Emprego público deixou de ser vantajoso para licenciados em início de carreira

Jovem licenciado tinha, em 2009, um prémio salarial de 15,5% face ao privado, mas passados dez anos essa diferença desapareceu. Função pública está a perder capacidade de atracção, alerta BdP.

Os salários praticados no sector público continuam a ser superiores aos do sector privado, mas o diferencial tem vindo a cair e, no caso dos licenciados em início de carreira, trabalhar na administração pública deixou de compensar. Se em 2009, a entrada na função pública permitia que um jovem licenciado tivesse um prémio salarial de 15,5% face ao privado, passados dez anos essa diferença desapareceu totalmente.

Esta é uma das conclusões que se pode retirar da análise feita pelo Banco de Portugal (BdP) ao diferencial salarial entre os sectores público e privado em Portugal, e que foi divulgada nesta quarta-feira.

Pegando nos dados do inquérito aos rendimentos e condições de vida do Eurostat para os anos de 2008/2009 e de 2018/2019, os autores do estudo concluem que, embora os salários da função pública continuem a ser mais altos do que os do privado (resultado influenciado pelo facto de o sector público ter um maior número de trabalhadores qualificados), essa diferença tem vindo a esbater-se.

Nos anos mais recentes, o prémio salarial associado ao emprego público era de 11%, uma redução de três pontos percentuais face à diferença verificada no período 2008/2009 entre trabalhadores do público e o privado. Esta redução foi particularmente expressiva entre os funcionários públicos que terminaram o ensino superior e que, numa década, viram o diferencial salarial passar de 37% para 23%.

Os economistas Cláudia Braz, Manuel Pereira e Sharmin Sazedj analisaram também a evolução dos salários ao longo da carreira dos trabalhadores e concluem que a experiência profissional (ou antiguidade, no caso da função pública) dá um retorno salarial positivo tanto no sector público como com privado. Contudo, esse impacto é mais elevado na função pública, nomeadamente para os trabalhadores com o ensino superior, que têm um ganho salarial superior em cerca de 35 pontos percentuais no final da sua carreira face a um trabalhador do privado.

Mas se no período de 2008/2009 existia um prémio em todos os escalões de experiência para os licenciados, nos anos mais recentes isso deixou de se verificar para os que iniciam a sua carreira no Estado. Até 2009, um licenciado recém-admitido tinha, em média, um prémio de 15,5% face ao que aconteceria se tivesse ingressado numa empresa do sector privado. Passados dez anos, esse diferencial desapareceu e iniciar a carreira no público deixou de ter qualquer vantagem em termos salariais.

O sector público, lê-se no documento, “perdeu capacidade de atracção de jovens licenciados relativamente ao sector privado”.

Quando se cruza a distribuição de rendimentos com a experiência, a situação dos licenciados que iniciam agora a sua carreira na função pública também não é animadora. Se no caso dos licenciados com 25 ou 30 anos de carreira o diferencial face ao privado se mantém positivo mesmo para os rendimentos mais altos, já os licenciados com cinco anos de experiência e situados nos percentis salariais mais elevados ficam a perder face a um trabalhador nas mesmas condições no sector privado.

Em jeito de conclusão, os economistas do Banco de Portugal notam que, entre 2008 e 2019, houve uma aproximação entre os salários da função pública e os do sector privado e que o prémio que ainda subsiste na função pública “parece advir das carreiras mais antigas, em particular dos indivíduos com maior escolaridade” e que entraram no Estado antes das reformas feitas em 2006 e 2007 (nomeadamente a criação da tabela remuneratória única).

Este prémio, notam, “já não se observa nas carreiras novas”. “O aumento da procura por qualificações elevadas por parte do sector privado terá contribuído para a redução do diferencial” e isso “pode contribuir para um mercado de trabalho mais equilibrado e eficiente, desde que a capacidade do sector público para atrair e reter funcionários qualificados não seja comprometida”, alertam.

Raquel Martins - 22 de Junho de 2023, Público