O futuro é hoje: desafios para 2020 na educação e ensino superior

Fazer futurologia tem riscos, mas antecipar alguns dos principais desafios para o ano que se inicia é um exercício com rede. As verbas para a Educação e o ensino superior já são conhecidas e o facto de crescerem muito ligeiramente em relação a 2019 deixa os sindicatos do setor bastante apreensivos. As incógnitas são muitas. Já no que respeita às residências universitárias parece haver certezas, com o arranque de obras para criar 4.700 camas a preços controlados para jovens que estudam fora da área de residência.

Noutro eixo que se quer fundamental para 2020 está uma ferramenta criativa para prevenir a corrupção através da educação. Chama-se “Imagens contra a Corrupção”, é um concurso nacional que começou por abarcar o básico e secundário, e que este ano chega ao pré-escolar. Nasceu em 2012 pela iniciativa do Conselho de Prevenção da Corrupção e são cada vez mais as escolas que aderem.

Falando em ferramentas, urge ter uma de cariz judicial para combater a violência nas escolas. O estatuto de crime público para agressões a professores e pessoal das escolas tarda em chegar. Se neste ponto o consenso prevalece, na questão dos chumbos no ensino básico reina a polémica. O Governo quer eliminar a figura da retenção de forma administrativa tout court, ao passo que os detratores apontam a mesma como facilitismo a pensar nos rankings.

A eterna demanda dos Politécnicos quiçá terá resposta ainda este ano. Passa pela mudança de nome – Universidades Técnicas – e estatuto social, mas sem criar atritos com as Universidades.

Teremos Universidades Politécnicas?

Os institutos superiores politécnicos veem na sua atual designação uma barreira ao processo de internacionalização em curso. A mudança de nome pretende abrir portas no estrangeiro e é uma das propostas do “Ensino Superior para Todos”, documento lançado pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e entregue ao Governo, uma espécie de caderno de encargos para a legislatura. A designação passaria de Institutos Politécnicos para Universidades Politécnicas. Pedro Dominguinhos, presidente do CCISP, explica o porquê da escolha. Universidades “é a denominação global comummente aceite e que promove a afirmação internacional do sistema politécnico, ao mesmo tempo que mitiga um estigma social existente na sociedade portuguesa”. E Politécnicas “clarifica a diferenciação que o sistema binário exige e assegura a continuidade de um sistema que evoluiu e se consolidou nos últimos 40 anos”. O objetivo não é imitar as universidades, nem ocupar o lugar destas.

Prevenir a corrupção através da educação

Este ano, o concurso nacional “Imagens contra a Corrupção”, lançado pelo Conselho de Prevenção da Corrupção para crianças e jovens, é alargado ao pré-escolar. Os trabalhos podem ser enviados até 2 de março de 2020, estando a entrega de prémios prevista para maio. A iniciativa nasceu em 2012 e o objetivo é mobilizar os alunos do ensino básico e do secundário, apelando à sua criatividade para criarem mensagens que previnam, sensibilizem e esclareçam sobre corrupção em formato de vídeo, áudio ou imagem. A edição de 2019 foi a mais concorrida de sempre, contando com 230 trabalhos provenientes de uma centena de escolas públicas e privadas, feitos por alunos entre os cinco e os 18 anos de idade.

Peso da Educação no OE2020

A Educação, liderada pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues, vai contar com 6.516,8 milhões de euros no próximo ano, segundo consta da proposta do Orçamento do Estado para 2020. Trata-se de um acréscimo de 1% face à estimativa de execução prevista para 2019. Embora o Executivo não tenha admitido até agora que a medida inscrita no programa de Governo, de terminar com as retenções no básico e no secundário, vem poupar dinheiro, a verdade é que vem. Cada chumbo custa aos cofres do Estado, todos os anos, cinco mil euros por aluno. Como perto de um terço dos alunos do básico chumba pelo menos uma vez, se estimarmos que chumbam por ano cerca de 50 mil, isso perfaz 250 milhões de euros num ano.

Verba para o ensino superior

Em 2020, as dotações para o ensino superior sobem 5%, mas uma parte importante destina-se a compensar universidades e politécnicos pela perda de receita decorrente da baixa das propinas, que em setembro passaram de 1.068 euros anuais para 856 euros. No total, as instituições irão dispor de 1.160 milhões de euros em 2020, mais 55 milhões de euros do que em 2019, dos quais 31 milhões são para compensar as propinas. Contas feitas, a dotação orçamental restringe-se a mais 24 milhões. O número está inscrito no Contrato de Legislatura assinado entre o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. No fundo são mais “uns pós” face a 2019, mas insuficientes para recuperar um setor com subfinanciamento crónico. “A manter-se este ritmo de financiamento, somente em 2027 conseguiremos atingir os números de 2010”, afirma o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, Gonçalo Velho, ao Educação Internacional.

Mais residências universitárias

Este ano, vão arrancar obras que se destinam a criar mais 4.700 camas a preços controlados para jovens que estudam fora da área de residência – uma iniciativa que se enquadra no Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES). Lisboa lidera com 2.348 destas novas camas, seguidas da região Norte, incluindo o Porto, com 1.142. A região centro beneficiará de 709 novas camas, o Alentejo de 282 e o Algarve de 200. A meta do Executivo é duplicar na próxima década a atual oferta de alojamentos para estudantes do ensino superior a preços regulados, aumentando-a para 30 mil camas até 2030. O PNAES envolve instituições do ensino superior, autarquias e outras entidades do Estado, como pousadas da juventude, infraestruturas militares, dioceses e misericórdias. A disponibilização de alojamento para os estudantes do ensino superior que se encontram deslocados do local da sua residência é considerada “essencial para o alargamento e a democratização do acesso ao ensino superior”, assumidos como prioridades no Programa do XXI Governo Constitucional.

Crime público para agressões a professores?

A violência contra professores e funcionários das escolas está a aumentar e urge atuar. Nesse sentido, o SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores, presidido por Júlia Azevedo, pediu junto do Ministério Público, Ministério da Justiça e Ministério da Educação o reconhecimento de crime público para agressões a professores realizadas em contexto escolar. Isto permitirá que as autoridades judiciais ou policiais investiguem o crime mesmo que tenham conhecimento dele a partir de uma notícia, sem qualquer tipo de denúncia, embora qualquer pessoa possa denunciá-lo e não apenas a vítima. Outra característica do crime público é que o processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos. Atualmente, a violência contra professores é crime semipúblico. Na prática, isso significa, segundo o SIPE, “uma demora de quatro a cinco meses no tratamento dos processos, resultando na sua maioria das vezes em nada”.

Os chumbos vão mesmo acabar?

O Ministério da Educação quer acabar com os chumbos no ensino básico. A novidade consta do programa do Governo, empossado em outubro e, no geral, foi aplaudida pelos pais e mal acolhida pelos professores. Segundo o Governo, a medida não visa poupar nas verbas, mas sim eliminar de forma administrativa a figura da retenção, que dará lugar a um programa que promova “a aprendizagem de forma mais individualizada, visando a progressiva redução das retenções”.

Jornal Económico (O) / Educação Internacional | 10.01.2020

ALMERINDA ROMEIRA E ANA PINA