Ensino Superior: dois mil investigadores em fim de contrato não sabem se vão manter o emprego

Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, António Sousa Pereira, diz tratar-se de uma situação "potencialmente crítica" que precisa de "respostas urgentes".

Com contratos assinados em 2016/17 profissionais aguardam decisões do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Em 2016/2017, cerca de dois mil investigadores foram contratados a prazo, ao abrigo de uma norma transitória. Estes contratos que somam seis anos (com uma renovação a cada três), terminam em 2023 e esses profissionais desconhecem qual será o seu futuro imediato. "O que mais nos preocupa, neste momento, é que solução haverá para os investigadores cujos contratos estão a chegar ao fim. Começa a ser urgente encontrar respostas. É uma situação potencialmente crítica", alerta em declarações ao DN, António Sousa Pereira.

Para o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) "tem de haver soluções equilibradas para reter os melhores e que não impeça o sistema de recrutar os mais jovens que se destacam e que saem das academias". "Temos de fazer opções, mas que não fechem portas a novas contratações. Por isso, precisamos de orientação por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) sobre como proceder para irmos preparando a nossa estrutura", sublinha.

Mariana Gaio Alves, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) também pede respostas urgentes dizendo estar em causa o funcionamento das equipas de investigação. "Deixaríamos de ter equipas de investigação de ciência e tecnologia e é uma situação muito preocupante", afirma. Segundo a presidente do SNESup, "em Portugal, em vez de estarmos a contratar no âmbito da Carreira de Investigação científica, estamos a contratar à margem da carreira com contratos a prazo". "Há duas coisas importantes, estão a ser contratados de forma precária e transitória, o que significa que é sempre uma incerteza grande para o futuro e em termos de investigação científica, é problemático. Quando encontram uma posição mais estável, acabam por sair sem terminar as investigações", salienta. Para Mariana Gaio Alves, trata-se de um "problema de fundo", que precisa de "soluções e respostas urgentes".

A presidente do SNESup relembra que estes cerca de dois mil investigadores são profissionais altamente qualificados, todos com doutoramento. "Na sua grande maioria, têm um ordenado inferior àquele que é o do início da carreira, pois são considerados investigadores juniores, apesar de serem investigadores há muitos anos e, muitos com mais de 50 anos. Estamos a falar de uma remuneração mensal bruta de dois mil euros o que, em termos líquidos, corresponde a pouco mais de 1000 euros", explica.

A pretensão do sindicato é que os investigadores em fim de contrato sejam integrados nos quadros onde podem também, "reforçar o corpo docente envelhecido do Ensino Superior". Ao contrário do presidente do CRUP, Mariana Gaio Alves acredita que é possível absorver todos estes profissionais, sem invalidar a entrada de outros. "Se fossem todos integrados, a carreira tornava-se muito atrativa para os jovens que hoje não se interessam pela área por causa das condições de trabalho. Seria uma medida positiva e que permitiria manter esta atividade profissional", defende.

Negociações com ministério "não avançam"

Mariana Gaio Alves diz estar à espera de uma proposta por parte do Governo no que se refere à situação dos investigadores em fim de contacto, algo que foi "prometido" há vários meses. "Há um atraso muito grande por parte do ministério na negociação de matérias sobre os investigadores. Já deveriam estar a ser tratados, mas ainda não temos qualquer proposta", afirma. A responsável lamenta a falta de resposta e alerta para a demora do processo, já que, mesmo depois de receber a proposta "são matérias que demoram a ser negociadas". "A verdade é que não temos perspetivas sobre o que vai ser o futuro destes investigadores", lamenta.

O DN questionou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), mas não obteve qualquer resposta.

75% dos investigadores trabalham com contratos precários ou a recibo verde

De acordo com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) trabalhavam nas instituições de Ensino Superior, em 2021, um total de 3938 investigadores, entre bolseiros, investigadores de carreira e investigadores a contrato. Destes, apenas 818 são investigadores de carreira. Contudo, no caso dos investigadores, muitos têm contratos com associações privadas sem fins lucrativos (apesar de exercerem em instituições públicas), o que dificulta chegar ao número exato.

Em Portugal, cerca de 75% dos investigadores trabalha com contratos precários ou a recibo verde (sem qualquer vínculo). Nos concursos de 2021, apenas foram abertas 24 vagas para posições de carreira, contrastando com as 616 para investigadores a prazo.

A explicação para a precariedade está na renovação de contratos a prazo para lá do limite legal, uma situação contrária às regras da lei geral do trabalho (um empregador só pode manter um funcionário a contrato por um prazo máximo de três anos). "Utilizam-se várias estratégias para não se ser apanhado nas malhas da lei, com subcontratações por instituições privadas sem fins lucrativos, apesar dos investigadores estarem no setor público. Por isso é que se mantêm tantos anos numa situação precária, pois vão transitando de uma instituição para outra", conclui Mariana Gaio Alves

Cynthia Valente - 11 Abril 2023, Diário de Notícias