Universidades portuguesas atraem alunos de mais de 100 países

Em três anos, aumentou 39% o número de estudantes que veio estudar para Portugal. As instituições acreditam que podem ser muitos mais. Os brasileiros estão em clara maioria

As origens são as mais diversas, longínquas e inesperadas. No passado ano letivo, estiveram inscritos em universidades portuguesas sete alunos da ilha de Aruba, no mar das Caraíbas, 35 do Panamá, quatro das ilhas Salomão, no Oceano Pacífico, e outros tantos da Mongólia. A estes juntavam-se mais quase 45 mil que vieram para Portugal com o propósito específico de tirar a totalidade ou parte de uma licenciatura, mestrado ou doutoramento.

Os números têm subido de ano para ano, transformando as instituições de ensino, de Bragança ao Algarve, em verdadeiras cidades de Babel. Os dados mais recentes do Ministério do Ensino Superior dizem respeito ao 1º semestre deste ano letivo e foram agora divulgados (ver gráfico). Mas neste conjunto que ultrapassa uma centena de nacionalidades, há uma que continua a destacar-se: os alunos brasileiros (mais de 13 mil) representam 30% do total. Só na Universidade do Porto (UP) eram mais de 2300.

“Sentimos um aumento muito significativo de alunos de várias nacionalidades, mas do Brasil em particular. E também se registou uma melhoria da qualidade desses jovens”, congratula-se Maria de Lurdes Correia Fernandes, vice-reitora da UP responsável pela área das relações internacionais.

A instabilidade económica e política do gigante brasileiro, onde a oferta de ensino superior é insuficiente, tem levado milhares de jovens a procurar no estrangeiro oportunidades de formação. E Portugal apresenta-se como a alternativa mais imediata, pela língua e afinidades históricas.

“A forma como os outros passaram a olhar para o país e para a Europa mudou muito. Antes, era muito difícil atrair estudantes brasileiros para os nossos programas de duplo grau (diplomas conjuntos dados em escolas dos dois países). Eram os europeus que iam para lá. Agora é o contrário. A estabilidade oferecida pela Europa é muito apelativa”, descreve o coordenador da área internacional da Universidade Nova de Lisboa, João Amaro de Matos.

Milhões em propinas

Por cá e num cenário de recessão demográfica — daqui a 10 anos os jovens com 18 anos passarão de 120 mil para 89 mil — as instituições de ensino, públicas e privadas, universidades e politécnicos, multiplicam os esforços para captar mais alunos estrangeiros que se traduzem, entre outros impactos, num aumento considerável das receitas próprias.

Só na Universidade de Coimbra as propinas cobradas aos alunos internacionais representam já sete milhões de euros a mais no orçamento, revela Amílcar Falcão, reitor de uma das instituições preferidas por alunos brasileiros.

Foi precisamente a publicação do estatuto do Estudante Internacional, em 2014 — permitindo às instituições ter vagas para alunos de fora (com exceção da União Europeia) e cobrarem propinas até ao custo real das formações —, que veio dar um novo impulso à captação de jovens estrangeiros. Até então, era sobretudo o programa Erasmus o responsável pela chegada de novos alunos. Só que vinham por um par ou meia dúzia de meses e não pagavam propinas mais altas.

Atualmente, os alunos em mobilidade de grau — inscritos para fazer toda a licenciatura, mestrado ou doutoramento — ultrapassam claramente os que vêm tirar parte do curso (ver gráfico). E o ministro do Ensino Superior já aceitou aumentar para o próximo ano letivo a percentagem de lugares que cada instituição pode alocar ao concurso para estudantes internacionais: de 20% para 30%. Ao todo, os alunos estrangeiros constituem 13% dos inscritos no superior.

As ondas XXL da Nazaré

Além da projeção conseguida por várias instituições e do investimento na promoção em feiras internacionais e em novas parcerias de ensino e de investigação, o facto do país se ter tornado um dos destinos da moda, simultaneamente seguro e acessível em custo de vida comparando com outros países europeus, ajudou a conquistar mais públicos. Depois há “epifenómenos” que também funcionam como atrativo, como o surf e as ondas gigantes da Nazaré que chamam a atenção de sul-americanos e australianos, exemplifica João Amaro de Matos.

A tudo isto junta-se uma conjuntura internacional favorável, por oposição a perdas de imagem no Reino Unido, por via do ‘Brexit’, e nos EUA. Trump pode ainda não ter conseguido construir o seu muro na fronteira com o México, mas a barreira à entrada de estrangeiros já se faz sentir, sobretudo junto de potenciais candidatos da América Latina. E também de muçulmanos. Coincidência ou não, Irão, Turquia, Equador, Colômbia e México são alguns dos países mais representados nas escolas portuguesas.

“Esta multiculturalidade é muito importante para os alunos portugueses. Dá-lhes uma abertura à diferença cultural e linguística extraordinária”, sublinha a vice-reitora da Universidade do Porto. “A diversificação é estratégica para nós e temos feito por isso”, assume o reitor da UC, onde os brasileiros continuam a representar a grande fatia dos alunos que vêm de fora.

Mas há também as escolas que, pela natureza da sua formação, viram-se para mercados específicos. É o caso da pequena Escola Náutica Infante D. Henrique, em Paço De Arcos (Oeiras), que num total de cem estudantes internacionais (o dobro do que tinha há três anos), integra 35 panamianos. O know-how no sector marítimo aliado às necessidades de formação do país famoso pelo seu canal e por ter o maior número de registos internacionais de barcos no mundo aproximaram as duas partes, conta o diretor, Luís Filipe Baptista.

E se todos os responsáveis dizem que a margem de crescimento ainda é grande, para João Amaro de Matos o sucesso depende de um fator adicional: “É preciso passar a ensinar mais em inglês.”

Quanto à saída de alunos portugueses para instituições estrangeiras, os únicos números globais disponíveis dizem respeito à mobilidade financiada pelo programa Erasmus. E se também aqui tem havido uma subida, o balanço entre os que chegam e os que partem é negativo para Portugal. Em 2017 partiram 9647 jovens, sobretudo para Espanha, Itália e Polónia.

Isabel Leiria - Expresso 25 maio 2019