EPAL. Diretora de recursos humanos nomeada para cargo sem habilitações exigidas

Maria Clara Batista terá sido nomeada para um cargo da EPAL a que não se candidatou e para o qual não apresentava os requisitos pedidos. Clara Batista é mulher de João Cunha, homem ligado ao PS. Mais tarde, acabou por ser promovida a diretora de recursos humanos da empresa

A cor política não deveria ser um critério de nomeação para cargos em empresas públicas mas, pelo menos na Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), não faltam indícios de que isso acontece. Uma das histórias remete para 2015, ano em que, no dia 14 de setembro, a EPAL abriu um concurso interno para o cargo de coordenador do departamento de informação e processamento de remunerações.

Do anúncio, que foi enviado a todos os serviços dentro da EPAL, constavam como requisitos “licenciatura em área relevante, preferencialmente em Gestão ou em Gestão de Recursos Humanos” e, como perfil, “conhecimentos de Direito de trabalho, do código contributivo de segurança social e de fiscalidade; conhecimentos de metodologias, de técnicas e de procedimentos de Gestão de Recursos Humanos; conhecimentos de informática, SAP HCM (HR) e MS Office; conhecimentos de sistemas e de normas de gestão de qualidade; capacidade de liderança e gestão de conflitos; capacidades comunicacionais e relacionais; dinamismo e proatividade; experiência de condução e de finalização de projetos; carta de condução”. E o i sabe que, até ao prazo indicado – 22 de setembro de 2015 –, vários pretendentes, todos apresentando as características pretendidas, se candidataram ao cargo, tendo sido feitas várias entrevistas durante o mês de dezembro. Os candidatos, porém, nunca chegaram a ter resposta e o concurso nunca foi anulado, tendo sido uma das funcionárias do centro de documentação que, garante uma fonte ao i, não se terá candidatado à posição, a ficar com o cargo.

Ora, a coordenadora do departamento de informação e processamento de remunerações escolhida, Maria Clara Batista, é casada com João Cunha, membro da comissão política da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do Partido Socialista. Algumas fontes explicam que houve influências para que a então administradora responsável pelos recursos humanos promovesse Maria Clara Batista – que será licenciada em História, não apresentando por isso as qualificações necessárias ao cargo, que requeria, como referido atrás, “licenciatura em área relevante, preferencialmente em Gestão ou em Gestão de Recursos Humanos”.

A administradora terá acedido e acabou por ser colocada na Águas de Portugal, também com esse cargo. Quanto à diretora de recursos humanos, cujo parecer acabou por não ser tido em conta, viria mais tarde a sair do cargo, depois de uma reestruturação. E quem é desde então responsável pela direção de recursos humanos? Maria Clara Batista, que foi promovida a essa função.

O i sabe que chegou recentemente à Procuradoria-Geral da República uma denúncia do caso. Junto da EPAL, o i procurou saber se havia provas de que Maria Clara Batista tinha concorrido ao cargo de coordenadora do departamento de informação e processamento de remunerações. Perguntámos também se existe algum relatório de seleção de Maria Clara Batista para o cargo e se João Cunha tinha realmente usado a sua influência para conseguir que a mulher ocupasse o cargo. As perguntas ficaram, contudo, sem resposta. 

mais contratações suspeitas A contratação de Maria Clara Batista não é a única a levantar suspeitas. Em julho de 2015, a EPAL nomeou novos diretores. O processo envolveu concurso público e as escolhas basearam-se em avaliação curricular, num processo acompanhado por consultoria externa e que incluiu a realização de exames psicotécnicos.

Mas a mudança de governo trouxe, em setembro de 2016, novas contratações. E, tal como Maria Clara Batista, com ligações ao PS. A denúncia foi feita pela revista “Sábado” em 2016 – e resultou, no final desse ano, numa audição no parlamento do presidente da EPAL, José Sardinha, pela Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, requerida pelo PSD. Com a mudança de executivo, o conselho de administração da EPAL foi alterado em 2015 e passou a integrar, por exemplo, Barnabé Pisco, da comissão política da FAUL do PS. Dois meses passados da remodelação do conselho de administração, o novo conselho decidiu remodelar também a equipa de diretores das várias secções e entraram então em funções 14 novos diretores e supervisores, sem qualquer concurso público, avaliação curricular ou testes psicotécnicos.

Em causa estão nomes como Marcos Sá, diretor de comunicação e educação ambiental, outrora deputado à Assembleia da República pelo PS e membro da comissão política da FAUL; Virgínia Boto, diretora comercial e militante do PS; Luís Ferreira, responsável pelo departamento de atendimento e assistência ao cliente e igualmente militante do PS; e ainda Francisco Braga, diretor regional de manutenção de Lisboa, também militante do mesmo partido.

O i questionou a EPAL quanto à necessidade de serem nomeados novos diretores quando, cerca de um ano antes, tinham sido contratadas pessoas para esses cargos. Quisemos saber também o porquê de não ter sido aberto um concurso público e quais os critérios que foram aplicados. Ao contrário do que aconteceu com as perguntas que visavam diretamente a diretora de recursos humanos, Maria Clara Batista, a empresa prestou esclarecimentos – os mesmos que terá enviado, “há dois anos”, à revista “Sábado”, disse fonte da comunicação da empresa. Começando por recordar que o presidente da EPAL foi “responder a todos os esclarecimentos há dois anos, inclusivamente na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, na Assembleia da República, no dia 6 de dezembro de 2016”, e assinalando que “a EPAL cumpre escrupulosamente todos os requisitos legais em vigor e dentro das melhores práticas de políticas de recursos humanos do mercado”, fonte do gabinete de comunicação explicou que “o concurso de julho de 2015 referido foi parte integrante de um profundo processo de reestruturação interna que se deu no âmbito do alargamento das competências da própria EPAL. Este alargamento de competências implicou mesmo a criação de novos serviços”. Acrescentou também que “em setembro deste ano houve um ajustamento de quadros. Nenhum dos diretores foi substituído, foram simplesmente alocados a novas áreas de acordo com as nossas necessidades internas. Todos os novos diretores têm experiência no setor e a maior parte já eram quadros da própria EPAL”.

“Ambos os processos, sendo evidentemente diferentes, correram de acordo com as melhores práticas de políticas de recursos humanos do mercado”, concluiu a EPAL, assegurando que “relativamente à questão sobre as filiações partidárias, a EPAL tem como política nunca questionar ou interferir com a atividade cívica de qualquer um dos seus dirigentes ou colaboradores.”

Beatriz Dias Coelho 12/11/2018 Jornal i