Estudantes universitários saem à rua contra falta de alojamento e bolsas

Em Lisboa, Porto e Évora, os alunos do Ensino Superior vão manifestar-se, esta quarta-feira, pelo fim das propinas, escassez de residências universitárias, oferta de quartos a preços exorbitantes e insuficiência de bolsas. Governo garante que plano de obras de novas residências arranca em 2019

O subfinanciamento do Ensino Superior vai levar hoje à rua centenas de estudantes do Porto, Lisboa e Évora, indignados pela falta de oferta de camas em residências universitárias e o crescente aumento de preço de quartos em casas particulares, inflacionados pela pressão da procura turística. O protesto dinamizado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humana e pelos responsáveis da Campanha 'Des/Alojados' irá decorrer em três tempos ao logo do dia.

As ações de contestação ao Governo teve início esta manhã, em Évora, frente à Reitoria da Universidade, reivindicando os estudantes mais alojamentos numa universidade onde existem "apenas 527 camas para cerca de 8 mil estudantes", diz Rita Lázaro. Rendas cada vez mais elevadas em casas particulares é outra das queixas, problema que, adianta, tem levado “à desistência do ensino superior de muitos estudantes”.

Falta de transportes para o pólo universitário da Mitra, a 12 quilómetros de Évora, é outra denúncias dos alunos, além do subfinanciamento que “ditou a privatização de bares e papelarias, o que acarreta mais despesas para os estudantes”. Intervenção urgente no edifício onde funciona o curso de teatro, na Fábrica dos Leões, “em risco de ruir”, é outra das reivindicações, a par do atraso na atribuição e entrega de bolsas.

Em Lisboa, a marcha irá decorrer pelas 14h, do Saldanha até à sede da Direção-Geral de Ensino Superior, onde os estudantes pretendem entregar um abaixo-assinado para a comunidade estudantil ser ouvida na Assembleia da República. Segundo Pedro Fernandes, presidente da Associação de Estudantes da faculdade de Ciências Sociais e Humanas (AEFCSH), a falta de financiamento para o ensino superior tem colocado “os estudantes e as famílias em dificuldades”, defendendo os alunos o fim das propinas, que dizem funcionar “como um grave entrave no acesso ao ensino”.

No manifesto 'Acorda, o futuro tem a corda ao pescoço!', a AEFCSH adverte que Portugal é um dos países da União Europeia com a propina mais elevada e onde as famílias mais contribuem para o ensino, sendo, “paradoxalmente, um dos países com o salário mínimo mais baixo da Europa e maior percentagem de famílias abrangidas por este rendimento”.

O desinvestimento em residências universitárias, as más condições das mesmas, é uma das principais que levam os estudantes a manifestarem-se “sem medo” de demonstrarem o seu descontentamento. “É inadmissível que apenas 13% dos alunos deslocados em Lisboa tenham acesso a camas em residências, enquanto os restantes ficam sujeitos a pagar em média cerca de 500 euros por um quatro no mercado privado”, diz Pedro Fernandes, afirmando que são cada vez mais os alunos “obrigados a perder mais de 2 a 3 horas de viagens diárias em transportes públicos para ir dormir a casa”, dando como exemplo o seu próprio caso: “Agora vivo na Amadora, mas antes era pior para ir e vir todos os dias para Odivelas”, refere o estudante do 3.º ano de licenciatura em História.

A degradação das condições do ensino superior, “que deveria ser gratuito e de qualidade num Estado democrático”, é o que também leva hoje à rua os estudantes da Universidade do Porto. A norte, a manifestação está marcada para as 18h, em frente à sede dos Serviços de Ação Social da Universidade do Porto, na Baixa da Cidade, protesto que acontece dois meses depois de uma centena de alunos terem dormido uma noite ao relento na Praça Gomes Teixeira, junto à Reitoria, numa ação de alerta para a falta de camas em residências universitárias e “os preços proibitivos em quartos particulares”.

Hugo Devezas, da Comissão Comissão de Residentes da Residência Universitária José Novais Barbosa e um dos líderes da Campanha 'Des/Alojados', subscreve toads as reivindicações dos colegas, afiançando ser "lamentável" que alunos tenham de desistir de estudar todos os anos, dado os novos candidatos a bolsas “em vários casos, só começarem a receber as ajudas a que têm direito em janeiro ou fevereiro”.

Plano de novas residências até ao fim do ano

Após ter apresentado no final de outubro um levantamento do estado e das necessidades de requalificação das residências de estudantes nas instituições do Ensino Superior público, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior garantiu ao Expresso que até ao final deste ano será elaborado “um plano de intervenção para a requalificação e construção de residências, tendo por base as necessidades dos estudantes das instituições do ensino superior público e respeitando a sua distribuição por todo o território nacional”.

Questionado sobre as datas de lançamento e conclusão das obras e a oferta de camas adicional em relação às existentes, o gabinete de comunicação do ministro Manuel Heitor adianta que os dados solicitados serão tornados públicos dentro dos prazo estipulado (31 de dezembro), garantindo o Governo que irá iniciar “a aplicação do plano previsto em 2019”.

Segundo o diagnóstico, atualmente só 13% dos alunos deslocados têm camas em residências universitárias, ou seja, apenas existem 15.370 camas para um total de 113.813 universitários que estudam longe das suas casas.

Para mitigar a curto prazo o problema da diminuta oferta de camas para estudantes, acentuado nos últimos dois anos face à preferência dos proprietários pelo mais rentável aluguer de curta duração a turistas, a assessoria da Universidade do Porto (UP) está a negociar com a diocese do Porto a cedência temporária de espaços em seminários com baixa ocupação para alojamento de estudantes a preços acessíveis.

Outra das alternativas passa pela negociação com o Estado para ocupação de imóveis militares devolutos, como são os casos do desativado quartel de S. Brás ou o de Monte Pedral, que se encontra à venda. Em equação está ainda a cedência de terrenos nos concelhos limítrofes próximos das estações de metro, uma solução encarada mais a longo prazo por implicar construção de raiz numa altura em que são necessárias respostas rápidas. Ao todo, a UP tem 783 bolseiros alojados em residências, tendo neste ano letivo ficado de fora 135 candidatos a bolseiros.

Nestes casos, os candidatos podem requerer um complemento de alojamento, que não pode, contudo, exceder os 30% do total dos apoios sociais. “Como as candidaturas a bolsa demoram meses e os valores para alojamento não chegam para pagar nem metade do que custa um quarto no Porto, todos os anos há alunos que desistem de estudar por razões financeiras”, assegura Hugo Devezas.

Ao todo, a Universidade do Porto apresenta 1178 camas distribuídas por nove residências, embora a capacidade real de momento seja de 1051, dado uma das alas da residência Alberto Amaral estar desocupada por falta de condições de habitabilidade devido a infiltrações crónicas. A UP afirma, contudo, que já “há projeto e plano de obra de requalificação” e que o processo de adjudicação da empreitada “deverá ser lançado até ao final de novembro". A duração prevista da obra é de ano e meio.

Isabel Paulo 14.11.2018  Expresso