Alunos em mestrado disparam

Há 20 anos, 29 países assinavam a Declaração de Bolonha para criar um espaço europeu de ensino superior. O balanço é positivo

Para um jovem que acaba uma licenciatura de três anos, são várias as perguntas que se impõem: deve inscrever-se num mestrado? Na mesma instituição onde tirou o curso? Na mesma área? Ou deve começar logo a procurar emprego, mesmo que com 21 anos? Segundo dados recolhidos pelo Expresso junto de algumas das maiores universidades, a maioria dos alunos decide não se ficar pelas licenciaturas de Bolonha e acaba mesmo por prosseguir estudos.

“É uma escolha que depende das certezas e dúvidas que se tem sobre a área em que se quer trabalhar. Com o dinamismo atual do mercado de trabalho, ambas as opções podem encontrar respostas”, avalia Carlos Maia, diretor regional da empresa de recrutamento Hays. As oportunidades existem, mas as compensações podem não ser iguais.

Foi há 20 anos que 29 países subscreveram a Declaração de Bolonha, com o objetivo de criar um Espaço Europeu de Ensino Superior. Em Portugal, mantiveram-se as designações — licenciatura, mestrado, doutoramento — mas muito mudou na estrutura, na mobilidade dos jovens e até na qualidade do ensino.

Logo à partida, salienta o ministro Manuel Heitor, há cada vez mais estudantes a circular entre escolas de ensino superior na Europa. É certo que a existência do Erasmus é anterior à Declaração de Bolonha, mas a criação de um sistema de créditos europeu veio tornar mais fácil o reconhecimento dos meses de estudo passados noutras instituições. E houve também um aumento de inscritos no ensino superior, tanto pela introdução de formações curtas (dois anos) nos politécnicos em que cerca de 60% dos alunos acabam por seguir para as licenciaturas, como também por via dos mestrados. Antes da revisão dos graus determinada por Bolonha havia 12 mil inscritos em mestrados. Hoje são quase 60 mil.

A questão é saber se esse aumento corresponde a uma subida real das qualificações, já que um licenciado pré-Bolonha pode ter frequentado um curso de cinco anos, tantos como os agora necessários para chegar a mestre.

“Não acho que um licenciado pré-Bolonha saísse mais bem preparado do que hoje. Dantes, o acesso ao conhecimento era muito mais lento”, sublinha Maria de Lurdes Fernandes, vice-reitora da Universidade do Porto (UP) e coordenadora do grupo sobre Bolonha dentro do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.

Do lado dos empregadores, também não se coloca todo o peso no grau. “O mestrado é visto como um plus, mas não é um complemento obrigatório. Nas áreas das tecnologias da informação, engenharias, gestão, economia e marketing há um mercado muito recetivo a alunos com formação de três anos”, garante Carlos Maia. E há também a vontade de muitos jovens de ter o primeiro contacto profissional logo a seguir à licenciatura para perceber a área em que querem trabalhar e só depois escolher o mestrado que lhes possa dar essa especialização. “Se pensarmos numa posição mais sénior, então o mestrado será mais importante.”

Entre os currículos que chegam à agência de recrutamento Michael Page, só uma minoria são de estudantes que ficaram pelo 1º ciclo. “A maioria segue para o mestrado, ainda que o possa conciliar com um emprego”, descreve a diretora Sílvia Nunes. No entanto, acredita, mais do que o grau académico interessa a “vertente comportamental, o saber estar e saber falar, as experiências de participação em Erasmus, projetos ou voluntariado”.

Mas a análise às remunerações dos diplomados com até 10 anos de experiência profissional — feita no estudo “Os Benefícios do Ensino Superior” publicado no ano passado por investigadores das universidades do Minho, Porto e Aveiro — mostra como o mercado de trabalho acaba mesmo por valorizar os mestrados. Um mestre ganha mais 80% do que alguém que ficou pelo 12º ano e que tem o mesmo tempo de experiência profissional e esse “prémio” não se alterou entre 2006 e 2015. Já entre os licenciados, a diferença salarial para os que têm apenas o secundário caiu de 80% para 50% no mesmo período.

“Dantes fazia-se a diferença entre quem tinha e não tinha ensino superior. Agora há uma divisão clara entre licenciados e mestres”, nota o diretor do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, Pedro Teixeira.

Cursos de elite?

O risco, admite o investigador, é surgir uma divisão também no acesso, tanto por barreiras financeiras — não existe um teto para o valor das propinas nos mestrados, que pode atingir vários milhares de euros — como sociais. “Quem tem mais meios e mais acesso à informação reconhece melhor o valor da formação adicional”, alerta. A tentação para as instituições aumentarem o valor das propinas nos mestrados é grande, reconhece. E o problema é que o valor mínimo das bolsas nos 2º ciclos não vai além dos €1000. Mas nem só da restruturação de graus se fez o processo de Bolonha. A mobilidade entre áreas de estudo e até escolas aumentou, nota a vice-reitora da UP: “Há pessoas a tirar dois mestrados ou cursos em áreas diferentes das que se formaram na licenciatura. Há públicos mais adultos e a optar por percursos diferenciados.”

Pedro Lourtie, antigo secretário de Estado do Ensino Superior e um dos participantes na redação da Declaração de Bolonha, acrescenta mais objetivos concretizados: a criação de agências que avaliam a qualidade do ensino e a muito maior colaboração com instituições fora de Portugal.

Mas as transformações na forma de ensinar e de trabalhar com os alunos ainda estão aquém do se previa. “A ideia era que as universidades não fossem apenas locais para a aprendizagem científica e técnica, mas também de outras competências importantes para o mercado de trabalho e para a vida. Esse foi um aspeto pouco trabalhado ao início”, conclui Lourtie.

P&R

O que é a Declaração de Bolonha?

É uma declaração política subscrita por 29 países em 1999 e que deu origem ao chamado Processo de Bolonha, visando a construção de um Espaço Europeu do Ensino Superior. Hoje reúne 48 países, unidos no compromisso de tornar os seus sistemas de ensino mais comparáveis e compatíveis, facilitando a mobilidade dos estudantes e o reconhecimento dos seus percursos, independentemente da instituição onde estudaram ou onde se diplomaram. O desenvolvimento de um sistema de créditos europeu (que mede de forma uniforme o trabalho dos alunos), a criação de um suplemento ao diploma (documento bilingue com o descritivo da formação que se recebeu) e a obrigação de ter uma agência de avaliação e acreditação de cursos e instituições são alguns dos instrumentos utilizados.

As formações superiores passaram a ser todas iguais na Europa?

Não, mas houve uma aproximação. Genericamente, os sistemas dos países subscritores de Bolonha passaram a organizar-se em três ciclos — 1º, 2º e 3º —, mas a duração de cada um pode ser diferente. Por exemplo, em Espanha, uma licenciatura tem, em regra, quatro anos. Em Portugal, a lei foi revista em 2006: mantiveram-se as desi­gnações, mas a licenciatura passou a corresponder a um 1º ciclo de três anos (antes de Bolonha tinha quatro ou cinco), o mestrado a um 2º ciclo de um ano e meio ou dois e o doutoramento a um 3º ciclo de três anos. Mas há exceções: Direito e formações na área das Tecnologias da Saúde têm uma duração mínima de quatro anos. E há profissões reguladas pela UE, como Arquitetura ou Medicina, que preveem que só com cinco anos de formação (mestrado integrado) se possa exercer a profissão. Também há casos determinados pelas ordens profissionais que requerem o título de mestre para os diplomados se inscreverem.

E qual é o valor das propinas?

A situação é muito variável na Europa. Há seis países onde as licenciaturas são gratuitas (Dinamarca, Grécia, Malta, Suécia, Escócia e Noruega). Nos restantes são cobradas propinas. Portugal faz parte deste último grupo. E se nas licenciaturas há um limite máximo imposto (1063 euros atualmente e 856 no próximo ano letivo), nos mestrados esse teto só existe quando um curso de 2º ciclo é essencial para o exercício da profissão: é o caso de Medicina ou dos mestrados em Ensino para quem quer ser professor, em que se cobra o mesmo que na licenciatura. A maioria dos mestrados acaba por custar cerca de mil euros/ano, mas há cursos cujo custo total pode atingir vários milhares de euros. Por exemplo, o mestrado em Gestão no ISCTE chega aos €7350 e o de Finanças da Universidade Nova de Lisboa ultrapassa os €12 mil. Em todos os casos, a bolsa mínima para os alunos de mestrado (a mais comum) tem como limite a propina máxima fixada para o 1º ciclo. Em 2017, de acordo com números do Ministério da Educação, 22% dos alunos em licenciaturas e mestrados integrados recebiam bolsa. No caso dos mestrados, o valor caía para 18%. A estas acrescem os programas de apoio a alunos carenciados que existem nas próprias instituições.

Quantos cursos existem?

A oferta é vasta. Nas licenciaturas e mestrados integrados, o concurso nacional de acesso conta com 1068 cursos. Já no caso dos mestrados, no último ano letivo havia 2474 em funcionamento.

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2413/html/primeiro-caderno/sociedade/Alunos-em-mestrado-disparam

Isabel Leiria  Expresso 26.01.2019