Estudantes de Medicina do Minho obrigados a pagar dois quartos durante estágios

Curso inclui estágios obrigatórios nos hospitais de Viana do Castelo, Braga e Guimarães. Estudantes deslocados não conseguem pagar duas rendas e pedem que a universidade mude o plano de estudos.

Os estudantes deslocados da Escola de Medicina da Universidade do Minho dizem não conseguir pagar duas rendas ao mesmo tempo, depois de a universidade ter decretado a obrigatoriedade de realizarem estágios rotativos em três hospitais.

Quem não fica no hospital próximo da universidade, em Braga, tem de alternar entre os hospitais da Senhora da Oliveira, em Guimarães, e a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Viana do Castelo, entre o 3.º e o 5.º anos do curso de Medicina. No 3.º ano, os estágios ainda são opcionais, uma vez que os estudantes podem escolher fazer investigação, mas depois tornam-se obrigatórios para concluir o curso.

Em declarações ao P3, um aluno do 4.º ano do curso, que prefere manter o anonimato, por medo de represálias por parte dos professores, destaca que para a maioria dos alunos, principalmente para os deslocados, pagar dois alojamentos é impossível, e são cada vez mais os colegas que se vêem obrigados a pedir ajuda a família alargada para conseguirem suportar os custos.

O estudante deslocado, do Porto, paga 300 euros por um quarto em Braga. No prazo de duas semanas, começa o estágio no Hospital de Viana do Castelo, mas ainda não sabe se vai conseguir ir. Não consegue encontrar um quarto a um preço que consiga suportar, nem pode deixar a casa que arrendou em Braga, uma vez que vai regressar depois dos três meses e não a quer perder.

“Um quarto em Viana do Castelo está entre 300 e 400 euros”, explica, acrescentando que, apesar de ser trabalhador-estudante, os cerca de mil euros do ordenado não chegam para pagar todas as despesas. “É quase um ordenado mínimo, sem contar com alimentação e deslocações”, salienta.

Sem alternativa, o jovem optou por expor a situação ao director de curso, mas não encontraram uma solução. Em emails trocados com uma das docentes, em Março, o aluno explica que noutros hospitais universitários, como o de São João, no Porto, os estágios não são obrigatórios e só acontecem em certas cadeiras, “em uma ou duas aulas, para quem se quiser deslocar”, lê-se na mensagem. Em resposta, a professora citou a informação que está no site da universidade, a propósito do plano de estudos.

No entanto, o estudante nota também que o problema da rotatividade dos estágios não afecta todos os colegas, uma vez que há quem não tenha dificuldade em comportar duas rendas e não se reveja nestes testemunhos.

“Quando há diálogo com os professores, é um diálogo muito pobre e intolerante. Não obstante, [o curso] é elitista também pelo comportamento dos estudantes uns com os outros e pelo seu individualismo”, aponta o aluno. O nível de contestação dos estudantes tem vindo a aumentar nos últimos tempos, motivado, na sua grande maioria, pelo aumento significativo do preço das rendas nestas três cidades, diz.

Segundo o jovem, além de manifestações e queixas, os alunos abordaram a provedora do estudante, “mas, até hoje, não aconteceu nada”. “Nós não estamos contra os estágios, porque são importantes. Estamos, sim, contra o facto de não existir uma alternativa na escolha das rotações consoante as necessidades financeiras dos estudantes”, expõe.

Ao P3, a Escola de Medicina da Universidade do Minho destaca que, apesar de o novo plano de estudos ter sido implementado no ano lectivo 2020/2021, os estágios nestas três unidades de saúde decorrem desde 2001, ano em que o curso foi criado. "O mestrado integrado em Medicina iniciou um novo e inovador plano curricular, mas que em nada alterou os locais de residência hospitalar", lê-se na resposta.

Pagar duas casas ou ir e vir todos os dias

Maria Santos é outra estudante deslocada, mas está numa situação diferente da do colega do mesmo ano: a mãe emigrou para lhe pagar os estudos, e, como vive sozinha fora de Braga, vai todos os dias de carro para a universidade e o hospital.

Embora não exista uma linha de comboio directa entre Braga e Guimarães, para jovens como Maria, fazer uma viagem de cerca de uma hora compensa mais do que pagar um quarto por 250 ou 350 euros, salienta. O problema está entre Braga e Viana do Castelo, trajecto que tem poucas opções de transporte.

“Estive nestes dois últimos meses no Hospital de Viana e a escola não me deu a opção de vir para Braga. Estava confrontada com duas questões: ou procurava casa ou ia todos os dias de carro e demorava cerca de uma hora e meia de manhã e à noite”, explica a jovem de 23 anos. Sem bolsa, acabou por conseguir que um familiar lhe arrendasse uma casa por 200 euros por mês, enquanto alguns colegas pagavam 400 euros por apenas um quarto em Viana do Castelo.

Sobre as dificuldades dos estudantes em pagar alojamento, a Universidade do Minho destaca que existem apoios, como bolsas de estudos, fundo de emergência social e Fundo de Apoio Social, “prestação de natureza financeira atribuída a fundo perdido, isenta de quaisquer taxas”, para evitar o abandono escolar, explicam na resposta por email. Questionado sobre as bolsas, o estudante do 4.º ano, que não tem direito às mesmas, salienta que se trata de um apoio de 100 euros por mês, valor que cobre pouco mais do que os 70 euros de propinas.

Maria está a poucos dias de começar mais dois meses de estágio, desta vez no Hospital de Guimarães, mas como continua a pagar 350 euros da renda da casa onde vive, nem sequer pensou em procurar quarto na cidade. Prefere ir todos os dias de carro e gastar 200 euros por mês. “Já pensei desistir, mas agora falta tão pouco que não sou capaz. Tenho noção que se desistir hoje só vou adiar os meus problemas financeiros, porque com o curso de Medicina provavelmente vou ter um trabalho seguro, e se desistisse acho que não o teria. Prefiro ter instabilidade financeira estes três anos do que a minha vida toda.”

Contactada pelo P3, Maria Carolina Machado, presidente do Núcleo de Estudantes de Medicina da Universidade do Minho (NEMUM), reconhece as dificuldades de estudantes em suportar “o custo de uma segunda renda ou de um transporte” e como solução propõe mais apoios monetários e logísticos por parte da universidade, incluindo "linhas de transporte" para os três hospitais.

O estudante do 4.º ano sugere que a universidade deveria conversar com todos os estudantes e perceber quem tem menos possibilidades de ir para outra cidade, ficando a estagiar no Hospital de Braga. E “podiam perceber quais são os estudantes que, porventura, até preferem ir para Viana ou Guimarães porque são dessa zona”, completa.

4 de Abril de 2023, Público