Depois de mais de dois anos de negociações, entram esta segunda-feira em vigor as alterações ao Código do Trabalho. Conheça todas as alterações

Foram mais de dois anos de avanços, recuos e consensos difíceis. O Governo colocou dossiê da Agenda Para o Trabalho Digno – que está na base das alterações introduzidas ao Código do Trabalho – em cima da mesa em 2020. A sua negociação com patrões e sindicatos na concertação social não viu luz ao fundo do túnel e terminou sem consensos. No Parlamento, a dissolução da Assembleia, no final de 2021, acabaria por suspender o processo de alteração legislativa que só viria a ser retomado no ano seguinte, continuando a somar impasses. A entrada em vigor do novo enquadramento legislativo chegou a estar apontada para janeiro deste ano, depois para abril. Chega ao terreno hoje, 1 de Maio, Dia do Trabalhador.

À proposta legislativa apresentada pelo Governo, sem o consenso dos parceiros sociais, os deputados responderam com mais de 300 propostas de alteração em matérias polémicas como a regulamentação das relações de trabalho nas plataformas digitais, a compensação por cessação de contrato ou o recurso das empresas ao outsourcing (externalização de serviços). O diploma final introduz ou altera a partir de hoje mais de 150 normas ao Código do Trabalho. Sintetizamos-lhe as principais mudanças.

CRIMINALIZAÇÃO DO TRABALHO NÃO DECLARADO

A nova lei determina que a não declaração de trabalhadores num prazo de seis meses subsequentes ao termo do prazo legalmente previsto, passa a ser considerada crime com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias (num máximo de 180 mil euros).

Esta alteração abrange os chamados regimes especiais como o que se aplica ao serviço de trabalho doméstico. O que significa que se recorre a este tipo de serviços, ainda que pontualmente, terá de garantir que regista o prestador do serviço na Segurança Social e que responde pelo pagamento da contribuição que lhe é devida.

Foram introduzidas também alterações ao Código dos Regimes Contributivos para a Segurança Social. Foi alargado de seis para 12 o número de meses que se presume que o trabalhador já exerceu para a entidade empregadora, quando não exista comunicação da admissão de trabalhadores. Por outras palavras, sempre que não exista registo na Segurança Social do início da atividade do trabalhador, o empregador é responsável por pagar as contribuições dos 12 meses anteriores.

Ao abrigo do novo enquadramento, e ainda no âmbito do combate ao trabalho não declarado, os empregadores do sector da agricultura e construção, bem como as empresas utilizadoras, passam a estar obrigados o registo semanal dos trabalhadores de explorações agrícolas e estaleiros temporários ou móveis da construção civil, onde trabalhem dez ou mais profissionais.

As empresas que cessem contrato com o trabalhador (por motivo que não lhe possa ser imputado) não poderão voltar a contratar a termo, em regime temporário ou recibos verdes para o mesmo posto, nem para a mesma atividade profissional, sem que tenha decorrido pelo menos um terço da duração do contrato. A regra aplica-se ao empregador, mas também a todas as empresas do mesmo grupo.

A duração dos contratos de trabalho temporário também foi revista, passando das atuais seis renovações possíveis para apenas quatro. Sempre que sua duração máxima seja alcançada, o empregador não poderá recorrer a um novo prestador de serviços sem que tenha decorrido um terço da duração do contrato. Além disso, o recurso a empresas de trabalho temporário não licenciadas obriga os empregadores a integrarem no quadro o trabalhador cedido a título temporário.

A nova Lei viabiliza também a interconexão dos dados da Segurança Social (SS), Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), Autoridade Tributária (AT) e Instituto dos Registos e Notariado, de modo a facilitar a ação especial de reconhecimento do contrato de trabalho (os dados tributários ajudam a identificar indícios de falsos recibos verdes) e, por essa via, o combate à precariedade.

RECURSO ABUSIVO A RECIBOS PENALIZADO

Foram introduzidas várias alterações às normas que enquadram o trabalho independente, com o objetivo de combater ao recurso abusivo desta modalidade contratual. Assim, o uso reiterado dos empregadores a trabalhadores a recibos verdes passa a ser penalizado podendo o empregador ver bloqueado o direito a apoios, subsídios, ou outro tipo de benefícios de natureza fiscal, ou contributiva. Em paralelo, a empresa fica impedida, durante um período dois anos, de participar em concursos públicos.

Por outro lado, a revisão legislativa determina que aos trabalhadores independentes serão aplicados os instrumentos de regulamentação coletiva que estejam em vigor no sector de atividade, profissão ou região, a trabalhadores independentes, sempre que mais de 50% da sua atividade seja prestada ao mesmo empregador.

TRAVÃO AO OUTSOURCING PARA EMPRESAS QUE DESPEÇAM

É uma das normas mais polémicas e contestadas pelos patrões, que têm vindo a defender a sua inconstitucionalidade, pela ‘intromissão’ que coloca à liberdade de gestão empresarial. A revisão legislativa aprovada impede o recurso ao outsourcing - externalização de serviços - por empresas que tenham realizado despedimentos coletivos ou por extinção de posto de trabalho nos 12 meses anteriores.

As confederações patronais consideram a norma inconstitucional, sustentando-o com um parecer jurídico, e chegaram a apelar ao Presidente da República que chumbasse a sua aplicação, sem sucesso. Marcelo acabaria por promulgar o diploma, mas não sem antes alertar para os seus riscos.

ESTÁGIOS COM REDUÇÃO DO PERÍODO EXPERIMENTAL E SALÁRIO MÍNIMO GARANTIDO

As alterações ao Código do Trabalho que hoje entram em vigor determinam que para jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração, o atual período experimental de 180 dias possa ser reduzido ou até mesmo eliminado. Basta para isso que o anterior contrato de trabalho a termo, estabelecido com outro empregador, tenha tido uma duração igual ou superior a 90 dias.

O empregador passa também a estar obrigado a, no prazo de 15 dias, comunicar à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), as denúncias de contrato ocorridas durante o período experimental, nos casos de primeiro emprego e desempregados de longa duração.

Em termos remuneratórios, as regras dos estágios profissionais extracurriculares foram também alteradas de modo a garantir que nenhum estagiário possa ganhar menos que o salário mínimo nacional, isto é, 760 euros em 2023. Até aqui, o subsídio de estágio tinha como limiar mínimo o Indexante de Apoios Sociais, ou seja, 480 euros em 2023.

Os estagiários passam também a ter um enquadramento na segurança social equiparado a contrato de trabalho por conta de outrem. Ou seja, reforça-se a sua proteção social. E é inda criado um novo tipo de contrato de trabalho com estudantes, vigente em período de férias escolares ou interrupção letiva.

REFORÇO DE PODERES PARA A ACT

O estatuto da Inspeção-Geral do Trabalho (ACT) tem a partir de hoje um novo poder: travar despedimentos com indícios de ilicitude. Sempre que um inspetor de trabalho verifique a existência de indícios de um despedimento ilícito, deve notificar o empregador para regularizar a situação e, caso esta não o faça, comunica ao Ministério Público para que este suspenda o despedimento através de um procedimento cautelar.

AUMENTO DAS COMPENSAÇÕES POR DESPEDIMENTO

A nova lei aumenta o valor das compensações por despedimento, nos casos de despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho, dos atuais 12 dias de retribuição base e diuturnidades (em vigor desde 2013) para 14 dias, por cada ano completo de trabalho. A norma não terá efeitos retroativos. Ou seja, só será aplicada ao período da duração da relação contratual contabilizado a partir da entrada em vigor da lei.

CRÉDITOS POR FIM DE CONTRATO TÊM DE SER PAGOS

Com a entrada em vigor das novas regras, os trabalhadores deixam de poder abdicar dos créditos que lhes são devidos, e que são irrenunciáveis por lei, quando são despedidos ou quando o contrato termina, exceto se o fizerem, por acordo, em tribunal. Em causa estão as chamadas “remissões abdicativas” – os subsídios de férias ou de natal, horas extraordinárias ou formação não realizada –, que têm de ser considerados no cálculo das compensações por fim de contrato, mas que muitas vezes os trabalhadores acabam por abdicar por pressão do empregador.

TELETRABALHO ALARGADO

O regime de teletrabalho passa a estar disponível para pais de crianças com deficiência ou doença crónica, independentemente da idade, sempre que seja compatível com a função exercida. A medida já estava em vigor para pais de crianças até aos três anos, ou oito (nos casos em que o teletrabalho possa ser realizado de forma partilhada por ambos os progenitores), e é agora alargada também a estes casos, sem que o empregador possa opor-se e será também aplicada aos trabalhadores da Função Pública.

… E DESPESAS FIXADAS EM CONTRATO

Os acordos de teletrabalho, ou os contratos de trabalho onde a modalidade esteja prevista, terão de definir o montante a atribuir ao trabalhador a título de despesas adicionais. Esta informação deve constar nos contratos de trabalho, mas também nos instrumentos de negociação coletiva que venham a ser firmados. Neste âmbito, o Governo terá também de fixar um limite de isenção fiscal para esta subsidio.

LICENÇAS POR LUTO AUMENTAM

Outra das alterações aprovadas diz respeito ao alargamento da licença a que o trabalhador tem direito por falecimento do cônjuge ou enteados, dos atuais cinco para 20 dias consecutivos.

Foi também aprovado o aditamento ao Código do Trabalho que prevê a possibilidade de falta em caso de luto gestacional, atribuindo três dias consecutivos aos pais nesta situação.

PRESUNÇÃO DE CONTRATO VINCULA TRABALHADORES ÀS PLATAFORMAS DIGITAIS

Foi provavelmente o maior braço de ferro entre Governo e partidos da oposição nas negociações para fechar o dossiê da Agenda para o Trabalho Digno. O processo teve sucessivos avanços e recuos, a votação foi adiada por três vezes, mas o polémico artigo 12.º- A, relativo à presunção de laboralidade (existência de relação laboral) no quadro das plataformas digitais, acabou por ver a luz do dia com os votos favoráveis do PS e do BE.

Este artigo enquadra os "indícios de laboralidade”, através dos quais os tribunais determinam a existência, ou não, de uma relação laboral entre os motoristas e estafetas de plataformas como a Uber, Bolt ou Glovo, mas também outras plataformas digitais de prestação de serviços.

Até aqui, estes profissionais trabalhavam sem qualquer vínculo com as plataformas e, no caso dos motoristas, a lei TVDE aprovada em Portugal (um modelo único na Europa) até impõe obrigatoriedade de existência de uma terceira parte – o Operador de TVDE – a mediar a relação entre o motorista e a plataforma.

A partir de agora, a Lei determina que sempre que cumpridos os indícios de laboralidade previstos, a presunção de existência de contrato de trabalho seja feita, em primeira instância, com a plataforma cabendo a esta contestar, se assim o entender, e provar que não é o empregador.

A relação laboral também pode reconhecida com o “intermediário” (vulgarmente conhecido como operador), mas nesse caso a plataforma – e não o trabalhador – terá de provar que a relação de laboralidade com a plataforma é inexistente. Não existindo acordo entre os trabalhadores a plataforma, caberá ao Tribunal determinar quem é o empregador.

Há grandes expectativas em relação ao efeito prático desta medida. O próprio responsável pela Bolt em Portugal, Nuno Inácio, admitiu em entrevista ao “Negócios” que não tem intenção de aplicar a lei e dar contrato de trabalho a 20 mil motoristas e cerca de 20 estafetas ativos na plataforma. O líder da Bolt promete “adaptar a operação” para que o risco de ser considerado empregador seja diminuto.

TRANSPARÊNCIA NO USO DE ALGORITMOS

No que diz respeito ao uso de soluções de inteligência artificial (IA) em contexto laboral, as novas regras determinam que as empresas terão de passar a prestar informação às comissões de trabalhadores sobre todas as decisões de âmbito laboral que sejam baseadas em algoritmos, nomeadamente as que garantem o acesso e a manutenção do emprego.

Além disso, as comissões de trabalhadores passam a ter direito a informação sobre "os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional".

LICENÇA PARENTAL EXCLUSIVA DO PAI ALARGADA

É a partir de agora alargado dos atuais 20 dias úteis, seguidos ou interpolados, para 28 dias, o período de licença parental exclusiva do pai, ou seja, o número de dias de licença, seguidos ou interpolados, a que este tem direito após o nascimento de um filho.

A nova redação da norma determina que “é obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou interpolados, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este”.

A alteração introduzida prevê ainda que, após o gozo da licença de 28 dias, o pai tem direito a sete dias de licença, seguidos ou interpolados (em vez dos atuais cinco dias úteis), desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.

A lei passa também a garantir a dispensa do trabalho nos casos de processos de adoção e acolhimento familiar, reconhecendo aos adotantes as licenças para assistência a filho.

SNS24 PODERÁ EMITIR BAIXAS DE CURTA DURAÇÃO

As baixas até três dias poderão ser passadas pelo serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS24), mediante uma autodeclaração de doença. Esta possibilidade está, contudo, limitada a duas baixas por ano.

CUIDADORES INFORMAIS PODERÃO REQUERER TRABALHO A TEMPO PARCIAL

Os cuidadores informais passam a ter direito a requerer o regime de trabalho a tempo parcial durante um período de quatro anos, horário flexível e a possibilidade de recusar trabalho suplementar.

Mais, no âmbito desta alteração legislativa, os cuidadores informais passam a beneficiar de uma licença não remunerada de cinco dias consecutivos por ano que tem, porém, de ser comunicada ao empregador com dez dias de antecedência. E o regime de faltas para assistência a membro do agregado familiar, que prevê 15 dias por ano, passa também a abranger os cuidadores informais.

Cátia Mateus, Expresso/Economia 01 MAIO 2023