Quando Emanuel Baptista já estava na Madeira, o Instituto Superior Técnico conseguiu que um mecenas lhe pagasse alimentação, residência e propinas. Mas ele não quis voltar

Quando se apercebeu de que Emanuel Baptista não estava inscrito no segundo semestre do curso de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, o coordenador do curso lançou o alerta.

Era um aluno que tinha entrado com uma nota alta e no final do primeiro semestre os resultados eram também muito bons. Daí a estranheza. "Quando deu pela falta da inscrição do aluno, o coordenador do curso foi de imediato junto do gabinete de apoio que temos aqui na faculdade", conta ao DN o presidente do Instituto Superior Técnico, Arlindo de Oliveira.

O gabinete de apoio tentou então perceber junto de Emanuel Baptista o que se passava para que ele tivesse falhado a inscrição. "Foi aí que percebemos que ele tinha dificuldades financeiras e imediatamente tentámos resolver o problema", explica Arlindo de Oliveira.

O Técnico acionou então um dos planos que tem para estas situações: bolsas atribuídas por mecenas que trabalham diretamente com a faculdade. Foi contactada a família Ramalho Rosa, que decidiu atribuir a Emanuel Baptista a bolsa Augusto Ramalho Rosa, que lhe pagava as propinas e a alimentação durante toda a duração do curso de Engenharia Civil. O alojamento seria assegurado pelo Técnico numa das residências universitárias de Lisboa.

"Eles ligaram-me para eu voltar e ofereceram-me ajuda. Mas já cá estava novamente e, considerando tudo, decidi ficar aqui. Agradeci-lhes muito, mas não era naquela altura a melhor solução para mim"

Emanuel Baptista já estava na Madeira quando tudo isto aconteceu. Até já estava a frequentar a Universidade da Madeira, assistindo a cadeiras correspondentes àquelas que tinha deixado para trás em Lisboa.

"Eles ligaram-me para eu voltar e ofereceram-me ajuda. Mas já cá estava novamente e, considerando tudo, decidi ficar aqui. Agradeci-lhes muito, mas não era naquela altura a melhor solução para mim", diz ao DN.

Bolsa do Estado vedada por falta de papéis da Venezuela

O caso de Emanuel Baptista não é único no país e o presidente do Instituto Superior Técnico refere que estas bolsas de mecenas que existem na faculdade - e que abrangem "umas dezenas de alunos" daquela instituição - servem na maioria das vezes para ajudar jovens que, não tendo possibilidades financeiras para frequentar a Universidade, não conseguem ter bolsas de ação social do Estado.

Esse era, exatamente, o caso de Emanuel Baptista. Quando foi pedir a bolsa do Estado, foram-lhe exigidos documentos que ele estava impossibilitado de facultar, pelo facto de terem de ser pedidos na Venezuela, algo que naquele momento era totalmente impossível. Por razões pessoais e pela situação política do país.

Terá sido, aliás, esta a primeira e a verdadeira razão que levou Emanuel a decidir regressar à Madeira sem se inscrever no segundo semestre, uma vez que esteve esse tempo todo sem que tivesse conseguido uma resposta dos serviços de ação social que tratam dos processos de atribuição das bolsas.

"Pedi a bolsa assim que entrei, mas só comecei a receber informações sobre o processo depois de ter passado todo o primeiro semestre. Falei com professores, mas eles não podiam fazer muito mais enquanto o processo não estivesse concluído", contou este domingo ao DN. E quando finalmente teve boas noticias, outras coisas já estavam em jogo.

Emanuel não se alonga nas razões. De pleno direito, escolheu ficar.

Emanuel Baptista tornou-se notícia pelo facto de a sua nota de entrada na faculdade, 18, 9 (de 0 a 20), ter catapultado o curso de Engenharia Civil da Universidade da Madeira para o primeiro lugar do top dos cursos que exigem média mais alta de ingresso. Isso só aconteceu porque Emanuel era o único aluno a concorrer e por isso "deturpou" a estatística.

Rita Ferreira Diário de Notícias

10 Setembro 2018 

Emanuel, o aluno de 19 que teve de abandonar o Técnico e ir para a Madeira

Tem 20 anos, mas uma história já feita de algumas dificuldades. Saiu da Venezuela para a Madeira por causa da situação complicada do país; saiu de Lisboa, onde tinha entrado no Técnico, porque não tinha maneira de pagar a estada. Quer construir pontes.

caso ainda não tinha nome, apenas um número: 18,94 era a nota com que o último (e neste caso o único) aluno entrou no curso de Engenharia Civil na Universidade da Madeira. E por isso mesmo catapultou aquela instituição para o primeiro lugar da lista dos cursos com nota de entrada mais alta. Agora, este número já tem um nome e uma cara: Juan Emanuel Baptista, 20 anos, nascido na Venezuela, filho de pais portugueses.

Ao telefone com o DN, conta a sua história, que apesar de breve já é feita de muitas mudanças e alguns reveses. Emanuel Baptista nasceu e viveu quase toda a sua vida no estado venezuelano de Miranda, numa pequena localidade. Com a mãe e os avós, todos madeirenses, acabou por mudar-se para Caracas onde esteve quatro anos, até que a situação política e económica do país os fez fazer as malas e regressar à Madeira.

"Vim com a minha avó em 2015, viemos os dois primeiro, e só depois chegou a minha mãe com o meu avô." Na Venezuela está ainda o pai e dois meios-irmãos. "Vir para a Camacha não foi assim um choque tão grande, porque eu não tinha vivido assim tanto tempo em Caracas, estava habituado a uma terra pequena e pacata."

Emanuel fez os dois últimos anos do secundário no Funchal e sempre teve boas notas, apesar de ainda falar com um sotaque muito cerrado, percebe português perfeitamente.

Com as notas elevadas, com o sonho de ser engenheiro civil, fascinado por pontes (a sua favorita é a Ponte da Normandia), Emanuel Baptista tinha tudo para ingressar na mais conceituada universidade na área das engenharias do país: o Instituto Superior Técnico, em Lisboa. E esse sonho concretizou-se.

Emanuel fez as malas, meteu-se no avião, e aterrou em Lisboa no ano passado. Subiu a escadaria do Técnico e começou a estudar, crente de que a bolsa a que se candidatou rapidamente chegaria para poder pagar o alojamento em Lisboa. Mas não foi bem assim. Aliás, não foi mesmo nada assim.

"Foi revoltante"

"Pedi a bolsa assim que entrei, mas só comecei a receber informações sobre o processo depois de ter passado todo o primeiro semestre. Falei com professores, falei com o Técnico, mas eles não podiam fazer muito mais enquanto o processo não estivesse concluído." E até lá, fosse essa data qual fosse, Emanuel não tinha dinheiro para pagar um quarto.

"Um quarto a 400 euros era impossível para mim", conta. Então Emanuel teve de tomar uma decisão. Foi ver a residência universitária do Técnico, mas o facto de ter de partilhar um espaço pequeno com uma pessoa que não conhecia era impossível para ele. "Sou muito tímido e preciso do meu espaço. Portanto fiz a minha escolha e voltei para a Madeira."

Diz Emanuel que se sentiu "revoltado" ao início, pelo facto de ter trabalhado tanto para poder estudar numa das melhores universidades do país e ter desistido por razões financeiras. "Foi uma situação muito revoltante ao início e de uma grande impotência, porque eu não podia mesmo fazer nada."

Então regressou à Camacha, fez o segundo semestre na Universidade da Madeira e neste ano acabou por concorrer novamente por questões quase burocráticas. Na verdade Emanuel só espera as equivalências para seguir já para o segundo ano. Não vai ficar a estudar sozinho, pode viver com a mãe e os avós e continuar a sonhar ser construtor de pontes.

Rita Ferreira

09 Setembro 2018