Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

ACTO DE HOMOLOGAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DEZEMBRO  (SIADAP 2007)

CARÁCTER SUPOSTAMENTE NECESSÁRIO DA RECLAMAÇÃO DA HOMOLOGAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO

Processo: 00021/14.6BEBRG

Data do Acórdão: 31-10-2019

Tribunal: TAF de Braga

Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão

ACÇÃO ADMINISTRATIVA. ACTO DE HOMOLOGAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO, EXCEPÇÃO DE INIMPUGNABILIDADE DO ACTO,

CARÁCTER SUPOSTAMENTE NECESSÁRIO DA RECLAMAÇÃO DA HOMOLOGAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO ATRIBUÍDA AO ABRIGO DOS ARTIGOS 61º E 72º DA LEI 66-B/2007, DE 28 DE DEZEMBRO (SIADAP 2007)

Sumário:

I-Quer se perfilhe um entendimento, quer se persiga outro, notório é que mesmo que a reclamação do acto de homologação da avaliação de desempenho fosse necessária, tendo a Recorrente lançado mão de reclamação contra o dirigente máximo do serviço e não tendo Este respondido dentro do prazo legal, Aquela estava legitimada a impugnar o acto de homologação, por ausência de resposta à reclamação;

I.1-a Administração está obrigada ao princípio da decisão;

I.2-o Recorrido nunca respondeu à reclamação da Autora;

I.3-não tendo Aquele respondido à reclamação no prazo legal, nem sequer tendo dado cumprimento ao dever de informar, depois de instado a tal, naturalmente que era legítimo à Autora lançar mão dos meios judiciais para obter uma resolução definitiva da questão;

I.4-as decisões judiciais não podem legitimar a inércia da Administração;

I.5-a não decisão das impugnações (necessárias) no prazo legal confere plenitude de efeitos ao acto primário para fim de tutela contenciosa, efeitos esses que estavam suspensos;

I.6-o processo é um instrumento e não um fim em si mesmo e as decisões de mérito devem ter prevalência sobre as decisões de forma;

I.7-a convocação destes princípios também desaconselhava a prolação de uma decisão judicial perfunctória que conduziu à absolvição da instância da Parte em falta.*

RELATÓRIO
A.A.V.C., NIPC (…), residente na Rua (…), instaurou acção administrativa contra a Universidade do Minho visando o acto de homologação praticado pelo Reitor desta Universidade, em 18/07/2013, pedindo:
a) a anulação do acto de homologação da avaliação de desempenho do ano de 2012, datado de 18/07/2013, proferido pelo Senhor Reitor da Universidade do Minho;
b) a condenação do Réu a substituir o acto impugnado por um que homologue a avaliação atribuída pela avaliadora (Desempenho Excelente) ou, no mínimo, Desempenho Relevante.

Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto e absolvida da instância a Entidade demandada.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Aquela concluiu:
a. O presente recurso visa a revogação do despacho saneador/sentença que absolveu o réu/recorrido da instância, por procedência da excepção de inimpugnabilidade do acto administrativo.
b. A acção administrativa especial de impugnação com condenação à prática do acto devido intentada pela A./recorrente, contra o R./recorrido, Universidade do Minho, gira em torno da impugnação da avaliação de desempenho relativa ao ano de 2012, realizada ao abrigo da Lei 66-B/2007, de 28 de Dezembro (Lei SIADAP 2007)

c. Foram formulados os seguintes pedidos: 

  1. A) Anulação do acto de homologação da avaliação de desempenho do ano de 2012 da autora (datado de 18.07.2013) proferido pelo Sr. Reitor da Universidade do Minho;
    B) Condenação do R. a substituir o acto impugnado por um que homologue a avaliação atribuída pela avaliadora (Desempenho Excelente) ou, no mínimo Desempenho Relevante.
    C) Condenação do R. no pagamento das custas e procuradoria condigna a favor da Autora.
    d. A sequência cronológica da avaliação aqui em crise (2012) foi a seguinte:
    e. A Sra. Presidente da Escola de Ciências da Universidade do Minho avaliou a recorrente com a menção qualitativa de Desempenho Excelente e a menção quantitativa de 5,000 valores.
    f. Tal avaliação não foi validada pela Secção Autónoma do Conselho Coordenador da Avaliação, órgão que desceu a sua notação para 3,967 valores (desempenho adequado).
    g. Dentro do prazo legal, a 25.03.2013, a recorrente pediu a submissão do seu processo de avaliação à Comissão Paritária.
    h. O parecer da Comissão Paritária chegou apenas a 03.07.2013 e veio no sentido da atribuição da classificação de mérito da ora recorrente, pese embora dois dos membros terem feito referência à salvaguarda do limite de quotas.
    i. A 05.09.2013 a recorrente foi notificada da homologação da avaliação de desempenho, datada de 18.07.2013, mantendo-se a avaliação proposta pela Secção Autónoma do Conselho Coordenador da Avaliação, ou seja, 3,967 (Desempenho Adequado).
    j. A 10.09.2013, a recorrente reclamou junto do recorrido.
    k. Em Dezembro de 2013 a recorrente endereçou ao recorrido um pedido de informação procedimental, que não mereceu qualquer resposta.
    l. A reclamação nunca foi conhecida nem até à entrada da acção, nem até aos dias de hoje, 6 anos depois!

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Vejamos:
Os autos atestam o seguinte:
-relativamente ao desempenho do ano de 2012, a ora Recorrente foi avaliada pela sua superior hierárquica, a Senhora Presidente da Escola de Ciências da Universidade do Minho, com a menção qualitativa de Desempenho Excelente e a menção quantitativa de 5,000 valores. Tal avaliação não foi validada pela Secção Autónoma do Conselho Coordenador da Avaliação, órgão que desceu a sua notação para 3,967 valores (desempenho adequado);
-dentro do prazo legal, a 25/03/2013, a Recorrente pediu a submissão do seu processo de avaliação à Comissão Paritária, tendo recebido o relatório a 03/07/2013, após sua insistência, que pediu informação procedimental e cópias de documentos. O parecer da Comissão Paritária veio no sentido da atribuição da classificação de mérito da ora Recorrente, pese embora dois dos membros terem feito referência à salvaguarda do limite de quotas.
Concomitantemente com a notificação do parecer da Comissão Paritária, a Recorrente recebeu o “indeferimento” do Sr. Vice-Reitor da Universidade do Minho, ao que reagiu.
A 05/09/2013 foi notificada da homologação da avaliação de desempenho, datada de 18/07/2013, mantendo-se a avaliação proposta pela Secção Autónoma do Conselho Coordenador da Avaliação, ou seja, 3,967 (Desempenho Adequado). Dentro dos 5 dias úteis de que dispunha reclamou junto do aqui Recorrido.
Antes de dar entrada da acção, em dezembro de 2013 a ora Recorrente endereçou ao Recorrido um pedido de informação procedimental, que não mereceu qualquer resposta.
A reclamação jamais foi decidida.
O Tribunal a quo, como se viu, em despacho saneador/sentença, julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto, fundamentando tal decisão no carácter supostamente necessário da reclamação da homologação da classificação atribuída ao abrigo dos artigos 61º e 72º da Lei 66-B/2007, de 28 de dezembro (SIADAP 2007).
Argumentou desta forma: Neste sentido, o carácter obrigatório de tal reclamação constitui um impulso necessário, enquanto condição prévia de acesso à via contenciosa.
Desta forma, o acto impugnado não era impugnável contenciosamente, antes dele cabendo reclamação, a fim de abrir a via contenciosa.
Com efeito, o acto impugnado não constitui o culminar do procedimento de avaliação, sendo que a interposição da reclamação não é uma opção do interessado, mas é imposta pela natureza obrigatória da mesma, cuja interposição constitui um pressuposto do acesso ao tribunal, só sendo judicialmente impugnável a decisão tomada no âmbito de tal reclamação.

Ora, ao entender que cabia reclamação do acto para abrir a via contenciosa parece estar implícito na decisão que, in casu, não teria existido reclamação, o que contraria frontalmente a fundamentação de facto, que é a seguinte:
A)Em 11/09/2013, a Autora apresentou à Ré reclamação do acto de homologação da sua avaliação de desempenho de 2012;
B)Na data de instauração da presente acção ainda não tinha sido proferida decisão da reclamação referida na alínea A).
A Recorrente começa por apelar à nulidade da sentença.
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De todo o modo, independentemente da invalidade apontada pela Parte, certo é que o despacho recorrido atentou contra as regras do Direito, o mesmo é dizer que incorreu em erro de julgamento como a seguir se desenvolverá.
A questão de fundo dos autos prende-se com a natureza da reclamação a que se refere o artigo 72º da Lei 66-B/2007, de 28/12.
Já se constatou que o Tribunal acolheu a tese da reclamação obrigatória, leitura que merece a discordância da aqui Recorrente.
É sobejamente conhecida a querela doutrinal e jurisprudencial gerada em torno da natureza da reclamação e recurso na Lei 10/2004, de 22 de março e do acto administrativo impugnável.
Na óptica da Apelante, mal se compreenderia que o legislador não esclarecesse definitivamente esse ponto na lei nova (Lei 66-B/2007); e, no seu entender, fê-lo não denominando a reclamação como necessária (artº 72ª) e dizendo que do acto de homologação cabe impugnação jurisdicional, nos termos gerais.
E enfatiza: se assim não fosse, o legislador teria restringido, no artº 73º, a impugnação jurisdicional apenas à decisão sobre a reclamação, porquanto este seria o acto administrativo com eficácia externa e a homologação passaria a acto meramente procedimental, logo, estaria a mais nesta estatuição. Já a previsão da impugnação jurisdicional de ambos os actos administrativos faz todo o sentido, na medida em que o acto de homologação é um acto com eficácia externa, logo, impugnável e a decisão sobre a reclamação poderá ser um acto administrativo não meramente confirmativo, podendo ser também objecto de impugnação.
E conclui: a interpretação mais consentânea com a letra lei e o espírito da lei é a de que a reclamação do acto de homologação é meramente facultativa, pelo que fez o Tribunal a quo errada aplicação do direito, designadamente do artº 73º da Lei 66-B/2007, de 28 de dezembro ao decidir-se pela procedência da excepção de inimpugnabilidade.
Como é fácil perceber, no âmbito deste recurso não temos de tomar posição sobre esta temática.
Quer se perfilhe um entendimento, quer se persiga outro, notório é que, mesmo que a reclamação do acto de homologação da avaliação de desempenho ao abrigo da Lei 66-B/2007 fosse necessária, tendo a Recorrente lançado mão de reclamação contra o dirigente máximo do serviço e não tendo este respondido dentro do prazo legal, aquela estava legitimada a impugnar o acto de homologação, por ausência de resposta à reclamação.
A Administração está obrigada ao princípio da decisão, consagrado no artº 9º/1 do CPA antes da reforma introduzida pelo DL 4/2015, de 7 de janeiro. E, nos termos do artº 72º/1 da Lei 66-B/2007, de 28 de dezembro, o prazo para decidir da reclamação do acto de homologação é de 15 dias úteis. Conforme consta do PA, a Recorrente entregou a reclamação do acto de homologação a 10/09/2013; logo, o aqui Recorrido tinha a obrigação de lhe responder até ao dia 01/10/2013 (15 dias úteis).
Como já acima sinalizámos, o Recorrido nunca respondeu à reclamação da Autora.

Pretender que esta aguardasse ad eternum uma resposta, é algo que arrepia qualquer visão legal sobre a matéria, embora tal solução tenha sido validada pelo Tribunal a quo com a decisão que proferiu, como bem se advoga nas alegações.
Efectivamente, não tendo o Recorrido respondido à reclamação no prazo legal, nem sequer tendo dado cumprimento ao dever de informar, depois de instado a tal, nos termos do artº 61º do antigo CPA, naturalmente que era legítimo à Autora lançar mão dos meios judiciais para obter uma resolução definitiva da questão.

As decisões judiciais não podem legitimar a inércia da Administração, no caso, o Recorrido. Sufragar-se a decisão recorrida equivaleria a que volvidos todos estes anos não havia ainda condições de impugnar a avaliação da Parte e, provavelmente, jamais. Estaria assim encontrada a solução pela Administração para boicotar o acesso aos Tribunais por parte dos particulares, o que não pode, de forma alguma, sancionar-se, sob pena de denegação de Justiça.

Independentemente da visão que se perfilhe, não podemos deixar de concluir que o legislador, obviamente, não quis cercear o direito à tutela jurisdicional efectiva; assim, mesmo que se considere estar-se na presença de um caso de impugnação administrativa necessária, certo é que os interessados podem fazer valer os seus direitos perante os Tribunais.

Como bem ensinam Aroso de Almeida e Carlos Cadilha em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª ed. revista, pág. 350, “(...) se tiver sido interposto recurso hierárquico necessário e este não tiver obtido resposta dentro do prazo legalmente previsto para a sua resolução (...), fica automaticamente aberta a via contenciosa contra o acto praticado pelo subordinado.”
Mutatis mutandis, no caso em apreço, a admitir-se que a reclamação seria necessária, volvidos os 15 dias úteis de que o dirigente máximo do serviço dispunha para responder, sem o ter feito, a Autora seria livre de impugnar o acto de homologação, como fez.
(..)-convocando os artigos 20º e 268º/4 da CRP e 7º do CPTA, temos também de concluir que, sendo o processo um instrumento e não um fim em si mesmo e devendo as decisões de mérito terem prevalência sobre as decisões de forma, é imperiosa a necessidade de revogação da decisão sob recurso;
-competia ao Senhor Juiz ter sido o guardião destes princípios constitucionais e legais do processo equitativo e não alhear-se deles como fez, com uma decisão perfunctória que conduziu à absolvição da instância da Parte em falta.
Procedem, pois, todas as conclusões da, aliás, bem estruturada peça processual da Recorrente.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se o despacho saneador/sentença e ordena-se a remessa dos autos ao TAF para que conheça do mérito da causa, caso a tal nada mais obste.
Custas pelo Recorrido.

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/c1bba6508a9ac26d802584c6004051f4?OpenDocument