Preços dos exames médicos mais do que duplicam na nova tabela da ADSE

Com a tabela do regime convencionado em vigor desde quarta-feira, uma ecografia custa mais 134,5% e as radiografias mais 125%. Consultas sobem 28,6% a 62,5%, com impacto para beneficiários e ADSE.

A nova tabela do regime convencionado, que entrou em vigor nesta quarta-feira, 1 de Março, traz aumentos significativos dos preços a pagar pela ADSE e pelos beneficiários aos prestadores de cuidados de saúde privados. O custo de alguns exames radiológicos mais do que duplica – uma ecografia mamária custa agora mais 134,5% e uma radiografia cervical mais 125% –, o preço das consultas aumentou entre 28,6% e 62,5% e a diária de hospital de dia por sessão de quimioterapia viu o preço subir 50%.

A intenção de actualizar a tabela do regime convencionado já era conhecida e foi justificada pelo conselho directivo da ADSE (o sistema de protecção na saúde da função pública) com a necessidade de compensar a subida da inflação em 2022, mas a sua entrada em vigor foi feita sem aviso prévio aos beneficiários.

Em média, garantiu a direcção da ADSE num documento a que o PÚBLICO teve acesso, a actualização dos preços dos actos médicos, exames, análises e cirurgias rondou os 5%, mas em alguns casos foi preciso ir bem mais longe para tentar estancar a saída do regime convencionado de médicos ou actos médicos.

Foi o que aconteceu com os exames de radiologia. A tabela tem mais de 280 exames previstos e muitos deles foram actualizados em torno dos 5% ou 6%, mas os mais frequentes tiveram alterações bem mais significativas.

O preço total de uma ecografia mamária, por exemplo, subiu 134,5%, passando de 14,5 para 34 euros. A ADSE passa a pagar 27,2 euros (em vez dos 11,60 euros previstos na tabela que esteve em vigor até final de Fevereiro) e o beneficiário vê a parte que lhe cabe aumentar de 2,90 para 6,80 euros.

Já uma radiografia cervical passou a custar mais 125% (passa de seis para 13,6 euros) e uma mamografia passou a ter um custo de 40 euros, um aumento de 48% face aos 27 euros que custava pela antiga tabela.

Algumas consultas de especialidade sofrem alterações igualmente significativas. A maioria das cerca de 80 consultas previstas na tabela mantém os preços e não custam mais do que os actuais 25 euros (20 pagos pela ADSE e cinco euros pelos beneficiários), mas a comparação entre os preços que se aplicavam até final de Fevereiro e a nova tabela permite concluir que há oito especialidades onde o aumento é significativo.

A consulta multidisciplinar de oncologia passa de 92,30 para 150 euros e é a que sofre maior aumento (62,5%). Seguem-se as consultas de psiquiatria, psiquiatria infantil, reumatologia, obstetrícia, ginecologia e dermato-venereologia que sobem 52%, de 25 para 38 euros (30,4 euros suportados pela ADSE e 7,6 euros pelo beneficiário); e, finalmente, a consulta de pediatria, cujo preço passa de 35 para 45 euros (36 euros a cargo da ADSE e nove euros do beneficiário).

As revisões de preços que não seguem a regra geral de 5%, justifica a ADSE numa nota enviada ao Conselho Geral e de Supervisão (CGS), e a que o PÚBLICO teve acesso, “são as que se afiguraram como mais prementes e ocorrem nas tabelas de análises clínicas, radiologia (apenas parcial), anatomia patológica e oncologia (hospital de dia)”.

Nas consultas, “as subidas de preços que não seguem a regra geral foram restringidas às situações mais graves de escassez de oferta pelos prestadores”, acrescenta.

Impacto de 7,7 milhões no bolso dos beneficiários

De acordo com as contas apresentadas ao CGS no final de 2022, o aumento dos preços a pagar aos privados terá um impacto de 7,7 milhões de euros no bolso dos beneficiários, enquanto as despesas da ADSE terão um agravamento de 27 milhões de euros por ano.

Mais de metade do aumento dos encargos, tanto da ADSE como dos beneficiários, decorre do aumento dos preços com a radiologia, com as cirurgias, com as consultas e com as análises.

A ADSE, que é presidida por Maria Manuela Faria, reconhece que a adopção de uma regra geral para a actualização de preços “é discutível, desde logo porque a inflação não se reflecte de forma homogénea nos custos de produção dos prestadores” e reconhece que “a rigidez à descida dos preços fixados na tabela é evidente”.

Mas essa situação, alerta, deve-se às novas condições do mercado “em que a ADSE perdeu peso” na procura global de serviços de saúde devido ao aumento rápido da procura gerada pelos seguros, o que faz com que o seu grau de influência na determinação dos preços se tenha reduzido significativamente. “Assim, e ainda que não seja a prática mais correcta, afigura-se que não existe grande margem para não seguir uma regra geral de acompanhar a inflação, sob pena de se vir a ter mais denúncias nas convenções”, frisa a direcção da ADSE.

Um dos objectivos da actualização da tabela é precisamente evitar a saída de médicos e de actos do regime convencionado para o regime livre (que permite ao beneficiário ir a médicos sem convenção, pagando a consulta na totalidade e depois sendo reembolsado parcialmente pela ADSE).

Contudo, na nova tabela foi eliminada a regra que servia de travão a esta transferência e que impedia os prestadores de facturar no regime livre, pelo período de um ano, as especialidades e actos médicos que deixaram no regime convencionado.

Mudanças sem aviso prévio

A publicação da tabela e a sua entrada em vigor não foi divulgada junto dos beneficiários, como constatou a Associação 30 de Julho, nem sequer noticiada no site.

Durante a manhã desta quarta-feira, o PÚBLICO consultou por diversas vezes a página da ADSE e só depois do almoço foi adicionada informação a dar conta de que a nova tabela do regime convencionado entra em vigor a 1 de Março e “contém a revisão de alguns preços de actos médicos que, devido ao seu valor, prejudicavam o acesso dos beneficiários aos prestadores convencionados com a ADSE”.

Não houve qualquer comunicação aos beneficiários a alertar que pagarão mais por alguns actos médicos”, lamentava nesta quarta-feira de manhã Fernando Medeiros, presidente da Associação 30 de Julho.

“A revisão de preços seria aceitável desde que, em contrapartida, os hospitais privados garantissem que não saíram mais médicos e actos médicos da convenção e que os que foram saindo iriam regressar. Temos receio de que essa contrapartida não tenha sido conseguida por parte da ADSE”, alertou em declarações ao PÚBLICO.

Esta é uma preocupação partilhada por Rosa Maria Simões, representante da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (Apre) no CGS: “A nossa grande reivindicação é que esta actualização da tabela se traduza num aumento dos prestadores convencionados em todo em país”.

A publicação da nova tabela também foi feita sem o parecer prévio do CGS, um órgão consultivo onde têm assento representantes dos beneficiários, dos reformados e do Governo.

Na sequência das eleições para escolher os novos representantes os beneficiários, foi entendido que estando em gestão corrente, este órgão não poderia emitir pareceres e por isso não analisou a proposta remetida pelo conselho directivo. O novo CGS devia ter aprovado um aparecer na reunião desta segunda-feira, dia 27, mas isso acabou por não acontecer e a tomada de decisão foi adiada para a próxima semana, mas chegará já depois de a tabela ter entrado em vigor.

Embora o parecer não seja vinculativo, tem sido prática o conselho directivo da ADSE ouvir a posição do CGS.

Helena Rodrigues, dirigente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e recém-eleita presidente do CGS, defende que “desejavelmente” o conselho deveria ter dado parecer, mas alerta que não houve acordo de todos quanto à proposta que estava em cima da mesa, o que levou ao adiamento.

A dirigente critica a publicação das tabelas sem a informação aos beneficiários e garante que na reunião de segunda-feira “ficou claro que a ADSE devia ter feito um aviso aos beneficiários”.

Entre os membros do CGS há críticas também à ausência de uma explicação detalhada das alterações feitas à tabela de preços.

José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap) e representante da estrutura no CGS, lamenta que as explicações não tenham sido dadas “atempadamente” pelo conselho e critica a publicação das tabelas antes do parecer. “De que serve um parecer depois da tabela aprovada e em vigor? É só para cumprir o formalismo”, questiona.

Questionada pelo PÚBLICO sobre as razões que levaram a avançar com a nova tabela sem parecer do conselho, o conselho directivo da ADSE respondeu que levou a proposta ao conselho “em tempo oportuno”. “O CGS considerou que estando, nessa altura, em gestão corrente não tinha condições de emitir um parecer. Contudo, emitiu uma resolução a 12 de Janeiro em que apelava à entrada em vigor das tabelas com a maior urgência”, assegura.

Quanto aos beneficiários, diz que os informou na newsletter de Novembro que estava a trabalhar em medidas para melhorar a acessibilidade e a qualidade dos serviços de saúde convencionados.

Raquel Martins 2 de Março de 2023, Público