março de 2007, as fechaduras das portas de acesso ao laboratório de microbiologia foram mudadas e a direcção não forneceu qualquer cópia da nova chave à professora queixosa. A sentença estabelece que o nome da docente constava da primeira lista de pessoas a quem seriam distribuídas cópias, mas foi riscado por ordem de Acácio Rodrigues.

No ano seguinte, o mesmo docente, que era o regente da cadeira, entregou à professora queixosa 300 exames da disciplina de Microbiologia Médica I para correcção. Esta tinha um fim-de-semana para rever as quatro primeiras páginas e mais duas perguntas da quinta página de todas as provas. A restante página e meia do exame foi assegurada pelos restantes cinco docentes da disciplina. Foram “duas distribuições desproporcionais de exames”, valoriza o tribunal.

Noutro exame, o mesmo professor forçou a queixosa a responder à prova ao mesmo tempo que os alunos. Para o tribunal o “despropósito, a desnecessidade e a anormalidade da ocorrência tem aptidão suficiente para se considerar que a autora, enquanto docente, acabou por ter sido colocada, por Acácio Rodrigues, regente da disciplina, numa situação psicológica de constrangimento e inferioridade”.

A professora em causa foi contratada em 2004 como assistente convidada para leccionar a disciplina de Microbiologia. Logo na altura, Acácio Rodrigues e Cidália Vaz enviaram uma exposição ao Conselho Científico da faculdade “contestando a contratação”, uma situação que o tribunal enquadra no quadro de uma desavença entre estes dois professores e o anterior director do SLM, responsável pela escolha desta docente.

Nos anos seguintes, os dois deram sucessivos pareceres negativos a todos os seus pedidos — desde a dispensa de aulas para conclusão de doutoramento, à participação em congressos. Foi no seguimento de um parecer destes que, em Junho de 2011 o Conselho Científico da FMUP “deliberou não aprovar a prorrogação, por um biénio, do contrato, denunciando-o”, ainda que a professora queixosa tivesse “a melhor classificação, de entre os docentes do SLM, na avaliação efectuada pelos alunos através dos inquéritos pedagógicos realizados no âmbito da reitoria da UP”, aponta o tribunal.

A professora deixou a universidade nessa altura. Actualmente, dá aulas numa instituição de ensino superior privada.

O TAF estabeleceu uma indemnização de 30 mil euros, a ser dividida em partes iguais pelos quatro condenados. Ou seja, tanto a Universidade do Porto como os três professores que tinham responsabilidades na FMUP têm que pagar 7500 euros à docente queixosa. A acusação pedia uma indemnização por danos patrimoniais de 200 mil euros.

A sentença do TAF ainda não transitou em julgado. A Universidade do Porto vai recorrer da decisão, contestando a condenação por omissão de acção tendo em conta que os factos ocorreram num departamento de uma das suas 14 faculdades. Ou seja, para lá do controlo directo da reitoria.

No recurso, apresentado na sexta-feira, a instituição diz não ter ficado “afirmada a ausência ou a omissão de uma conduta mais diligente” no sentido da protecção da professora em causa. A universidade contesta ainda que tenha ficado provado que os factos em causa consubstanciem uma situação de assédio moral.

Na sentença, é estabelecido que os dirigentes da UP tinham conhecimento do caso e podiam ter intervindo. “Nós tivemos uma reunião com o então reitor [Marques dos Santos] para expor a situação, já depois de termos tido duas reuniões com o director da FMUP, sem que nada tivesse sido resolvido”, conta ao PÚBLICO o dirigente do Sindicato dos Professores do Norte (SNP), Pedro Oliveira. A estrutura sindical assessorou a professora em causa ao longo do processo. O assunto “só chegou a tribunal porque os contactos que fizemos não tiveram efeitos”, sublinha o mesmo responsável.

Os três docentes condenados no mesmo processo não responderam às questões colocadas por correio electrónico.

Samuel Silva - 15 de Dezembro de 2019, Público