Governo quer simplificar concursos para recrutar funcionários públicos

Diploma será apresentado aos sindicatos nesta segunda-feira, 4 de Janeiro, altura em que arrancam as negociações salariais para 2021. Aumentos só se sentirão a partir de Fevereiro.

O Governo quer simplificar os concursos na administração pública, reduzindo prazos e agilizando alguns procedimentos, para evitar que os processos se arrastem no tempo. A intenção consta de uma proposta de diploma enviada aos sindicatos e que começa a ser discutida nesta segunda-feira, 4 de Janeiro.

Num primeiro momento, a agenda da reunião com o secretário de Estado da Administração Pública, José Couto, previa apenas a discussão dos aumentos salariais para 2021, mas na última convocatória o Governo acrescentou um novo ponto com vista à revisão da Portaria 25-A/2019, que regulamenta o procedimento concursal de recrutamento.

Na proposta em cima da mesa, o Governo propõe várias alterações que, numa primeira análise, parecem ir no sentido de simplificar a tornar mais céleres os concursos. Exemplo disso é a ideia de que tanto as candidaturas como a notificação dos candidatos passem a ser feitas, de forma preferencial, através de meios electrónicos.

Alguns prazos são reduzidos. É o caso do prazo para a verificação dos elementos apresentados pelos candidatos, em particular o preenchimento dos requisitos exigidos e a apresentação dos documentos essenciais à admissão ou avaliação, que se reduz de 10 para cinco dias úteis. Só quando estão em causa mais de 15 candidaturas o prazo se manterá nos 10 dias.

Reforçam-se ainda as competências do júri, que passa a poder pedir directamente aos serviços documentos ou dar mais tempo aos candidatos para apresentarem esses documentos, sempre que os três dias não sejam suficientes por culpa dos serviços ou entidades responsáveis.

A proposta do Governo prevê ainda que os membros do júri incorrem em procedimento disciplinar “quando, injustificadamente, não cumpram os prazos previstos na presente portaria e demais legislação aplicável”. Na portaria em vigor, essa sanção apenas se aplicava ao incumprimento dos prazos do próprio diploma.

“Pensamos que o objectivo global prende-se com a simplificação dos procedimentos, tornando mais célere a conclusão dos concursos, mas vamos aguardar o que o Governo nos vai dizer”, começa por frisar José Abraão, líder da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap).

Por detrás da revisão da portaria, adianta, poderá estar “o exemplo recente do concurso para a constituição de uma reserva de 1000 técnicos superiores que demorou cerca de um ano e meio – e ainda não está concluído – o que demonstra a falta de flexibilidade e de agilidade no recrutamento”.

O sindicalista frisa que é preciso encontrar um equilíbrio entre a salvaguarda dos direitos dos candidatos e a agilização dos processos, para que não se arrastem no tempo e incentivem a precariedade.

“Durante o procedimento dos 1000 técnicos superiores, que ainda não está concluído, havia serviços que precisavam de técnicos e tiveram de aguardar meses”, alerta, dando como exemplo o caso do instituto que gere a ADSE e que teve de recorrer a trabalhadores precários para dar resposta aos atrasos no reembolso aos beneficiários. Para o líder da Fesap, esta deve ser uma oportunidade para se discutir soluções nos casos em que os serviços precisam de trabalhadores com urgência, sem que tenham de recorrer a soluções precárias.

Numa primeira análise, a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Helena Rodrigues não é contra uma agilização dos procedimentos concursais, desde que os direitos dos candidatos estejam salvaguardados. “Estamos à espera que o secretário de Estado explique qual foi o objectivo de mexer num diploma pesado e minucioso”, acrescenta.

Já Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum, não se quis pronunciar sobre a proposta, por ainda estar a ser analisada pelo gabinete jurídico. Mas garante que a revisão não foi espoletada pelos sindicatos que representa.

Aumentos salariais chegam em Fevereiro

Depois de ter decidido aumentar o salário mínimo nacional em 30 euros, para 665 euros mensais, o Governo vai agora desvendar como é que irá adaptar esta medida à função pública. As negociações arrancam nesta segunda-feira e, seja qual for a solução apresentada, ela só irá sentir-se nos salários de Fevereiro – com retroactivos a Janeiro – uma vez que os serviços processam os salários até ao dia 10 de cada mês.

A convocatória enviada às três principais estruturas sindicais fala em “negociação dos aumentos salariais na Administração Pública para 2021”, sem delimitar o universo dos trabalhadores abrangidos. Porém, o Governo já disse que só os salários mais baixos serão actualizados, abrangendo um universo de 100 mil trabalhadores o que corresponde a cerca de 14% da totalidade dos funcionários públicos.

O salário mais baixo da Tabela Remuneratória Única (TRU) do Estado era de 645,07 euros em 2020, cerca de 10 euros acima do salário mínimo aplicado no sector privado. Se o Governo optar por manter esta diferença, a base da TRU passaria para 675 euros, ou seja, mais 30 euros do que em 2020. Outra hipótese é o salário mínimo do público e do privado voltarem a ter o mesmo valor, o que implicará dar um aumento de 20 euros aos funcionários públicos na primeira posição da tabela. Outra questão em cima da mesa é saber se a posição da TRU imediatamente a seguir, que agora é de 693,13 euros, também irá ser alterada, de modo a manter a diferença entre as várias posições.

Os sindicatos não aceitam que os aumentos só cheguem aos salários mais baixos e gostariam que a reunião trouxesse boas notícias para os mais de 700 mil trabalhadores do Estado.

“Não faz sentido que não haja uma actualização salarial para todos”, destaca Helena Rodrigues. “Nós pedimos 1%, o que está em cima da mesa para os salários mais baixos fica acima disso e não faz sentido que para os outros não haja nada. Está-se a valorizar umas carreiras e a desvalorizar outras, o que parece ser contraditório face às declarações do Governo que vão no sentido de termos uma administração pública mais qualificada e capaz de dar resposta ao cidadão”, acrescenta a presidente do STE.

“A nossa expectativa é que o Governo tenha reconsiderado a política salarial de 2021 e que nos anuncie os aumentos que vai fazer na administração pública como um todo”, frisa, por seu turno, José Abraão.

“É evidente que não aceitamos que a base da função pública volte a ficar igual ao salário mínimo nacional. Há muitas maneiras de tratar os rendimentos dos trabalhadores e esperamos que haja compromissos efectivos no sentido de resolver o problema da revisão das carreiras, de rever a TRU no sentido de evitar sobreposições e de alterar o Sistema de Avaliação de Desempenho da Administração Pública”, acrescenta o líder da Fesap.

Do lado da Frente Comum, Sebastião Santana destaca que não vão “iludidos” para a reunião com o executivo e lamenta que o Governo não lhes tenha feito chegar qualquer proposta. “A Frente Comum continua a entender que o aumento deve ser para todos os trabalhadores, para respeitar as diferenças que existiam entre os vários níveis salariais da TRU e que têm vindo a desaparecer”, acrescenta.

Raquel Martins - 4 de Janeiro de 2021, Público