Enterneço-me sempre que vejo o presidente da câmara e o dono do principal grupo de media do concelho a passearem juntos. Não é raro que aconteça, aliás. Tenho formação e experiência suficientes no jornalismo para não ficar escandalizado com a proximidade entre os actores da política e os da comunicação social, mas o à-vontade com que se fazem estas coisas nesta cidade pequenina faz-me pensar que talvez seja melhor rever os manuais com que estudei.

Não creio que faça nenhuma revelação – nem que os envolvidos estejam minimamente interessados em tornar menos pública a sua cumplicidade. Todavia, tenho sempre esta imagem em mente quando vejo as notícias que saem nos meios do grupo em causa, porque tenho a noção de que estas são seguramente melhor informadas.

Vem este introito a propósito da notícia que faz a manchete desta semana do principal semanário local: “Câmara disponibiliza terreno para construção do Campus da Justiça”. “Edifício será erigido junto à academia de ginástica”, acrescenta-se em seguida. Se está escrito naquele jornal, devemos levar a sério. Se é para levar a sério, devemos discutir.

Durante os últimos quatro anos, o presidente da autarquia tem defendido – e com razão! – a concentração dos serviços de Justiça da cidade numa mesma zona central, criando o que chamou de campus de Justiça.

A solução permitiria ao Estado acabar com o negócio ruinoso (e nunca cabalmente explicado) do arrendamento do edifício onde funciona o Tribunal de Vara Mista, em Creixomil, ao mesmo tempo que se aproxima esse serviço do centro da cidade e dos restantes tribunais: o “velhinho” edifício da praça da Mumadona, Tribunal do Trabalho e Tribunal da Relação.

Essa é uma opção correcta e que permitiria corrigir a uma erro histórico que foi a deslocação de um serviço essencial e que movimente muitas centenas de pessoas por dia para a periferia da cidade. A falta de vitalidade que afecta o centro-para-lá-do-centro-histórico tem origem precisamente em decisões como esta que afastaram do coração da zona urbana equipamentos como tribunais, centros de saúde ou correios, sem que fossem pensadas alternativas ou reforçadas as condições – dos transportes públicos, desde logo – nas novas localizações.

Pelo que se lê na notícia, a solução que tem vindo a ser defendida pelo presidente da câmara, e que implicaria a aquisição do antigo colégio Egas Moniz, propriedade da igreja católica, chegou a um impasse. Em alternativa, a câmara disponibiliza um terreno nos arredores do Parque da Cidade.

Entre os argumentos para justificar tão excêntrica localização está a sua suposta “proximidade” ao tribunal da Mumadona. Li, estranhei e fui medir distâncias. Usei o Google Maps, ferramenta disponível em todos os computadores e na maioria dos telemóveis. Percebi que são 2,5 quilómetros entre o tribunal da Mumadona e o terreno em causa. É a mesma distância que vai do tribunal ao pavilhão Multiusos – e não acredito que alguém se atreva a dizer que de um espaço ao outro se vai num instante.

Mais: o tal tribunal de Creixomil só está 500 metros adiante do Multiusos. O que se ganha em “aproximar” do centro um tribunal em 500 metros? Pouco ou nada. E em construir um edifício novo quando há tantos edifícios no centro da cidade vazios? Menos ainda. A Câmara prepara-se para cometer mais um erro gritante na sua política urbana, a juntar a um parque de estacionamento inútil. Não é estranho que isto aconteça quando não se tem nenhuma ideia de cidade.


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