Manuel Heitor garante que nenhum bolseiro sairá prejudicado com a redução do valor máximo da propina e, até ao final da legislatura, quer aumentar número de bolseiros dos actuais 73 mil para os 75 mil.

Nenhum bolseiro universitário sairá prejudicado com a redução do valor máximo da propina prevista na proposta de Orçamento do Estado para 2019. A garantia é dada pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, que, embora assuma que a decisão de baixar o tecto máximo da propina para 856 euros decorreu da necessidade estabelecer consensos partidários, defende que o país deve caminhar no sentido de acabar com as propinas no primeiro ciclo de estudos do ensino superior (ES).

“O ensino superior é de facto uma obrigatoriedade e o seu acesso deve ser livre, sobretudo ao nível da formação inicial”, declarou, explicando que este propósito, que não é imediato mas para “as próximas décadas”, “tem de ser visto num processo de convergência com a Europa”.

Quanto à proposta de reduzir a propina máxima em 212 euros, que suscitou acesas reacções por parte dos representantes das instituições do ES e dos partidos da Oposição que apontam como mais urgente o reforço do alojamento universitário e da acção social, Manuel Heitor considera que “não são medidas que possam ser postas como alternativas”, isto é, “uma acção não prejudica as outras”.

Para estancar as preocupações, o ministro deixa duas garantias claras. Primeira: “Todas as universidades e politécnicos serão totalmente ressarcidos” pelo decréscimo da receita decorrente da redução das propinas, que deverá começar a vigorar a partir de Setembro de 2019 e cujo custo para os cofres do Estado deverá rondar os 38 milhões de euros, nas contas feitas ao PÚBLICO pelo Bloco de Esquerda.

Segunda: embora o valor máximo da propina integre a fórmula de cálculo da bolsa, e a consequente redução desse valor pudesse levar a que cerca 2% dos 73.438 estudantes que em 2017/2018 recebiam bolsa (23% do total) fossem excluídos, o ministro garante que nenhum estudante sairá prejudicado. Pelo contrário, “o objectivo do Governo é aumentar a base social de apoio do Ensino Superior e chegar ao final da legislatura com 75 mil bolseiros”.

Para Manuel Heitor, que se diz empenhado na meta de chegar a 2030 “com seis em cada dez jovens a frequentar o Ensino Superior”, duplicando assim os números actuais, não há, de resto, sequer necessidade de introduzir alterações à fórmula de cálculo da bolsa, na medida em que “o articulado da Lei do Orçamento não altera nem se sobrepõe a lei de financiamento do Ensino Superior”.

Propinas - sim ou não?

Eduardo Marçal Grilo, o ministro da Educação que desenhou o actual modelo de financiamento do ES, admite também que no futuro haja um entendimento europeu no sentido de os diferentes Estados assumirem os custos das licenciaturas. “Aí o modelo mudaria de figura porque os três primeiros anos do Ensino Superior passariam a integrar uma espécie de formação de base de todos os europeus”. Mas, lembra, “ainda estamos longe disso”. Logo, no contexto actual, Marçal Grilo sustenta que a redução da propina proposta no OE “é um disparate”. Porquê? “Se o Estado tem essa folga toda, em vez de estar a dar dinheiro aos que precisam e aos que não precisam, deveria alargar e reforçar as bolsas para quem tem dificuldades em estudar”.

De resto, para o ex-ministro, o princípio deverá continuar a ser o da co-responsabilização financeira dos estudantes – seja em todo o ciclo de estudos seja apenas nos mestrados e doutoramentos. “A gratuitidade é muito relativa, alguém tem de pagar. Não digo que a propina deva custear inteiramente a formação, mas o indivíduo enriquece-se e ganha uma mais-valia que lhe permitirá entrar no mercado de trabalho com mais facilidade e ir para outros países, até fora da União Europeia, e deve assumir uma parte do custo que isso representa”.

Já para o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, António Fontainhas Fernandes, a decisão de acabar ou não com as propinas, ou de baixar gradualmente o montante cobrado às famílias, pode fazer sentido. Desde que “seja o Estado a suportar essa fatia do orçamento das universidades”. “Neste momento, as universidades portuguesas já têm um subfinanciamento crónico”, alerta, para considerar que, no imediato, a prioridade devia ser reforçar a acção social.

França e Alemanha não cobram

Nos restantes países da Europa, os modelos oscilam. José Ferreira Gomes, que foi secretário de Estado do Ensino Superior entre 2013 e 2015, coloca de um lado a França, “onde as propinas são praticamente inexistentes”, e a Alemanha, “onde só há três ou quatro anos começaram a ser cobradas", e, do outro, a Inglaterra onde a propina universal de nove mil libras é complementada com empréstimos garantidos pelo Estado. Este modelo inglês “começa agora a ser questionado porque os empréstimos seriam pagos ao longo de 20 anos pelos próprios graduados e a cobrança é duvidosa, nomeadamente por causa da emigração".

Portugal está, situa Ferreira Gomes, “numa posição intermédia”, com propinas pouco acima dos mil euros. “É um valor alto para a mediana de salários portugueses mas que não representa nenhuma dificuldade acrescida para a classe média alta.” Quanto às famílias de classe mais baixa, “está previsto o apoio directo através das bolsas”. E, no entender deste ex-governante, a decisão de baixar ou anular as propinas é ideológica: “É decidir se queremos apoiar os mais fracos ou se queremos apoiar todos os que votam”.

Embora admita como legítimo pensar-se que “a classe média alta que já pagou impostos mais altos também tem direito a um Ensino Superior financiado”, Ferreira Gomes inclinar-se-ia para a manutenção das propinas acompanhada pelo reforço da ajuda directa às famílias. “Os milhões que o Estado vai gastar por via desta redução do valor das propinas”, sugere, “também seriam mais bem aplicados nas próprias universidades que, nos últimos anos, “deixaram de fazer a manutenção dos edifícios, pouparam no pessoal e agora têm um corpo docente muito envelhecido, e até no aumento das horas de contacto entre professores e alunos que baixou muito nos últimos anos prejudicando a qualidade do ensino”.

Propinas asseguram 34% do financiamento

Considerando que “a gratuitidade do ensino é uma utopia”, a deputada do PSD Margarida Mano posiciona-se contra uma descida das propinas “igual para todos, porque isso beneficia quem pode pagar e prejudica quem não pode”. “Considerar que é melhor reduzir 20 euros aos 100 que as famílias pagam mensalmente para terem um filho na universidade do que duplicar o número de residências existentes ou alargar as bolsas de estudo a mais estudantes é o contrário do que pensamos ser a justiça social”.

PCP e BE não concordam que um ES gratuito e mais alojamento e mais apoio social se devam excluir mutuamente. “Diminuir os custos no sentido da gratuitidade do Ensino Superior é cumprir o que está na Constituição”, aponta a deputada comunista Ana Mesquita, para quem as universidades não podem continuar a depender das propinas para “financiar o funcionamento corrente das universidades e para pagar salários”.

Do lado do BE, que foi o partido autor da proposta de baixar o valor das propinas, o deputado Luís Monteiro diz que “não é aceitável que as propinas que foram introduzidas nos anos 90 como complemento para a melhoria das condições de estudo hoje representem em média 34% do financiamento das instituições”.

De resto, e considerando queas propinas são hoje o primeiro entrave à democratização do Ensino Superior”, Monteiro sustenta que “essa ideia de que há um serviço público que tem que ser pago e depois os pobrezinhos têm um apoio é, logo à partida, um bocadinho duvidoso do ponto de vista constitucional”. Isto porque o Estado português assenta num modelo social que “faz a redistribuição da riqueza, não numa lógica de utilizador-pagador, mas através de um sistema fiscal progressivo de colecta de impostos”.

Lamentando que os partidos à direita “que agora levantam a bandeirinha da acção social tenham chumbado a proposta do bloco para aumentar de 16 para 18 o valor do Indexante dos Apoios Sociais, na fórmula de cálculo das bolsas”, o que as faria chegar a mais estudantes, o deputado do BE considera “erradíssimo”, por outro lado, que as bolsas sirvam para ajudar a pagar as propinas porque “é uma maneira de o Estado financiar o Ensino Superior com fundos comunitários”. Quanto à garantia de que nenhum bolseiro sairá prejudicado, Monteiro é taxativo: “O Governo assumiu connosco esse compromisso e nem nos passa pela cabeça que não o cumpra”.

Natália Faria - 27 de Outubro de 2018, Público