Universidade Nova espera vender edifício da FCSH por 40 milhões de euros já no próximo ano

Faculdade na avenida de Berna, em Lisboa, pode ser vendida já em 2020. Opção tem causado polémica, bem como a intenção de transferir as faculdades de Direito e de Ciências Médicas para Carcavelos, para junto da School of Business and Economics.

O reitor, João Sàágua, explica o plano e diz acreditar que as vozes divergentes são minoritárias.

Há cerca de 15 anos que João Sàágua ocupa cargos de gestão na Universidade Nova de Lisboa (UNL). Foi vice-director e depois director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), experiência a que se seguiram três anos como vice-reitor com os pelouros das relações internacionais e da área académica. Em Setembro, cumpriu dois anos como reitor. Durante todo esse tempo, nunca se desligou dos alunos. Continua a dar, ao 2.º ano da licenciatura em Filosofia, a cadeira de Introdução à Lógica, o tema em que se especializou na sua carreira académica – sempre ligada à Nova, onde é professor desde 1980. Continuar a dar aulas permite “perceber a evolução dos alunos e continuar em contacto com o futuro do país”. “É extraordinariamente importante até para o cargo que tenho”, justifica.

Era vice-reitor no mandato anterior quando a UNL assumiu o estatuto de fundação. Que balanço faz dessa transformação?
Estou muito entusiasmado com o que já foi possível fazer. Tenho consciência de que há limitações, mas salientaria duas áreas específicas em que se pôde evoluir. Uma é usar esse estatuto para atrair e desenvolver talento. Termos o estatuto de fundação pública permite tomar iniciativas nessa área.

De que forma?
Podemos ter sistemas de contratação de professores ou até de funcionários que não estão sujeitos aos constrangimentos da contratação pública.

E não é só uma forma de os contratar mais baratos?
Até pode ser uma forma de os contratar mais caros. Sem restringir a nenhum sector em particular, esses mecanismos são sobretudo uma forma para contratação internacional. Se eu for contratar um jovem doutor polaco para uma área que me interessa desenvolver, ele não vai perguntar se o estou a contratar de acordo com o Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU).

Qual era a outra vantagem de que ia falar?
A outra vantagem é a capacidade de podermos ter um pensamento estratégico sobre o património da universidade.

É uma questão polémica, depois da aprovação, em Maio, de um Plano Geral de Valorização de Activos Imobilizados (PGVAI), que pressupõe a venda e construção de vários imóveis. Este é um documento definitivo?
Esse documento é uma planificação. Uma universidade que seja fundação pública tem que ter um PGVAI para poder adquirir ou vender património. Os movimentos que estão descritos neste plano têm que ser sustentáveis do ponto de vista financeiro. O que está lá é definitivo, se as condições concretas se vierem a reunir. Se as expectativas não se concretizarem, o plano ficará limitado.

A venda do lote da avenida de Berna, [onde está sediada a FCSH], está em cima da mesa?
Está, claramente, em cima da mesa, assim como a transferência das faculdades de Direito e de Ciências Médicas para Carcavelos.

Qual é o racional desta opção?
O facto de estarmos dispersos por quatro municípios diferentes [Almada, Cascais, Oeiras e Lisboa] e pertenceremos a quatro comunidades diferentes é uma vantagem maior da universidade.

Foram públicas as críticas a estas mudanças, desde logo do presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito, Bacelar Gouveia, e também dos professores da FCSH Luís Espinho da Silveira e Diogo Ramada Curto.
A primeira coisa que fizemos foi falar com todas as unidades orgânicas e tentar perceber constrangimentos e ambições que tinham do ponto de vista da infra-estrutura física. Percebemos que a FCSH está muito mal instalada, bem como a ambição da Faculdade de Direito de ter instalações mais modernas. Percebemos que Faculdade de Ciências Médicas está num edifício extraordinário, mas que é desajustado para o ensino da Medicina no século XXI. Na faculdade de Direito, o Conselho Científico é um órgão colectivo. O presidente não é ele próprio um órgão. E o presidente do Conselho Científico está em desacordo com essa mudança.

O presidente do Conselho Científico diz, nessa carta aberta, que dois terços dos professores estão contra a mudança.
Esse facto não corresponde à verdade. Estive uma tarde inteira a debater este assunto na Faculdade de Direito com docentes, alunos e colaboradores. A perspectiva com que fiquei é que a esmagadora maioria das pessoas, incluindo docentes, está interessada na proposta de mudança para Carcavelos.

A operação de construção de novas instalações da Faculdade de Direito em Carcavelos custaria quanto?
Esse custo está estimado, mas é prematuro divulgá-lo. Estamos a trabalhar nisto em ligação directa com os municípios.

Mas o plano, no caso da FCSH, define um valor de mercado para a venda do imóvel que poderia chegar aos 40 milhões de euros.
Também tive uma reunião na FCSH e não me parece que haja sequer discussão. Não há uma voz discordante relativamente à mudança da Avenida de Berna para o Campus de Campolide. Vamos ter a maior e a melhor faculdade de Ciências Sociais e Humanas do país em instalações que serão umas das melhores da Europa.

Será um edifício novo?
A parte mais importante é a construção de um edifício novo virado para as Ciências Sociais e Humanas do futuro. Naturalmente, seria um erro e um desperdício não tirar o melhor partido das instalações que já existem, coisa que também acontecerá. O destino do dinheiro resultante da venda do lote da Avenida de Berna será a instalação, nas melhores condições possíveis, da FCSH em Campolide.

Este plano tem calendário de execução?
O ideal seria resolver a situação da Avenida de Berna até final de 2020 e começar a pensar simultaneamente na construção do novo edifício da FCSH. Esse seria o aspecto prioritário. O resto, logo se vê.

Concluindo a questão sobre a fundação, quais são as limitações que ainda identifica neste modelo?
São as limitações que ainda são colocadas à autonomia universitária. Ainda há obstáculos óbvios à capacidade de recompensar o talento e o mérito. Por outro lado, existe ainda um conjunto de procedimentos burocráticos – que o Governo se tem empenhado em ultrapassar – que têm sobretudo a ver com a investigação. Os projectos de investigação requerem uma celeridade na sua execução que a burocracia, sobretudo a associada ao Código da Contratação Pública, prejudica.

No seu discurso de tomada de posse, passam agora dois anos, centrou-se muito em questões pedagógicas. As universidades precisam de mudar a forma como ensinam?
O ensino está a sofrer uma transformação em várias frentes, como o desafio da transformação digital do ensino e da formação ao longo da vida. O mercado de trabalho é global, as competências mudam às vezes drasticamente e a universidade tem um papel importantíssimo de assegurar que certas competências transversais.

O que é que ainda lhe falta fazer no mandato nos dois anos que faltam?
Faltará sempre – é um projecto sempre inacabado – reforçar a relação entre as diversas unidades orgânicas da universidade. A UNL quer-se tornar cada vez mais uma universidade global e uma universidade cívica. Ser uma universidade global significa que nós pretendemos que toda a nossa actividade estratégica seja verdadeiramente internacional. Achamos que essa é a melhor maneira de servir o país. Os nossos estudantes têm que ser competitivos a nível global, a nossa investigação tem que ser relevante a nível global.

E o que é uma universidade cívica?
A universidade tem que estar claramente focada no serviço público que pretende prestar, o que tem dois aspectos fundamentais. Primeiro, garantir que não há nenhum estudante português com talento e persistência que fica para trás. Depois, garanti que a universidade estreita cada vez mais a sua relação com as instituições sociais e com a economia para ajudar o país a desenvolver-se. Nós temos a capacidade de produzir conhecimento e queremos ter agendas colaborativas com as organizações e as empresas para que esse conhecimento passe para o desenvolvimento do país.

Samuel Silva - 4 de Outubro de 2019, Público