Há cinco anos, a fusão entre as universidades Técnica e de Lisboa deu origem à maior instituição de ensino superior em Portugal. O reitor faz o balanço do processo e das mais recentes políticas do ministro Manuel Heitor, com duras críticas ao corte de vagas em Lisboa e Porto e ao programa de promoção do emprego científico.

O corte de 5% das vagas em instituições de Lisboa e Porto obrigou a Universidade de Lisboa a eliminar 383 lugares. Qual o impacto desta redução?
Do ponto de vista da universidade não tem grande impacto. Mas é um problema como política pública. Não percebo que um país queira impedir os estudantes de entrar nas suas melhores universidades e levá-los para outras que, com todo o respeito, não têm a mesma capacidade de atração. Não é com medidas de restrição artificial de vagas nas melhores universidades que se desenvolve o país. O ministro Manuel Heitor foi das pessoas que mais fomentaram a colaboração com as universidades americanas, por exemplo com o programa MIT — Portugal, que permite que os nossos estudantes façam o doutoramento nas instituições onde a formação é melhor. Esta medida é o oposto disso.

Mas não é importante para desenvolver o Interior?
Não acredito que esse objetivo seja atingido. Não consigo entender como é que Aveiro, Coimbra ou Braga, que puderam aumentar as vagas, sejam considerados interior. Devíamos era discutir se faz sentido que um aluno com média de 18 não consiga entrar num dos nossos cursos de Engenharia.

O programa de promoção do emprego científico, que determina a transformação de bolsas em contratos de trabalho, também tem sido muito criticado. Porquê?
Não posso estar mais de acordo com o princípio do combate à precariedade. Mas a forma como está a ser aplicado é a maior violação da autonomia universitária a que assisti.

Em que medida?
Põe em causa a possibilidade de contratarmos nas áreas onde devemos e através de concursos com as regras que achamos adequadas. Durante anos, os governos impediram a realização de concursos para recrutamento e diminuíram o orçamento das instituições em mais de um terço. O problema era resolvido através da mobilização de fundos estruturais para a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que contratava e pagava os bolseiros, na maior parte dos casos em áreas onde não temos falta de professores e investigadores. Agora, quando o Governo aprova a integração nas universidades de bolseiros que têm contrato com a FCT, em muitos casos isso vai contra a estratégia de desenvolvimento das instituições.

Mas estes bolseiros trabalham para as universidades.
Nós queremos todos os doutorados que queiram vir trabalhar connosco. E claro que conseguimos arranjar trabalhos interessantes para a universidade e para eles. Mas em algumas áreas temos os recursos necessários e não precisamos de integrar os 20 bolseiros que lá estão a trabalhar. E o pior é que depois os quadros voltarão a ficar fechados uma série de anos, impedindo que os nossos mais brilhantes jovens que se vão doutorar nos próximos tempos voltem a ficar à porta e abandonem o país.

Qual é a alternativa então?
O que queremos é que a contratação seja feita no quadro do Estatuto da Carreira Docente, com recrutamento internacional e nas áreas decididas por nós. Numa universidade com 50 mil alunos eu preciso de contratar professores para ensinar e que façam investigação e não de contratar investigadores que não têm obrigação de dar aulas. E há a questão orçamental. Dentro de dias começaremos a discutir o orçamento e veremos se o Governo tem os recursos para fazer a integração destes precários. Estamos a falar de uma massa salarial anual que ronda mais de €20 milhões, só na UL.

Acha que não terá?
O que estimo é que, face à obrigação de fazer contratos de pelo menos três anos com os investigadores e ainda com o processo de regularização de vínculos precários na Administração Pública, teremos um impacto orçamental que rondará os €200 milhões. Seria muito bom, pois colocava as universidades ao nível do que se passava há 10 anos.

Que balanço faz da fusão com a Universidade Técnica?
Os recursos libertados pela fusão permitiram-nos contratar mais de 300 professores e combater o maior problema que tínhamos que era o envelhecimento do corpo docente. Conseguimos subir nos rankings, o que fez aumentar a procura e as oportunidades. E conseguimos também recursos para construção de residências universitárias. O aumento das rendas das casas e quartos para estudantes é um dos maiores problemas que temos.

Expresso
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-07-22-Esta-a-acontecer-a-maior-violacao-da-autonomia-universitaria#gs.vBdvVSw