"Valorização salarial da função pública custa menos 200 milhões" do que diz o governo

De acordo com um estudo do economista Eugénio Rosa, só em 2019, a despesa líquida com os aumentos na Função Pública é 33% inferior ao valor comunicado na semana passada pelo governo. Ao custo das medidas de valorização salarial da função pública tem de se descontar o IRS adicional que o fisco vai receber.

O custo com as medidas de "valorização salarial" dos funcionários públicos nos últimos dois anos vai ser, no final das contas, cerca de 230 milhões de euros inferior aos números anunciados pelo governo na semana passada, durante as negociações com os sindicatos, revela um estudo de Eugénio Rosa, um economista ligado ao PCP e à CGTP.

A diferença entre os valores veiculados pelo Ministério da Administração Pública e as cifras substancialmente mais baixas referidas pelo economista - que são baseadas em dados da Direção-Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), do Ministério das Finanças - tem essencialmente que ver com o facto de a valorização salarial (descongelamento de progressões e promoções mais revisão de carreiras e outros direitos) também reverter em mais impostos cobrados (IRS).

Eugénio Rosa refere que "segundo a DGAEP, do Ministério das Finanças, os aumentos efetivos de despesa verificados nas administrações públicas (central, local e regional) no período 2016-2019, como consequência das progressões nas carreiras, foi de 458 milhões de euros em 2018 e 442 milhões de euros em 2019", o que perfaz "900 milhões de euros nos dois anos".

Nas contas do Ministério da Administração Pública, surge um custo de 465 milhões de euros em 2018 e de 666 milhões em 2019, o que dá um total de 1131 milhões de euros.

Em 2020, o governo prevê que o pacote da valorização salarial (em que já está incluída a atualização à taxa de inflação de 0,3%) implique uma despesa adicional de 715 milhões de euros, mas também aqui a questão é a mesma. O resultado final da medida será necessariamente inferior porque os trabalhadores vão pagar mais impostos.

O economista explica que, em 2018 e em 2019, a medida é efetivamente mais barata porque, ao haver valorização salarial, também haverá mais impostos a cobrar aos trabalhadores públicos. Só em 2019, o custo líquido das medidas ("após dedução do IRS que reverte para o Orçamento do Estado"), reportado pela DGAEP, é 33% inferior em relação ao valor que veio no comunicado do ministério de Alexandra Leitão.

Eugénio Rosa também refuta os valores brutos anunciados. Pelas suas contas, o custo anual em 2019 do pacote da valorização salarial ronda os 553 milhões de euros brutos e não os 666 milhões que constam nas contas da tutela de Alexandra Leitão.

O economista considera ainda que o aumento médio salarial por trabalhador calculado pelo Ministério da Administração Pública também peca por excesso nos dois anos analisados (2018 e 2019). "Admitindo que aqueles valores eram repartidos por todos os trabalhadores do Estado, o que não aconteceu pois muitos milhares de trabalhadores não tiveram quaisquer progressões nas suas carreiras, pois não tinham acumulado 10 pontos, o aumento médio bruto seria de 1,4% em 2018 e de 2,1% em 2019, e não de 2,2% e 3,1% como refere o governo. A falta de transparência é evidente e o propósito de virar a opinião publica contra os trabalhadores da função pública é claro", acusa.

Contratação de mil técnicos superiores está paralisada

No mesmo estudo, Eugénio Rosa denuncia ainda uma situação de "paralisação" na contratação de técnicos superiores para o Estado. O concurso foi lançado no final de abril, mas parece que ainda não teve qualquer desfecho.

A 30 de abril de 2019, "por decisão do ministro das Finanças, Mário Centeno, é centralizado no Ministério das Finanças [na Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas, antigo INA] os concursos de técnicos superiores. Esta Direção-Geral [ex-INA] lançou então um procedimento de recrutamento centralizado" para mil técnicos superiores (portaria 125-A/2019), tendo concorrido "mais de 16 mil candidatos, segundo os media. Mas o concurso está paralisado porque a Direção- Geral de Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas não tem meios para fazer a avaliação dos candidatos que se inscreveram, e Centeno não atribui um orçamento para que esta Direção possa adquirir externamente meios."

Desta forma, "corre-se o risco de que no Orçamento do Estado para 2020 não lhe seja atribuído o orçamento que precisa para poder finalizar o concurso, e os serviços públicos, entre os quais a ADSE, continuarão a não ter os técnicos que precisam (só na ADSE, são mais de 20). É utilizando estes processos que Centeno consegue eliminar o défice orçamental, mas estrangula e destrói os serviços públicos", conclui.

Luís Reis Ribeiro - 16 Dezembro 2019 — Diário de Notícias