Reitor Univ. Nova. “Há 25 anos que não há aumentos salariais para os professores universitários”

 (..Para o PREVPAP há zero de financiamento. Não haja qualquer dúvida sobre isto. O governo vai financiar com zero. …)

Um novo contrato de confiança, o subfinanciamento do Estado ou a revisão da carreira são alguns dos temas que os reitores querem debater na Convenção que arranca hoje

Arranca hoje a primeira Convenção do Ensino Superior, onde vão ser discutidas sobretudo as várias formas de atrair mais estudantes para as universidades. Em entrevista ao i, o reitor da Universidade Nova, João Sàágua, antevê o que vai ser discutido. 

Qual é o propósito desta convenção?

Chamar a atenção da sociedade e dos diversos partidos políticos para o interesse estratégico do ensino superior para o desenvolvimento do país. E chamar a atenção de uma forma que não é através de uma reivindicação ou de uma contestação. O Conselho de Reitores (CRUP) optou por abrir um diálogo com a sociedade civil e com os diversos partidos políticos para motivar essas várias forças em presença para os principais desafios das universidades do séc. xxi. 

Mais de 60% dos jovens não seguem os estudos para o superior e há uma forte redução de alunos no básico e secundário. A UE estabeleceu como meta atingirmos os 40% de diplomados entre os 30 e os 34 anos em 2020. Vamos atingir o objetivo? 

Não vamos conseguir chegar lá se não houver uma forte planificação de etapas e das ferramentas associadas. Por exemplo, ainda há constrangimentos no acesso ao superior. Se não houver a capacidade de, através dos serviços de Ação Social – que é uma área crítica – e das residências – outra área crítica –, oferecer às famílias um serviço que seja suficientemente eficaz para alavancar a ida dos estudantes para as universidades, vamos ter dificuldades. Além disso, se o alinhamento da oferta das universidades com a economia for vago ou indefinido, muitos alunos que querem ir para o superior optam por não o fazer e resolver a sua vida de outra maneira, encontrando um emprego.

Faz agora 20 anos que nasceu a reforma de Bolonha, que redesenhou os cursos e facilitou a mobilidade dos estudantes. Qual é o seu balanço? 

Bolonha foi extraordinariamente positivo. Permitiu mobilidade entre países de estudantes, de professores e de investigadores, permitiu reconhecimento imediato das competências e das qualificações dos estudantes. E atrás disto veio a confiança entre as universidades europeias e entre países, que é muito importante para o mercado de trabalho internacional. Mas em Portugal criou-se uma certa confusão, porque o que verdadeiramente temos em três anos não é uma licenciatura. É um bacharelato. Não quisemos usar esse termo porque achámos que ia degradar as licenciaturas. Temos horror à diferenciação e por causa disso quisemos fazer sobreviver uma designação [licenciatura] que não estava ajustada aos cursos de três anos [bacharelatos]. 

Porque foi tomada essa decisão? Por preconceito?

Penso que sim. As pessoas não quereriam pôr a hipótese de terminarem o 1.o ciclo de formação e não serem licenciadas, sem direito ao grau. 

O mercado de trabalho faz diferenciação...

Exatamente. Não havia necessidade de se ter estabelecido o equívoco. Mas está estabelecido e temos de viver com ele.

Esta diferenciação vai manter-se?

Penso que vai tender a atenuar-se com o tempo. Cada vez menos vamos ter licenciados pré-Bolonha à procura de emprego. A diferenciação faz-se aí, faz-se quando há dois candidatos a um lugar de emprego e ambos são licenciados, um é pré-Bolonha e outro é pós-Bolonha. 

Ao mesmo tempo que viram, nos últimos anos, o valor das propinas congelar, e em 2019 vai reduzir em 212 euros anuais, tiveram de aumentar o pessoal através da contratação de precários. Qual o ponto de situação do programa de regularização de precários (PREVPAP)? 

Estamos a cumprir. 

Mas têm recebido as verbas do governo para suportar o aumento de pessoal nos quadros?

Para o PREVPAP há zero de financiamento. Não haja qualquer dúvida sobre isto. O governo vai financiar com zero. 

Já vos foi dito que era assim? 

Já nos foi dito que era exatamente assim. A história do PREVPAP tem evoluído sempre na direção inversa à perspetiva inicial, que previa um envelope financeiro para toda a administração pública que seria depois distribuído. Num segundo momento, esse envelope financeiro foi reduzido para cerca de metade face à estimativa inicial. Agora, antes do verão, o que nos foi comunicado formalmente foi que não íamos receber qualquer financiamento.

Quem vos disse que não ia haver verbas?

Foi a tutela, transmitindo a informação das Finanças. 

Qual foi a vossa resposta?

Quando nos foi dito, para mim, já não era uma surpresa muito grande. É exatamente por isso que há a necessidade de se fazer a convenção, para que se fale destas questões num outro patamar. Neste momento há várias iniciativas de reivindicação na sociedade portuguesa. Todas elas envolvem aumentos salariais ou progressão de carreiras. Há 25 anos que não há aumentos salariais para os docentes universitários e que a nossa carreira não é alterada. 

E como vão resolver a situação dos precários?

Vamos contar com verbas próprias.

Há margem financeira para isso?

As universidades que lideram os rankings têm um rácio de um professor para cada cinco ou oito alunos. Na Nova, o rácio é de um professor para 16,5 alunos. Devia estar a contratar o dobro dos professores. A margem que existe é a do financiamento que tenho do sistema. 

Quantas situações de precariedade estão sinalizadas na Universidade Nova?

À volta de 600. 

Em média, há quanto tempo trabalhavam na Nova?

Não é possível estabelecer uma média. Estas 600 pessoas não podem ser pensadas em bloco. É necessário dividi-las em dois subconjuntos que têm diferenças muito fortes: os professores e os colaboradores não académicos. 

Entre os 600 casos, quantos são professores? 

Cerca de metade são professores e investigadores. 

Quantos professores já integraram?

Estamos a dois terços do processo. Mas o processo ainda não está concluído. Não está em nenhuma universidade. Diria que já integrámos à volta de 30. É possível que ainda mais alguns venham a ser integrados. Também temos a expetativa de que alguns professores e investigadores sejam recrutados através de processos diferentes, que não têm que ver com precários, como é o caso do emprego científico da Fundação para a Ciência e Tecnologia. 

Passaram ao regime fundacional há um ano. Que balanço faz? 

Traz duas vantagens muito grandes. Primeiro, permite que tenhamos uma política estratégica para o uso do património da universidade. Podemos alienar certas coisas que neste momento não estão a desenvolver atividade, para podermos investir mais noutras. A outra vantagem tem que ver com o facto de podermos criar uma política que compense o mérito. É um dos aspetos em que estou mais concentrado neste momento, para criar, por exemplo, sistemas de incentivos para os melhores professores, investigadores ou colaboradores não docentes. 

Qual o património que podem vir a alienar? 

Por exemplo, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas está aquartelada há 40 anos na Avenida de Berna. E, de alguma maneira, tem de ser resolvido o problema de termos aquela que é talvez a melhor universidade de ciências sociais e humanas do país nas piores instalações do país. 

Porque decidiram vender? 

Não temos maneira de fazer obras ali e recuperar aquelas instalações como gostaríamos. 

Para onde vai ser transferida a faculdade? 

Para este campus [Campolide]. Para as instalações onde funcionavam a Faculdade de Economia e a Nova Business School.

Quando prevê essa mudança? 

É uma operação que tem de ser feita neste próximo ano e meio ou nos próximos dois anos. A previsão é 2022. 

Temos um ministro que veio do setor, conhece bem o sistema. Estavam à espera que tivessem sido tomadas mais medidas?

Vínhamos talvez dos anos mais negros do ensino superior português dos últimos 40 anos. Das primeiras coisas que este governo fez foi o contrato de legislatura, no qual se comprometeu a não baixar o financiamento. Mas isto não serve para dizer que se aumentou o financiamento do superior. Aumentou-se a despesa e as verbas subiram para fazer face a essa despesa. Há ainda muito trabalho a fazer e houve medidas que ficaram aquém.

O que ficou aquém? 

Não temos contratos plurianuais. Um diálogo com as universidades que não seja só na ótica da investigação. Isso está por fazer. A nossa expetativa é que se consiga fazer um compromisso de regime entre as universidades, os vários partidos políticos e a sociedade civil.

Há o contrato de confiança...

Este contrato é de legislatura. Termina quando termina a legislatura. É o momento certo para se pensar num novo. Não falo em renovação porque o que está neste contrato é manifestamente insuficiente para o futuro. Serviu para aguentar o barco e fazer a transição de um momento extremamente deprimido para um momento melhor. 

Ana Petronilho - 07/01/2019 Jornal i