Professores e alunos juntos nas críticas contra o sistema de bolsas de estudo

Tal como aconteceu em 2015, 2016 e 2017, e agora em 2018, a atribuição de bolsas de estudo a alunos universitários sofreu atrasos. A causa tem sido sempre a mesma: problemas informáticos na plataforma que gere as candidaturas.

Federações e associações académicas, professores e estudantes universitários alertaram esta terça-feira para o atraso sentido na atribuição de bolsas de estudo para os alunos do Ensino Superior: são cerca de 60 mil estudantes nesta situação. Tal como já ocorreu nos anos de 2015, 2016 e 2017, este ano o atraso foi mais uma vez provocado por problemas informáticos na plataforma que gere as candidaturas às bolsas de estudo - SICABE (Suporte Informático ao Concurso de Atribuição de Bolsas de Estudo do Ensino Superior).

Em declarações à SÁBADO, João Pedro Videira, presidente da Federação Académica do Porto (FAP), diz que este ano lectivo já está "perdido no que diz respeito à celeridade do processo de atribuição de bolsas de estudo". "Os serviços de acção social apenas conseguiram começar a analisar as candidaturas no final do mês de Setembro, devido a problemas de interoperacionabilidade da plataforma interna (SICABE) com outras plataformas do estado (portal das finanças, por exemplo)", explica. "Isto fez com que se perdessem mais de dois meses na análise às candidaturas, uma vez que elas podem começar a ser efectuadas em Junho. Por este motivo, não me parece que haja grande solução para resolver o problema neste momento, a não ser contar com a boa vontade e a eficácia dos recursos humanos dos SAS de cada IES para acelerarem o processo", conclui.

Já para Gonçalo Leite Velho, presidente da direcção do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), estas situações significam que o próprio sistema – o SICABE – está obsoleto e "tem de ser revisto e operacionalizado para uma resposta mais célere", esclarecendo à SÁBADO que "sempre houve diferenças no funcionamento dos diversos SAS (Serviços de Acção Social)" e que por isso é necessário mais eficácia para evitar problemas como este.

O presidente da Federação Académica de Lisboa, João Rodrigues, partilha a mesma opinião, alegando que a resolução de situações como esta irão passar "por uma maior simplificação dos processos, através da interoperabilidade de sistemas afectos ao processo, bem como, naturalmente, com uma maior abertura dos critérios existentes". 

"Os atrasos que mencionam advém de diversas razões. Quer ao nível informático, burocrático, mas também de recursos-humanos nas instituições de ensino superior", comenta o dirigente da FAL, em declarações à SÁBADO. "No que diz respeito a queixas [de estudantes], o número não tem sido distinto aos anteriores anos. Efectivamente afecta na gestão do capital que o estudante tem disponível, no pagamento das propinas, na alimentação, no alojamento", afirma, explicitando que nestes casos as federações académicas, como a FAP e FAL, trabalham em conjunto com as universidades e associações de estudantes para procurar soluções e "serviços de acção social que muitas vezes passam por não cobrar propinas, a título de exemplo, aos estudantes que ainda não sabem o resultado da sua candidatura à bolsa".

O facto de a questão do atraso da atribuição de bolsas se repetir nos últimos casos pode significar que é um problema recorrente em Portugal, o que, para o presidente da FAP, acontece quando "há vontade que assim o seja, e quando dá jeito que aconteça" e que é estranho que um "simples" problema informático, na "Era da digitalização" demore tanto tempo a ser resolvido, "a menos que haja uma outra razão que não esta (como por exemplo, a falta de dinheiro para pagar essas mesmas bolsas)". João Pedro Videira esclarece ainda que a Acção Social em Portugal (que atribui as bolsas), tem 2/3 do seu financiamento pelo Fundo Social Europeu, o que significa que 1/3 vem do Orçamento de Estado.

Mais de 60 mil universitários continuam sem bolsa

Falta menos de um mês de aulas para o final do primeiro semestre e 60 mil estudantes do ensino superior continuam sem uma resposta sobre o direito a bolsa de estudo no presente ano lectivo.

Já o presidente da direcção do SNESup prefere apontar soluções do que culpados: para Gonçalo Leite Velho, o problema poderá ser resolvido através da "articulação entre as entidades e num sistema de adiantamentos expedito com critérios claros, que permita identificar logo as situações mais complicadas".

Consequências para os estudantes

Segundo o site da DGES, um estudante que tenha aprovada a sua candidatura à bolsa de estudo recebe, mensalmente, a parcela que corresponde ao valor da bolsa atribuída até finalizar o montante. Caso o pedido seja aprovado, o aluno em causa recebe o pagamento dos meses anteriores ao mês que obteve a apreciação positiva. Se ocorrer a situação oposta, terá de pagar o valor total das propinas que agora estariam em atraso. Até chegar a este ponto, o estudante universitário fica sempre numa situação de instabilidade, já que não sabe quando e se irá receber a bolsa, havendo sempre a possibilidade de chegar ao fim do ano lectivo e ter de pagar as propinas do primeiro semestre na íntegra.

"Um estudante quando se candidata à Bolsa de Estudos, é, à partida, um estudante carenciado, o que significa que maioritariamente, pode não ter disponibilidade financeira para suportar todos os custos inerentes à sua frequência no Ensino Superior durante muito tempo", expõe o presidente da FAP. "Falamos de casos em que estes estudantes por vezes podem estar deslocados das suas residências e têm a necessidade de arrendar um quarto na cidade onde estudam e que por esse mesmo motivo, os senhorios não vão aguardar 6 meses para começar a receber a renda (que muitas vezes ultrapassa os 400 euros)", frisa, lembrando que, graças a estes atrasos, há vários alunos nesta situação.

Para Gonçalo Leite Velho, são casos como estes, nos quais os estudantes não conseguem fazer "face aos custos", tornam-se dos "factores principais para o abandono do Ensino Superior", especialmente tendo em conta que dentro do total de alunos que ainda aguarda a deliberação do SAS sobre as bolsas, vários vão obter uma resposta negativa, fora a possibilidade de ocorrer erros internos que obriguem a retirada de bolsas de estudos a determinados alunos, como erros de contagem de créditos curriculares.

João Rodrigues da FAL alerta que muitos estudantes acabam por pagar posteriormente uma taxa ou multa associada ao atraso de pagamento de propinas causada, por sua vez, pela demora na atribuição das bolsas de acção social. "Daí que a matéria das propinas e a sua respectiva redução seja importante para a Federação Académica de Lisboa. Não faz distinção sob os estudantes, numa sociedade que se quer mais democrática e menos estratificada por condição financeira e permite a todas a famílias maior capacidade para fazer face a todos os outros custos, como o alojamento ou o material escolar, que, por si só, já são avultados", reforça. 

Carolina R. Rodrigues  Revista Sábado

Notícia actualizada no dia 29 de Novembro ao 12h16 com declarações de João Rodrigues, presidente da Federação Académica de Lisboa