Acórdão (extrato) n.º 688/2019 - Diário da República n.º 18/2020, Série II de 2020-01-27

Tribunal Constitucional

Julga inconstitucional a norma que impunha às autarquias locais a necessidade de prévia obtenção de parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela administração pública para abertura de procedimentos concursais com vista à constituição de relações públicas de emprego público por tempo indeterminado, para carreira geral, destinados a candidatos que não possuam uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, decorrente da interpretação do n.º 2 do artigo 66.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, na parte em que determina a observância do disposto nos n.os 6 e 7 do artigo 6.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 34/2010, de 2 de setembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro

(..)

  1. A norma decorrente dos nos n.os 6 e 7 do artigo 6.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, consagra um poder de intervenção governamental quanto à abertura de procedimentos concursais para a constituição de relações jurídicas de emprego público que está previsto no âmbito da administração direta e indireta do Estado – onde pode encontrar justificação nos poderes de direção e de superintendência que sobre estas o Governo exerce. No entanto, a norma objeto de fiscalização de constitucionalidade manda aplicar esse regime à administração autárquica, que tem garantias especiais de autonomia consagradas no texto da Lei Fundamental, nomeadamente em termos de ter «quadros de pessoal próprio», não respeitando o estatuto próprio do poder local previsto na Constituição.

Suscita-se aqui, neste âmbito, a problemática da tutela administrativa do Governo sobre as autarquias locais. Efetivamente, limitando a Constituição a tutela neste caso à «verificação do cumprimento da lei» (artigo 242.º, n.º 1), a considerar-se que estamos em presença de uma forma de tutela do mérito da atuação dos poderes locais, esta seria indubitavelmente inconstitucional.

Analisando o conteúdo e o alcance da solução normativa em presença, pode concluir-se que dela resulta o estabelecimento de uma relação tutelar (ou, pelo menos, para-tutelar), atribuindo ao Governo o poder de condicionar a prática de atos na gestão das autarquias. A lei atribui competência a membros do Governo para a emissão de um parecer necessário (e necessariamente favorável) para que as autarquias exerçam o seu poder de abertura de procedimentos concursais com vista à constituição de relações jurídicas de emprego público. É um poder governamental de controlo prévio sobre a atuação do empregador público autárquico que não se limita a um mero controlo de legalidade – sendo, por isso, violadora da Constituição.  (..)

  1. É importante ter em conta que existiam formas alternativas de a lei prosseguir os interesses públicos em causa, restringindo, condicionando ou limitando o poder dos empregadores públicos autárquicos de abertura e condução de procedimentos concursais de emprego público dentro dos limites da Constituição. Por exemplo, seria possível estabelecer um procedimento administrativo mais exigente, com o envolvimento do órgão deliberativo autárquico, ou impondo condicionalismos orçamentais ou financeiros, que garantam a sua compatibilidade com o objetivo da contenção da despesa pública. Nesse caso, terá o Governo legitimidade para, no exercício dos seus poderes de controlo, averiguar do cumprimento das restrições legais. A lei também pode impor deveres de reporte de informações detalhadas sobre o pessoal das autarquias à administração central. Estes são instrumentos admissíveis para o equilíbrio entre a prossecução dos interesses públicos supralocais e a autonomia local em termos de pessoal (artigo 6.º, n.º 1, e artigo 243.º, n.º 1 e 2, da Constituição).
  2. Resta-nos, pois, concluir que a norma objeto de fiscalização se traduz na atribuição de um poder absoluto de “veto” ou “bloqueio” ao Governo, que pode objetar ao procedimento, caso não concorde com o mérito das soluções preconizadas pelo empregador público local, o que se revela como uma forma constitucionalmente censurada de tutela.

Daqui decorre a inconstitucionalidade da norma que impunha às autarquias locais a necessidade de prévia obtenção de parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela administração pública para abertura de procedimentos concursais com vista à constituição de relações públicas de emprego público por tempo indeterminado, para carreira geral, destinados a candidatos que não possuam uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, decorrente da interpretação do n.º 2 do artigo 66.º da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na parte em que determinava a observância do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 6.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, por violação do princípio da autonomia local, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição.(..)