Governo volta a propor regras de acesso ao superior especiais para alunos do profissional

Várias soluções propostas na legislatura anterior foram abandonadas. Dados oficiais mostram que há mais alunos do profissional a ir para o superior onde há politécnicos

O Governo vai voltar a propor um modelo de acesso ao ensino superior especificamente destinado aos estudantes que concluem o ensino profissional. A tutela já tinha apresentado soluções nesse sentido na anterior legislatura, mas que nunca foram concretizadas. A percentagem destes estudantes que prossegue estudos é ainda minoritária, mostra um relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) publicado na semana passada.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se haverá regras específicas para o acesso dos estudantes do profissional às universidades e politécnicos, o Ministério da Ciência, Tecnologias e Ensino Superior avança que se “encontra a preparar as medidas adequadas para esse efeito”. A solução definitiva ainda não está fechada, mas os contratos de legislatura que serão assinados no final do mês com as instituições de ensino superior públicas, já deverão incluir o conjunto de indicadores com os quais as instituições se comprometem, incluindo o número de estudantes do ensino profissional que pretendem atrair para os seus cursos.

A tutela sublinha ainda que o programa do novo Governo “consagra o estímulo à diversificação do acesso ao ensino superior e o aprofundamento do acesso dos estudantes oriundos de trajectórias profissionais de nível secundário”.

Este não é um tema novo. No início da legislatura anterior, o Governo tinha anunciado que daria prioridade à atracção de mais estudantes do ensino profissional para os cursos do superior. As várias medidas avançadas ao longo dos anos seguintes, incluindo a criação de uma via própria de acesso que chegou a estar prevista para o concurso nacional de acesso que decorreu este ano, nunca chegaram a ser implementadas.

A solução proposta no ano passado previa que cada uma das universidades e politécnicos decidisse os critérios para acolher os alunos provenientes do ensino profissional numa licenciatura. “A proposta estava bem desenhada, só não foi para a frente por uma questão de tempo, porque estávamos muito em cima do período de candidaturas”, recorda o presidente da comissão nacional de acesso ao ensino superior, João Guerreiro. O momento actual é “o bom momento” para lançar o processo para que a solução possa ser implementada no próximo ano lectivo, defende o mesmo responsável.

O assunto não está isento de polémica, havendo vozes que defendem que regras especiais para os alunos dos cursos profissionais podem facilitar excessivamente o seu percurso, criando injustiças em relação aos estudantes dos cursos científico-humanísticos. Por outro lado, quem defende esta solução lembra que os estudantes dos cursos profissionais estão obrigados a fazer os exames nacionais do ensino secundário para poderem concorrer ao concurso nacional de acesso, que muitas vezes versam sobre matérias que não abordaram nos seus cursos.

De acordo com os dados mais recentes da DGEEC, publicados na semana passada, 82% dos alunos que concluem um curso profissional não se encontram no ensino superior um ano após o final da formação – um indicador que tem vindo a manter-se relativamente estável ao longo dos últimos anos. Pelo contrário, entre os diplomados dos cursos científico-humanísticos, 79% segue para licenciatura ou mestrado integrado e apenas 1% para cursos técnicos superiores profissionais (Tesp), enquanto 20% não continua a estudar. Estes números têm-se mantido estáveis desde 2011/12.mentar

Entre os estudantes do ensino profissional que seguem para o ensino superior, a maioria (correspondem a 13% do total) está a frequentar um Tesp. Apenas 5% dos diplomados dos cursos profissionais estão inscritos em licenciaturas ou mestrados integrados um ano após a conclusão da formação.

O mesmo relatório mostra que é nas regiões onde existem institutos politécnicos que os alunos que terminam cursos profissionais mais frequentemente seguem para o ensino superior.

O distrito onde mais estudantes que concluem o profissional continuam estudos no superior é o de Bragança, onde quase metade (46%) prossegue a formação. Esse indicador é mais do dobro da média nacional: 20% dos diplomados dos cursos profissionais continuam a estudar no nível seguinte no total do país.

A maioria (36%) dos estudantes de Bragança com o ensino profissional que depois frequenta o superior está em cursos técnicos superiores profissionais; os restantes andam em licenciaturas ou mestrados integrados.

“Prioridade é atrair estudantes do ensino profissional para o superior”

O relatório “Transição entre o Ensino Secundário e o Ensino Superior” – que usa dados relativos aos anos lectivos 2017/18 e 2018/19 – não permite perceber se os estudantes de determinada região ficam a estudar perto de casa ou procuram instituições em outras partes do país. O que os indicadores mostram é uma coincidência entre os distritos onde mais estudantes com o ensino profissional seguem para o superior e as regiões que, tal como Bragança, sediam institutos politécnicos. É o caso de Portalegre (33%), Castelo Branco (32%) e Leiria (30%).

Em sentido contrário, os distritos onde a oferta do ensino superior é exclusiva ou eminentemente universitária são os que apresentam menor percentagem de diplomados dos cursos profissionais a prosseguirem estudos. O indicador mais baixo é o do distrito de Évora, onde 12% dos alunos continuam a estudar. Seguem-se Lisboa (14%), Porto (14%), Faro (16%) e Braga (16%).

Samuel Silva - 21 de Novembro de 2019, Público