Gonçalo Velho, do Sindicato Nacional do Ensino Superior: “Acho muito difícil que as avaliações estejam concluídas em julho”

Em entrevista ao Expresso, o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNEsup) diz que tem recebido denúncias de professores a quem foi pedido que comprassem as próprias máscaras para usarem quando as aulas presenciais retomassem. Gonçalo Velho critica ainda o Ministério da Educação por nunca ter ouvido o sindicato durante o processo de adaptação ao ensino à distância nem agora, na preparação do regresso à normalidade possível

uando pensa que será possível reabrir as universidades e ter aulas presenciais?
Assim que estejam asseguradas as condições materiais: equipamento de proteção, adaptação das instalações, adequação dos espaços e do número de alunos por turma.Há um conjunto de condições que o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNEsup) enviou ao Ministério da Educação e para o qual não tivemos resposta.

Há quanto tempo foi?
Enviámos há dez dias. Logo no início da crise, há um mês, entramos também em contacto mas não tivemos também qualquer resposta.

E quanto tempo seria necessário para se criar essas condições de segurança?
Bom, há uma questão de financiamento que tem de ser abordada urgentemente. Há um problema na capacidade de resposta, o financiamento tem implicação na retoma à normalidade e, certamente, será mais fácil dar confiança às famílias, alunos, professores e investigadores se as questões materiais estiverem resolvidas.

Quanto seria necessário para criar as condições de segurança?
Não temos previsão. Há vários reitores que publicamente já falaram em números mas, tal como no Ministério, também não temos interlocutor no Conselho de Reitores. Há muito tempo que não reunimos com eles e falta-nos isso para ponderarmos e termos os custos.

Em entrevista ao Observador, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior disse que poderia ser possível regressar às aulas presenciais em maio. Parece-lhe possível?
De forma articulada tudo é certamente mais fácil. Se não existe articulação entre Ministério e a organização representativa dos professores e investigadores, tudo o resto falha.

As avaliações dos alunos vão estar concluídas em julho [também na mesma entrevista, Manuel Heitor avançou com esta possibilidade]?
Parece-me difícil, sobretudo em determinadas aulas práticas. O SNEsup propôs o alargamento das épocas de avaliação e vemos de uma forma positiva que algumas universidades procuraram criar épocas de avaliação extraordinárias de forma a atenderem aos problemas dos alunos. Quer devido às limitações contratuais, quer pela natureza de algumas unidades curriculares que exigem esse alargamento. Além disso, temos muitos alunos que estão afastados das universidades.

Que tipo de limitações contratuais?
Neste momento temos milhares de professores com contratos a termo - representam cerca de 40% do sistema - e muitos destes têm contratos a terminar a 15 de junho e isso vai colocar dificuldades acrescidas.

Outras hipóteses já faladas passavam pelo desdobramento de horários e a redução do número de turmas. É possível?
Já há uma grande sobrecarga do ponto de vista dos horários. A redução do número de alunos por turma e o desdobramento implicam reforços de contratação e há uma palavra que não tem sido abordada mas que é necessária: financiamento. E isso é algo que não temos visto ser acautelado.

Como é que está a ser preparada a avaliação?
Há professores que já estavam adaptados ao blended learning (ensino misto), e já tinham previstas as entregas de trabalhos através das plataformas digitais. Aqueles professores que têm métodos de avaliação por trabalhos escritos, por exemplo, também são rapidamente adaptáveis ao ensino à distância. Nas turmas maiores é mais difícil e a questão da integridade académica também é levantada porque é muito complicado que a avaliação à distância seja feita com os mesmos critérios. Trabalhos e provas de exames orais claro que se pode adaptar à situação, mas só é viável em turmas pequenas.

O Ministério garantiu que iam ser disponibilizadas máscaras e desinfetantes nas universidades mas têm chegado relatos diferentes ao SNEsup…
Correto. Por exemplo, já nos chegaram comunicações que foram enviadas por diretores de faculdades à comunidade docente, indicando que os pessoal não-docente teriam direito a material e os professores não. Temos também registo da situação de diretores que simplesmente indicaram que a faculdade não tinham condições financeiras para suportar o regresso às atividades presenciais - e aqui estou a falar de instituições de maior dimensão…

… Universidades em Lisboa e no Porto?
Sim. Há de facto dificuldades financeiras e uma procura em atribuir esse custo aos docentes, que já estão a suportar quase todos os custos no ensino à distância: procuraram plataformas open source - e algumas até passaram a pagar licenças de aplicações -, estão a gastar o seu equipamento informático, pagam telecomunicações e até a casa estão a dar porque os alunos acabam por entrar um bocadinho na privacidade dos professores. Agora terem de levar o material para a escola é uma situação quase de terceiro mundo. Os docentes e os investigadores do ensino superior fizeram viseiras para oferecerem a outras profissões e de repente parece que para eles não existe material. Se por acaso há algum acidente e as instituições não disponibilizaram os materiais, quem se responsabiliza?

Quantas denuncias? São casos pontuais?
Neste momento existe uma enorme indefinição, aquilo que vemos é completa descoordenação. Há faculdades que avançaram com estes emails em diziam que deveriam ser os professores a pagar, outros receberam emails do reitor a dizer que era a universidade a pagar mas depois nos corredores já surgiam indicações totalmente diferentes dos dirigentes intermédios e depois noutras instituições há um silêncio que significa essencialmente desnorte.

O SNEsup convocou uma assembleia geral de professores. Quais são as maiores dúvidas e as perguntas feitas pelos docentes?
Há duas preocupações essenciais: a primeira é a avaliação e incluiu a segurança das plataformas, a exequibilidade da avaliação pelas ferramentas online e o tamanho das turmas; depois, há a questão das aulas presenciais na vertente de ensino prático, que não sabem como vai funcionar.

26.04.2020 Expresso - MARTA GONÇALVES