Corte de 5% em Lisboa e Porto é para manter. Alunos vão ter mais 1500 camas dentro de três anos.
Para haver doutoramentos nos politécnicos é necessário rever a Lei de Bases do Sistema Educativo. E isto, diz Manuel Heitor, não estava no programa do Governo, devendo ser "sujeito ao escrutínio público". O ministro do Ensino Superior não vai rever o modelo de acesso e garante que o corte de 5% nas vagas em Porto e Lisboa é para manter. Quanto ao financiamento das instituições de Ensino Superior, o próximo Orçamento do Estado trará um "aumento brutal".
Entre a 1.ª e a 2.ª fases de acesso ao Ensino Superior perderam-se cerca de cinco mil candidatos. Que análise faz destes dados?
É a evolução normal em todos os anos. Este ano houve, pela primeira vez, uma redução no número de estudantes que se inscreveram no 12.º ano. O que se deveu ao aumento do emprego jovem, sobretudo associado ao crescimento do turismo. Depois, crescem as outras vias de acesso, nomeadamente os estudantes estrangeiros, que aumentaram cerca de 24%, e os cursos de curta duração (TeSP).
O excessivo peso dos exames nacionais no acesso é umfator também apontado. Está disponível para rever o modelo de acesso ao Superior?
Tanto o Conselho de Reitores (CRUP) como o Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos (CCISP) foram claros em não rever o sistema nesta fase, mas sobretudo diversificar e por isso é que abrimos e estimulamos a oferta de TeSP. Hoje temos quatro em cada dez jovens de 20 anos no Ensino Superior (ES), que é a média europeia. Mas temos que atrair mais jovens diversificando o ES e penso que nunca será através dos mecanismos tradicionais, do concurso nacional de acesso.
A questão da equidade tem sido levantada.
Não faço essa leitura. Tem que haver exames, tem que haver sempre seleção. Mas tem que haver uma seleção que seja inclusiva.
E a que temos é?
Pode ser muito mais, por isso é que só temos quatro em cada dez jovens. Agora a questão não está nos exames. Cerca de 90% dos jovens que terminam o Secundário via Científico-Humanísticas ingressam no ES. O grande défice é nas vias profissionais, também pelo perfil sociocultural dessas famílias, com pais que têm quatro e seis anos de escolaridade e por isso muitos destes jovens têm uma pressão social para irem trabalhar. O alargamento da base social no recrutamento no ES requer um contrato social entre empregadores e as instituições.
Há também a equidade territorial. O corte de 5% nas vagas em Lisboa e no Porto surtiu os efeitos que pretendia? O reitor de Lisboa diz que às mil vagas cortadas corresponderam 98 novos alunos em 31 instituições.
O balanço é particularmente positivo. Somos o país europeu com maior concentração nos dois principais centros urbanos: incluindo o ensino privado temos 60% dos estudantes em Lisboa e no Porto. Isto não e um corte, é um estimulo. Para que os principais centros urbanos se concentrem também na atração de estudantes internacionais e no desenvolvimento da pós-graduação.
Então Porto e Lisboa têm que fazer essa aposta para compensar o corte de 5%?
Exatamente. Lisboa e Porto precisam do resto do país e o resto do país precisa de Lisboa e do Porto para Portugal ser mais competitivo em termos de uma economia baseada no conhecimento. Vamos ter uma redução sistemática de jovens aos 18 anos nos próximos 20 anos e temos que ser muito pragmáticos na preparação das nossas instituições para isso.
Falará hoje na Conferência JN sobre "Mercado do Conhecimento". Como podem as regiões alavancar as instituições e vice-versa?
Sobre os mercados do conhecimento sabemos quatro características críticas: são horizontais a todas as áreas, são muitos diversificados, são globais, e estão em constante mutação. Os mercados não existem só dentro das instituições cientificas, são transversais a toda a atividade social e económica.
E qual seria o peso ideal dos internacionais tendo em conta esse inverno demográfico?
O típico para um país como Portugal deve tender a que 20% dos estudantes sejam internacionais. Por isso a alteração do processo de regulação de vagas, bem como do regime legal de graus e diplomas.
Essa alteração, que habilita os politécnicos a ministrarem doutoramentos, obriga a que se mexa na Lei de Bases do Sistema Educativo. Isso já está a andar?
Não, nem faz sentido. Não está no programa de Governo. Não faz sentido fazer nesta legislatura como foi acordado com todas instituições. A lei o que dá e estimula é o reforço da capacidade científica de todas as instituições. E diz que no caso dos politécnicos terão de ser alvo da revisão, como é óbvio, da Lei de Bases.
Acontecerá nesta legislatura?
Não. Não estava no programa do Governo e deve ser sujeito ao escrutínio publico. Por isso, só após novas eleições.
E o corte de 5% é para manter?
A redistribuição dos estudantes na formação inicial deve ser mantida. Não é uma imposição. Foi um processo discutido amplamente.
Não aceita, então, a crítica, nomeadamente dos reitores, de ingerência na sua autonomia.
Não é dos reitores, é só de alguns reitores. Não tem nada a ver com autonomia, é uma questão de regulação. Este processo tem em vista o estímulo da competitividade e da coesão territorial em Portugal porque temos um excesso de estudantes em Lisboa.
Nesse contexto de alargamento há a questão dos custos, nomeadamente do alojamento. O plano agora lançado prevê aumentar em quanto, e para quando, a oferta de camas?
Foi criada uma linha específica para o ES para a reabilitação de instalações existentes. Estão em curso mais de 30 protocolos que devem dar origem a 1500 camas para todo o país. Há camas que vão ficar disponíveis num ano, outras em dois, outras em três anos. Chega? Não chega. Implica um esforço coletivo. Que fique também muito claro que a nossa prioridade são os apoios diretos aos estudantes.
Vai haver reforço na ação social?
Temos garantido pelo menos os 20% de estudantes com ação social. Se é suficiente? Claro que não. Todos nós deveremos ambicionar um ensino totalmente livre ao nível da formação inicial.
As instituições queixam-se de um subfinanciamento crónico. E dizem que lhes falta dinheiro, por exemplo, para cobrir os descongelamentos de carreira. Falta ou não dinheiro?
Sempre escrevi e afirmei que o ES em Portugal está subfinanciado, sempre esteve nos últimos 30 anos. E por isso o meu trabalho é orientado pela prioridade de aumentar o financiamento.
Essa dotação orçamental está garantida?
Tudo será reposto. Tenho estado em contacto contínuo quer com o presidente do CRUP quer do CCISP e estou certo que iremos chegar a um orçamento como nunca tínhamos tido, com um aumento brutal do investimento para a área da ciência e do ES.
E que aumento brutal é esse?
Quando for entregue o orçamento, não vale a pena estarmos a avançar. Estamos a trabalhar num cenário claro de aumento.
Estranho é os investigadores não terem carreira
Falando de emprego científico, as Finanças só autorizaram a Fundação para a Ciência e a Tecnologia a abrir concurso para contratar os seus próprios bolseiros no último dia previsto na lei, que data de 2016. Sente-se refém das Finanças?
É um processo normal. A abertura dos quadros depende do controlo do emprego público e está condicionada à autorização do Ministério das Finanças. O que é importante é que foi feito. O processo do programa de estímulo ao emprego científico está em curso e as cinco linhas de financiamento estão concretizadas.
No concurso individual ficaram de fora 3600 investigadores entre os quais dois prémios Pessoa: a historiadora Irene Pimentel e a bióloga Maria Manuel Mota. Quer comentar?
Nunca tinha havido um concurso de emprego científico com tantos lugares abertos, 500. A taxa de aprovação é a taxa média europeia, mas temos que perceber que houve muitos outros concursos abertos e sabemos que muitos candidatos estavam em vários. Não se trata de uma avaliação publica, mas científica. As pessoas que referiu, as suas próprias instituições tiveram pessoas classificadas acima delas. Não é comparável um concurso destes com um concurso de carreira como o Prémio Pessoa. Nesses dois casos em particular, o que é estranho são esses investigadores não terem uma carreira nas instituições. Por isso é que temos estimulado as instituições a desenvolverem as suas carreiras.
Mas sabe que há instituições avessas a essa carreira. O reitor de Lisboa disse que tudo fará para acabar com ela.
Felizmente temos instituições de Ensino Superior diferentes e reitores diferentes. Espero que outros venham a desenvolver carreiras. Claro que sou contra essa posição, mas respeito. Nós temos é que combater a precariedade nas instituições e no emprego em geral. O Ensino Superior deveria dar o exemplo acabando com a precariedade, o que depende muito da própria capacidade institucional.
Joana Amorim Jornal de Notícias
04 Outubro 2018 às 21:23