Justiça vai ter acesso directo a informações escolares de menores

Por vida da “desmaterialização da informação”, prevista no Simplex, em caso de processos judiciais os tribunais têm “linha verde” para ficar a conhecer todos os registos escolares dos alunos.

Tribunais vão ter acesso directo a notas, faltas e ocorrências disciplinares dos alunos que estejam envolvidos em processos disciplinares

“Totalmente omissa.” É deste modo que a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) avalia o que a nova regulamentação sobre a comunicação entre tribunais e escolas determina no que respeita às medidas de segurança destinadas a proteger a informação transmitida sobre alunos menores de idade.

Em causa está uma nova portaria conjunta dos ministérios da Justiça e da Educação (n.º 357/2019) que, existindo processos judiciais, garante acesso automático dos tribunais a dados sobre alunos: em que escola está, que notas tem tido, falta às aulas ou não, tem ocorrências disciplinares. Este acesso dos tribunais também é extensivo ao que respeita aos encarregados de educação, no que toca a nomes e moradas.

Esta nova forma de comunicação entre a justiça e as escolas do ensino básico e secundário, que assenta na chamada “desmaterialização de informação”, é uma das cerca de 200 medidas aprovadas no âmbito do programa governamental Simplex+. A portaria que regulamenta a nova interacção entre tribunais e escolas (estas também poderão saber automaticamente quais as decisões judiciais que impendem sobre os seus alunos) entrou em vigor este mês.

Mas já tinha sido publicada em Diário da República a 8 de Outubro, poucos dias depois do parecer emitido pela CNPD dando conta das suas insuficiências e recomendando que a parte relativa às medidas de segurança fosse “reformulada por forma a conter as medidas de segurança envolvidas neste tratamento de dados pessoais”.

Isto, porque a CNPD não tinha só avaliado esta parte como “totalmente omissa”, como assumia estranhar que tivesse sido utilizada “uma formulação notoriamente vaga para se referir à garantia de confidencialidade dos dados sem concretizar como a mesma é ou deve ser efectivada”.

A recomendação da comissão, que não é vinculativa, não foi acolhida pelo Governo. O Ministério da Justiça, a quem neste caso compete a articulação com a CNPD, não respondeu às questões do PÚBLICO sobre as razões para tal e também se garante se, com esta omissão, a informação sobre os alunos estará salvaguardada.

Dever de sigilo não é medida de segurança

Se tal não acontecer é algo que poderá ter consequências particularmente gravosas já que estão em causa informações sobre crianças e jovens, menores de idade, que só por isso “devem ter uma protecção acrescida” no que respeita à transmissão de dados que lhes digam respeito, frisa a consultora-coordenadora da CNPD, Clara Guerra, em declarações ao PÚBLICO.

E esta protecção tem de ser “traduzida por medidas concretas e não apenas por declarações de princípio”, acrescenta esta responsável. No que respeita às medidas de segurança destinadas a proteger os dados dos menores, o que a nova legislação sobre a comunicação entre tribunais e escolas refere é que os sistemas electrónicos envolvidos seguem as normas de segurança “legalmente estabelecidas, por forma a assegurar a confidencialidade dos dados”, sem especificar quais. E também que os utilizadores que tenham acesso à informação em causa “ficam obrigados ao dever de sigilo em termos legais”.

“O dever de sigilo não é nenhuma medida de segurança em concreto. Decorre da lei geral e não garante à partida que quem acede à informação em causa só o faz para os fins previstos e que está autorizado a tal”, alerta Clara Guerra.

Uma das medidas dissuasoras para que tal não aconteça, ou como diz a responsável da CNPD “de não pôr a raposa no galinheiro”, é o de assegurar que existe um rastreio efectivo de todos os acessos à informação e que “só um número restrito de pessoas” tenha a possibilidade de aceder aos dados disponíveis. O que geralmente não acontece nas escolas.

Seja como for, neste âmbito a portaria que entrou agora em vigor garante que o rastreio será feito porque os sistemas informáticos envolvidos “procedem aos registos electrónicos necessários ao conhecimento das consultas e comunicações efectuadas ao abrigo da presente portaria, seus autores, respectiva data e hora e no âmbito de que processo judicial ocorreram”.  

Comunicação entre sistemas

E que sistemas são estes? Do lado da justiça fica a informação de que se trata do “sistema de informação de suporte às actividades dos tribunais”. Da parte do Ministério da Educação refere-se que será “a plataforma Escola 360”, um sistema que está ainda a ser implementado e que se destina a centralizar “os processos de gestão escolar dos alunos do ensino pré-escolar, básico e secundário”.

Mais concretamente, segundo se pode ler no site da plataforma, “esta aplicação permitirá às escolas e organismos da administração educativa, a gestão do ciclo de vida do aluno proporcionando uma visão completa sobre o seu percurso educativo e fornecendo informação em tempo real sobre os alunos”. O que, em caso de processo judicial, também passará a ser transmitido em modo automático aos tribunais.

Em respostas ao PÚBLICO, o ministério garante que nesta plataforma, que é gerida pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, “as comunicações são efectuadas por canais seguros, devidamente certificados, estando todas as comunicações encriptadas em conformidade com a normas do Regulamento Geral de Protecção de Dados e de segurança informática em vigor”.

Um dos preceitos que tem sido reclamado pela CNPD é que a legislação sobre transmissão de dados explicite se esta é “efectuada em rede pública e privada”. O diploma que regulamenta a comunicação entre tribunais e escolas nada adianta sobre estes procedimentos. 

Clara Viana - 13 de Dezembro de 2019, Público