Mais de 6 mil alunos receberam bolsas para estudar no interior

Apoios à deslocação, alunos internacionais e cursos curtos garantem subida de estudantes em escolas superiores de regiões menos povoadas

Rui Nascimento, natural de Lisboa, e Cátia Judite, de Braga, escolheram ir estudar para a Universidade da Beira Interior, na Covilhã

Cátia, de 20 anos, natural de Braga, não esconde as reservas que tinha em relação a uma mudança para um meio mais pequeno. Mas era Medicina que queria tirar desde pequena e as médias de acesso obrigavam-na a fazer outras opções que não ficar na sua cidade de residência. Entre as hipóteses ao alcance das suas notas estavam Lisboa, Coimbra e Covilhã. Comparou cursos e optou pela Universidade da Beira Interior (UBI), em primeiro lugar pelo ensino “mais prático” que oferecia. Mas, além dessa vantagem, não via muito mais: “Achava que ia ser um bocado ‘seca’ mudar para uma cidade muito pequenina como a Covilhã [cerca de 50 mil habitantes]. E havia ainda a questão dos custos da deslocação.”

Hoje, dois anos depois, o discurso é o oposto: “A Covilhã é o melhor sítio para estudar. É uma cidade muito acolhedora. Pensava que não ia gostar por ser pequena, mas foi o contrário. Gosto da proximidade com as pessoas, que são muito queridas com os estudantes. E é muito bonito ter a serra ao lado.”

Tal como Cátia, também Rui fez as malas há dois anos. No seu caso partiu de Lisboa para a Beira Interior para tirar Design Multimédia, licenciatura que não existia na capital — só no privado, cujas propinas não conseguia pagar. “Não posso dizer que foi fácil ao início. Mas as atividades das praxes acabaram por ajudar na adaptação à universidade e à cidade. É pequena, mas tem tudo. E como a maior parte dos alunos vem de fora [85% são de outras regiões] é fácil ter com quem combinar coisas para fazer.”

Rui e Cátia são apenas dois exemplos de estudantes que trocaram as cidades maiores onde viviam por localidades mais pequenas ou do interior. E como já tinham o apoio da Ação Social Escolar ganharam também direito a uma bolsa anual de €1700, prevista no programa Mais Superior, cria­do em 2014 pelo Ministério com o objetivo de incentivar a frequência de ensino superior em regiões menos povoadas.

Segundo os números do Ministério do Ensino Superior, desde o início do programa e até ao último ano letivo, 6218 estudantes receberam este apoio. Este ano letivo, há 1895 novas bolsas por atribuir, mas o processo ainda decorre.

Para ter direito a este apoio, um estudante tem de ser colocado numa das 15 instituições localizadas em regiões menos povoadas (ver lista) e tem de morar numa região diferente daquela onde foi colocado. A partir de 2016 passou a ser atribuído apenas a alunos caren­ciados e com acesso a bolsa de estudo da Ação Social Escolar.

A mudança acabou por limitar muito o potencial do programa, lamenta o vice-reitor da UBI para as áreas do Ensino e Internacionalização, João Canavilhas. Mas o balanço que faz é positivo: “Num inquérito a novos alunos da UBI, há uma pergunta sobre o Mais Superior: 18,5% responderam que teve influência na escolha da universidade.”

A questão, lembra a reitora da Universidade de Évora, Ana Costa Freitas, é que, apesar de terem aumentado nos últimos anos, as bolsas não chegam para a procura. “No ano passado tivemos 338 candidatos para 135 novas bolsas.”

O Governo comprometeu-se a aumentar o número para duas mil até ao fim da legislatura, mas o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, lembra que este é apenas um instrumento de incentivo — tal como a nova política de fixação de vagas, que determinou cortes nas instituições de Lisboa e Porto e aumentos no resto do país —, havendo outras apostas com muito maior impacto. É o caso da oferta de cursos técnicos superiores profissionais (formações de dois anos nos politécnicos e que permitem prosseguir depois para a licenciatura), que são hoje frequentados por mais de 15 mil jovens — mais 140% face a 2015. E é também o caso do esforço de atração de alunos internacio­nais. Os números falam por si, com a população estudantil estrangeira a crescer 53% em três anos e a chegar aos 58 mil no conjunto das universidades e politécnicos.

Qualidade e preconceito

“O programa Mais Superior é um facilitador, mas o mais importante é a credibilidade das próprias instituições. Crescem as que apostam em investigação de qualidade e na relação com os empregadores”, avisa Manuel Heitor. A verdade é que quase todas têm conseguido aumentar o número de alunos.

No Politécnico de Bragança (IPB), a instituição do interior que mais cresceu nos últimos três anos, o sucesso resulta da combinação da aposta na atração de estudantes internacionais (o instituto tem protocolos com todas as Câmaras de Cabo Verde e várias licenciaturas em inglês, por exemplo) e em áreas estratégicas com potencial na região, como a investigação na área da tecnologia alimentar ou em recursos da montanha, que são reconhecidas nos rankings internacionais. Os baixos custos de vida são um atrativo adicional, descreve Dina Macias, pró-presidente do IPB para os Assuntos Académicos.

A tarefa não é fácil, reconhece João Canavilhas. Em toda a Beira Interior, por exemplo, não há alunos inscritos no 12º ano em número suficiente para preencher as vagas da universidade. Mas há dois fatores que ajudam a alimentar a esperança, aponta. A internacionalização e a crescente procura de ensino superior a nível mundial, sendo que Portugal é uma “excelente opção, pois oferece qualidade a preços competitivos”. E também uma “mudança de mentalidades”. “A preocupação das novas gerações com as questões ambientais pode levá-las a procurar instituições em cidades de média dimensão. A valorização de fatores como a qualidade de vida e o ensino de proximidade tende a ganhar peso nos critérios de escolha dos jovens. Tudo o resto é o preconceito em relação às periferias.”

“Há escolas no interior que são incríveis mas que acabam por não ter tanto prestígio como Lisboa, Porto e Coimbra”, avalia Diana Cruz, ex-bolseira do Mais Superior, que saiu de Guimarães para a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, onde existe, na sua opinião, um dos melhores cursos de Medicina Veterinária do país. “Tudo o que é relacionado com Biologia tem imensa qualidade.” Hoje está no Porto a tirar o mestrado, porque é preciso pensar na “valorização do currículo”. Para trás ficou a proximidade com as pessoas, da universidade e não só, numa cidade onde quase todos se conheciam e muitos a tratavam pelo nome.

Isabel Leiria Expresso