Novo curso de Medicina privado chumbado. Universidade recorre a tribunal

CESPU decidiu contestar na justiça decisão da Agência de Acreditação. Instituição queria abrir um mestrado de quatro anos para estudantes já licenciados com 60 vagas anuais.

O novo curso de Medicina que a Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (​CESPU) pretendia criar na região norte foi chumbado pela Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior (A3ES). A instituição, que é a que há mais tempo tenta abrir formação médica no sector privado, decidiu recorrer aos tribunais.

No processo, que o PÚBLICO consultou esta semana no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o advogado da CESPU, Bolota Belchior, apresenta dois tipos de argumentos: contesta o cumprimento dos preceitos administrativos por parte da agência pública e também a argumentação utilizada pela comissão de avaliação para recusar a abertura do novo curso de medicina.

A proposta de curso de Medicina da CESPU é diferente da maioria das existentes em Portugal. Trata-se de um mestrado de quatro anos, apenas aberto a estudantes que tenham “uma boa formação básica adquirida em licenciaturas anteriores”. Ou seja, a formação inicial de um médico por esta via duraria sete anos no total, mais um do que aquilo que actualmente acontece nas faculdades existentes.

A CESPU já faz algo semelhante, fruto de parcerias com cinco universidades espanholas, para onde segue a maioria dos seus licenciados em Ciências Biomédicas, que acabam por concluir uma formação em Medicina em Espanha. A intenção é agora fazer o mesmo processo, mas exclusivamente em Portugal.

Na proposta chumbada pela A3ES exige-se que os alunos tenham uma licenciatura em Ciências Biomédicas “ou equiparada” para serem admitidos no novo curso. Para a agência, “suscita reserva a circunstância de, nos critérios de admissão, ser particularmente valorizada a conclusão da licenciatura em Ciências Biomédicas na própria” instituição, considerando que “existe um claro elemento favorecedor da instituição em si mesma e de quem já é estudante nela”.

A A3ES também considera que os objectivos gerais do ciclo de estudos só “estão em parte claramente definidos”. A utilização do termo “em parte” é contestada pela CESPU por, no entender da instituição privada, nunca ser explicado claramente a que se refere. No processo, o advogado da universidade escreve que “existe uma total omissão de factos e argumentos que alicercem a conclusão” da agência e considera a decisão baseada em “meras abstracções de divagações oníricas”.

Também acusa a A3ES de não ter cumprido o dever de audiência prévia, por não ter respondido à argumentação da universidade privada depois do primeiro relatório da Comissão de Avaliação Externa que fez a primeira análise da proposta do curso.

O pedido de acreditação do curso de Medicina da CESPU foi entregue à A3ES a 15 de Outubro de 2021. A decisão de indeferimento por parte do conselho de administração da agência foi tomada a 7 de Dezembro de 2022, quase 14 meses volvidos. O advogado da universidade alega que a decisão devia ser tomada no prazo de nove meses, pelo que, não tendo acontecido, houve “deferimento tácito”, considerando que o curso está formalmente aprovado. A CESPU, soube o PÚBLICO, pediu, entretanto, o registo do novo curso de Medicina junto da Direcção-Geral do Ensino Superior, o que ainda não tinha acontecido quando a A3ES respondeu ao processo no TAF de Penafiel, a 14 de Abril.

Depois do chumbo do conselho de administração, a instituição de ensino recorreu da decisão, no início deste ano, junto do Conselho de Revisão da A3ES, que “julgou improcedente em toda a linha o recurso apresentado”. A CESPU decidiu, por isso, recorrer aos tribunais. São raros os casos em que uma decisão da A3ES é contestada em tribunal.

“Não sendo frequente, o caso da CESPU não é, contudo, único”, esclarece ao PÚBLICO o presidente do conselho de administração da A3ES, João Guerreiro. Os responsáveis da CESPU não quiseram fazer declarações sobre este processo.

A CESPU não é uma estreante nestas andanças. A ​instituição, sediada em Gandra, cidade do concelho de Paredes, é mesmo aquela que mais insistentemente tem tentado abrir um curso de Medicina. Apresentou seis propostas à A3ES nos últimos anos, incluindo uma em 2009, que foi desenvolvida em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Antes disso, já o havia tentado por mais três vezes, no anterior sistema de regulação do ensino superior. Nunca recebeu luz verde para avançar.

A proposta enviada à A3ES prevê receber 60 alunos por ano e funcionar em articulação com o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel, da rede pública, e também com a rede privada Trofa Saúde, com quem a instituição de ensino superior constituiu a Associação Ensinar Saúde Norte, particularmente o Hospital Central do grupo, em Vila do Conde, uma das maiores unidades de saúde privada do Norte.

O corpo docente identificado inclui 85 doutorados e 200 médicos afectos às unidades de saúde com as quais existem protocolos assinados. Entre os clínicos, há 24 que estão aposentados da prática no serviço público, mas continuam a ter actividade privada. Esse é um dos motivos que levam a A3ES a alegar que o curso de Medicina da CESPU tinha um corpo docente “envelhecido”, que foi um dos aspectos negativos apontados na avaliação. Também se considera que a instituição faz “investigação clínica insuficiente” e que a bibliografia apresentada para sustentar os planos de estudos tem “múltiplas insuficiências, designadamente referências desactualizadas”.

Samuel Silva 29 de Abril de 2023, Público