Candidatos a cursos de Educação caem 30%

Exigência Licenciatura em Educação Básica passou a requerer exames de Português e Matemática e os alunos caíram a pique. Por más notas ou porque nem tiveram Matemática no secundário

Após as três fases do concurso nacional de acesso ao ensino superior, a licenciatura em Educação Básica do Politécnico de Portalegre recebeu um único aluno. Ao mesmo curso da Escola Superior de Educação (ESE) de Castelo Branco, que todos os estudantes que querem vir a ser educadores de infância ou professores do 1º e 2º ciclos do ensino básico têm de tirar, chegaram sete, contra 33 no ano passado. À ESE da Guarda não chegou nenhum e à de Viseu 12, contra 45 em 2017. Nunca os números foram tão baixos. Crise de vocação? A carreira de professor pode já ter vivido melhores dias. Mas de acordo com todos os diretores de instituições ouvidos pelo Expresso, a explicação para esta diminuição abrupta é outra.

A partir deste ano, o ingresso na licenciatura em Educação Básica passou a implicar que os candidatos se apresentem com os exames nacionais de Português e na área de Matemática (Matemática A, Matemática Aplicada às Ciências Sociais ou Matemática B) realizados e com nota mínima de 95 pontos (numa escala até 200). Este apertar de regras foi aprovado em 2014, era então ministro da Educação Nuno Crato, e entrou em vigor este ano letivo, no concurso nacional de acesso, a principal porta de entrada nas universidades e politécnicos. Até aqui, as escolas superiores eram livres de definir os exames nacionais que exigiam como provas específicas. O problema, aponta o diretor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Portalegre, é que muitos dos candidatos a estes cursos vêm da área de Humanidades e não têm a Matemática como área de eleição. “Muitos acabam por não escolher esta disciplina nas opções que fazem quando entram no secundário. Aos 15 anos não estão a antecipar os exames que vão ter de fazer para os cursos que venham a escolher”, nota Fernando Rebola, diretor da ESE de Portalegre.

No caso dos estudantes do secundário que seguem a área de Línguas e Humanidades, há a possibilidade de terem Matemática Aplicada às Ciências Sociais, mas a disciplina não é obrigatória. E em alguns concelhos do país, onde existe apenas uma secundária por exemplo, a escola pode nem sequer ter essa disciplina no leque de opções, acrescenta o diretor da ESE de Viseu, João Paulo Balula. Noutros casos, será a nota no exame — mínimo de 9,5 valores — a inviabilizar a candidatura.

Tudo somado, o que os números do Ministério do Ensino Superior indicam é que o total de colocados após as três fases do concurso caiu 30% face ao ano passado: em 2017 entraram 1093 alunos nas licenciaturas em Educação Básica e Ciências da Educação; este ano ingressaram 769. Com exceção das ESE de Lisboa, Porto e Coimbra, todas as escolas foram afetadas por esta redução. Num total de 21 licenciaturas, 12 receberam menos de uma dezena de interessados no final da 1ª fase. Mas o impacto foi maior nas do interior.

Excesso de exigências?

A questão é saber se a exigência destas provas faz sentido. Na opinião dos diretores ouvidos pelo Expresso não faz, sobretudo no que respeita à formação dos futuros educadores de infância. “Os cursos de Educação Básica habilitam para os mestrados em Educação Pré-Escolar e para o Ensino de 1º e 2º ciclos. Se posso compreender a exigência dos exames de Português e de Matemática para estes últimos, não tenho a mesma opinião em relação aos educadores de infância“, defende João Serrano.

Daqui a 10 anos poderá não haver professores formados em número suficiente para satisfazer as necessidades

“Não há nenhum estudo que indique que estas áreas são preditoras de um bom desempenho destes futuros profissionais. No caso dos educadores de infância a área das expressões é tão importante como as outras, por exemplo”, concorda o diretor da ESE de Viseu, lembrando que as licenciaturas em Educação Básica já têm de seguir um plano de formação, aprovado pelo Governo, e que prevê um número mínimo obrigatório de créditos a Português, Matemática ou História.

“Devia depender dos níveis e das áreas de ensino. Se se tratar da formação de um docente de Matemática do 2º ciclo, claro que faz sentido”, defende Fernando Rebola, lembrando que as licenciaturas são apenas uma “primeira fase da formação”. E são estes cursos que têm formado os professores responsáveis pela melhoria sistemática dos resultados escolares dos alunos portugueses nos testes internacionais, reforça o diretor da ESE de Portalegre.

Falta de professores no futuro

A decisão de impor centralmente determinadas provas específicas para o ingresso em determinados cursos é rara, mas não inédita. Também o ex-ministro Mariano Gago decretou a obrigatoriedade dos exames de Matemática e de Física e Química para entrar em algumas engenharias.

Concorde-se ou não, há para já um efeito visível das alterações e um temido. “Se se mantiver este número de colocações nos próximos anos, a formação nestas instituições tornar-se-á inviável. Primeiro ao nível das licenciaturas e depois nos mestrados em ensino que habilitam para a profissão de educador de infância e professores do 1º e 2º ciclos”, avisa Fernando Rebola. O segundo impacto possível é não haver professores formados em número suficiente para satisfazer as necessidades do sistema dentro de 10 a 15 anos. “Se estes números voltarem a acontecer nos próximos dois, três anos fica comprometida a capacidade formativa do país”, reforça João Paulo Balula.

No caso de Portalegre, o curso de Educação Básica acabou por abrir este ano porque ao único aluno que entrou pelo concurso nacional de acesso juntaram-se outros nove, a maioria vindos da Guiné e que irão regressar depois ao seu país. A situação repete-se noutras escolas que também acabam por completar um pouco mais as turmas com estudantes de outras vias.

As preocupações já foram transmitidas ao Ministério do Ensino Superior. Os politécnicos querem poder voltar a decidir, já no próximo ano, quais as provas de ingresso exigidas para a entrada nestes cursos. Os diretores sublinham ainda que o país tem de se mobilizar para “passar uma perspetiva mais positiva do que é ser professor”.

Isabel Leiria - Expresso