Financiamento às universidades estagnou desde 2008

Fosso entre países da Europa do Norte e do Sul está a agravar-se, assinala observatório

Portugal é um dos países europeus com percentagens mais baixas de financiamento para o ensino superior em relação à riqueza criada no país, e os valores atuais estão ao nível do que acontecia há 10 anos ou até abaixo, se se excluir o aumento que foi consumido pela reposição de salários. Com apenas 0,38% do PIB gastos pelo Estado nas universidades públicas (dados de 2016, os últimos disponíveis), só Grécia e Irlanda apresentam valores inferiores. Em 2008, o sistema recebia 0,34%. Os números foram discutidos no último encontro da Associação das Universidades Europeias (EUA).

“Se Portugal não reagir, teremos uma situação cada vez mais periférica em termos de recursos humanos”, alerta Pedro Teixeira, diretor do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES). Este será um dos temas que o também consultor do Presidente da República para esta área apresentará na primeira sessão da Convenção do Ensino Superior, que arranca a 7 de janeiro e que se desenrolará ao longo do próximo ano, com o objetivo de definir uma nova agenda política para os próximos 10 anos.
O observatório da EUA assinala ainda que está a agravar-se a divisão entre duas Europas: nos países do Centro e do Norte — como são os casos da Suécia, Noruega, Dinamarca e Alemanha — não só o investimento é elevado como está a aumentar; no Leste e no Sul verifica-se precisamente o contrário, com o baixo investimento a estagnar ou até a diminuir nos últimos 10 anos. Aconteceu na Grécia, Itália, Espanha e Portugal.

“Em Portugal houve um primeiro aperto financeiro nos anos de 2005, 2006, 2007. Nos dois anos seguintes houve uma recuperação, só que depois veio a crise e o investimento sofreu um trambolhão entre 2011 e 2013. Nos anos mais recentes começou-se a recuperar, mas o aumento das verbas foi muito consumido pela reversão dos cortes salariais e atualizações decorrentes de concursos e provas de agregação e doutoramento”, descreve Pedro Teixeira. Ou seja, acredita o ex-vice-reitor da Universidade do Porto, “em termos reais as universidades não estão a ter mais dinheiro comparando com 2008”. E a despesa por aluno continua bastante abaixo das médias da OCDE e da UE.
O problema, alerta, é que esta “depressão do financiamento público” não permite reverter de forma definitiva o “persistente défice de qualificações”. É certo que os indicadores educativos têm vindo a melhorar. Mas o atraso persiste, mesmo nas faixas etárias mais jovens.

Faculdades envelheceram

Segundo dados da OCDE, menos de 40% dos jovens portugueses com 20 anos estão hoje inscritos no ensino superior. E entre o grupo etário 25-34 anos só um em cada três passou pela universidade (33,6%), enquanto em Espanha os valores chegam aos 42,6% e na Irlanda aos 53,5%.

E, ao contrário do que acontece noutros países da Europa, quem não passa pelo ensino superior aos 18 e 19 anos dificilmente volta aos bancos da universidade. A dificuldade de conciliar horários de trabalho com o curso ou a falta de perceção dos benefícios que decorrem da frequência do ensino superior são algumas das justificações apontadas pelo diretor do CIPES.

Por isso, continua, seria importante avaliar mecanismos de incentivo e organização capazes de atrair mais adultos. “A discussão centra-se muito sobre os alunos que fazem o percurso direitinho, realizam os exames e concorrem ao ensino superior. Mas não basta olhar para esse público.”

Aumentar o investimento público na ação social, rejuvenescer o corpo docente, tornar o ensino mais experimental e dinâmico são alguns dos ingredientes necessários à revitalização do sistema e à atração de mais estudantes, defende Pedro Teixeira.

Depois do investimento feito nas décadas de 80 e 90, com a contratação de professores e melhoria das estruturas para dar resposta a uma procura crescente, é imperioso voltar a investir na qualidade. “Já não podemos viver à sombra do que foi construído nesses anos durante muito mais tempo.” Até porque a concorrência não é só interna mas com universidades de outros países.

Sobre o envelhecimento do corpo docente, o investigador lembra que já há universidades em que a percentagem de professores com mais de 65 anos é superior à dos que têm menos de 35, como acontece na do Porto. Já na Universidade de Coimbra, a idade média de docentes e investigadores é de 57 anos. “A renovação traz novas ideias, outro dinamismo e um estímulo para quem já lá está continuar a tentar inovar”, explica.

Mas também aqui é preciso assumir a necessidade de mais investimento. Com a vantagem de se tratar de dinheiro que traz retorno: uma população mais qualificada recebe melhor mas também acaba por pagar mais impostos e custar menos ao Estado, pois terá menos necessidade de receber apoios sociais. É uma história com final feliz para toda a gente: “Todos os estudos demonstram, de forma consistente, o elevado retorno que o investimento em ensino superior produz em Portugal, quer em termos coletivos quer individuais”, sublinha.

Isabel Leiria - 29.12.2018 Expresso