ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Mais de 80 mil à espreita da solução dos professores

Em causa estão militares, polícias, funcionários judiciais, magistrados, inspetores e guardas

Os professores têm feito as manchetes, mas o problema da recuperação do tempo de serviço congelado na Administração Pública (AP) vai muito além dos docentes. Em causa estão mais de 80 mil outros trabalhadores, em que a progressão na carreira depende — ou dependia, na época —, sobretudo, de módulos de tempo. E, por isso, estão em situação análoga à dos professores (ver P&R).

Que carreiras são essas? O Expresso questionou o Ministério das Finanças, que respondeu que “tratam-se de carreiras maioritariamente associadas às áreas da Justiça, Administração Interna e Defesa Nacional”. Mas não concretizou quais são. Junto dos sindicatos da Administração Pública, o Expresso apurou, contudo, as principais carreiras que estão em causa no que toca à recuperação de tempo de serviço congelado. A começar pelas Forças Armadas e pela Guarda Nacio­nal Republicana. Em conjunto, estes dois grupos representam cerca de 49 mil pessoas, segundo os últimos dados da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP).

Justiça, Administração Interna e Defesa Nacional são as áreas onde se concentram a maioria das carreiras com situação similar à dos professores

Outro dos grupos com maior relevo são as forças policiais. Só na Polícia de Segurança Pública estamos a falar de mais de 20 mil profissionais. E, se hoje a progressão na carreira dos polícias depende da avaliação de desempenho, além de módulos de tempo, na época do congelamento, entre 2011 e 2017, dependia, basicamente, do tempo de serviço, como explicou ao Expresso Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia. “Queremos que esses anos sejam recuperados para efeitos de progressão na carreira”, afirma o dirigente. E o mesmo se passa com a Polícia Judiciária ou a Polícia Marítima.

Oficiais de Justiça (perto de 7800), guardas prisionais (mais de 4 mil) e magistrados (cerca de 3900) são outros grupos que espreitam a situação dos professores. Tal como algumas áreas das carreiras de inspeção, caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), ou da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

SEMPRE A SOMAR

Tudo somado, as contas do Expresso com base nos últimos dados da DGAEP apontam para mais de 80 mil pessoas na AP à espreita das negociações com os professores. São grupos “que estão a reivindicar uma solução como a dos professores”, frisa Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, afeta à CGTP. A sindicalista aponta o exemplo dos funcionários judiciais, que têm feito greve reclamando a revisão da carreira, mas, também, a contagem do tempo de serviço congelado. “A nossa posição foi sempre que a nenhum trabalhador deve ser apagado o tempo de serviço efetivamente prestado na carreira”, afirma, por sua vez, José Abraão, dirigente da Federação Sindical da Administração Pública (FESAP), afeta à UGT, e membro da comissão política do PS.

Qual poderá ser o custo para as contas públicas? Questionado, o Ministério das Finanças não respondeu. Mas, há um ano, no âmbito das reuniões com estruturas sindicais, o Governo apresentou números que indicavam que a recuperação de todo o tempo de serviço congelado entre 2011 e 2017 custaria €600 milhões na área da Educação e outros €400 milhões nas restantes carreiras em que o tempo é relevante para a progressão. Ou seja, um total de mil milhões de euros. Valor que somaria aos €481 milhões estimados pelo Governo no Orçamento do Estado para 2019 como impacto bruto da continuação do descongelamento das carreiras no próximo ano.

SINDICATOS PEDEM HARMONIZAÇÃO

Na AP convivem regras muito diferentes para a progressão na carreira. No caso das carreiras gerais (técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais), a progressão depende dos pontos acumulados na avaliação de desempenho. E, devido ao sistema de quotas na avaliação, a esmagadora maioria dos trabalhadores demora 10 anos a obter os 10 pontos necessários para avançar uma posição na tabela remuneratória. É por isso que “muitos trabalhadores chegam à reforma sem atingir sequer o meio da tabela, quanto mais o topo”, destaca José Abraão. E exemplifica: “No caso dos técnicos superiores, precisavam de 120 anos para chegar ao topo da carreira. E os assistentes técnicos de 80 anos.”

Depois, há carreiras onde se progride com base em módulos de tempo. Aqui “são necessários três ou quatro anos para progredir uma posição. Isto quando um técnico superior, que até pode ser mais qualificado, precisa de 10 anos, em regra”, constata Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE). Isto sem falar de carreiras especiais, com regras próprias. Por isso, Helena Rodrigues não tem dúvidas: “É preciso repensar e harmonizar, não para pior, mas no melhor sentido.” José Abraão também pede uma reestruturação profunda: “É preciso olhar de maneira diferente para as carreiras. Não vejo solução que não seja uma reestruturação profunda.”

Sónia M.Lourenço Expresso 29 de dezembro 2018