ACÓRDÃO Nº 445/2022

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220445.html

9 de junho de 2022

Processo n.º 229/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

 ( “Causa, de resto, perplexidade que o objeto do presente recurso tenha sido limitado pelos recorrentes à competência e autoridade do TdC para a efetivação da responsabilidade financeira (artigos 1.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos da LOPTC) de gestores universitários, nada mais.

De facto, não está abrangida pelo objeto do presente recurso a fiscalização da constitucionalidade (a contra-luz do princípio da autonomia) da sujeição das universidades do tipo fundacional ao regime da contratação pública (artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do CCP), como não se questiona a caracterização da violação deste regime jurídico-publicístico nesse domínio como infração financeira (artigo 65.º, n.º 1, alínea l) da LOPTC). Seria, de facto, francamente incongruente que se admitissem os gestores das universidades do tipo fundacional, à semelhança dos demais gestores públicos, como sujeitos à observância de normas de Direito público em matéria de contratação e, bem assim, por tipificadas infrações a este título – sem que o princípio da autonomia universitária se entendesse violado –, e, do mesmo passo e com fundamento no artigo 76.º, n.º 2, da Lei Fundamental, se negassem ao órgão jurisdicional de fiscalização das contas públicas atribuições ou competências para efetivação da respetiva responsabilidade financeira.

Resta concluir, à guisa de remate, que não existe fundamento para entender desrespeitada a garantia de autonomia das universidades, recenseada no preceito constitucional citado, ao conferir ao TdC atribuições e competências em matéria de efetivação da responsabilidade financeira (sancionatória) de gestores de universidades do tipo fundacional por atos de realização de despesa, qualquer que seja a origem das receitas que a suportem no plano financeiro, tal como resulta do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos da LOPTC, ora sob fiscalização. 

Decisão: “ Julgar o recurso improcedente.”

(…..)

:: 2. Os recorrentes foram condenados por sentença de 30 de agosto de 2021 proferida pelo TdC pelas seguintes infrações financeiras e nas seguintes sanções:

A. pela (1prática negligente deuma infração financeira, p. p. pela alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, por violação das normas secundárias da alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP), na multa de 15 UCs (€ 1.530,00), (2) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (3) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 24.º, n.º 1, alínea c) e 19.º, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (5) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 19.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (7) pela prática dolosa de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 4 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 60 UCs (€ 6.120,00) e (8) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00).

B. foi condenado pela (3) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 24.º, n.º 1, alínea c) e 19.º, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00) e (8) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00),

C. foi condenado pela (1prática negligente deuma infração financeira, p. p. pela alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, por violação das normas secundárias da alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, ambos do CCP, na multa de 15 UCs (€ 1.530,00), (2) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (7) pela prática dolosa de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 4 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 60 UCs (€ 6.120,00) e (8) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00). 

3. Desta sentença os recorrentes interpuseram recurso para o plenário da 3.ª secção do TdC, que, por acórdão de 12 de janeiro de 2022, decidiu conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida quanto à condenação de A., B. e C. (bem como da codemandada D.) pela prática de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5, mantendo, no mais, a decisão recorrida.”..)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

  1. A.B. C. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal de Contas (doravante designado pela sigla «TdC») de 12 janeiro de 2022, pedindo a fiscalização concreta do disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos da Lei n.º 98/87, de 26 de agosto  (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, referida adiante pela sigla «LOPTC») na “dimensão normativa que legitima a efectivação de responsabilidades financeiras de fundações públicas, com regime de direito privado, quanto à afectação e utilização de receitas próprias e à realização de despesas não financiadas por dinheiros públicos”, arguindo violação do disposto no artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
  2. Os recorrentes foram condenados por sentença de 30 de agosto de 2021 proferida pelo TdC pelas seguintes infrações financeiras e nas seguintes sanções:
  3. pela (1prática negligente deuma infração financeira, p. p. pela alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, por violação das normas secundárias da alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP), na multa de 15 UCs (€ 1.530,00), (2) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (3) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 24.º, n.º 1, alínea c) e 19.º, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (5) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 19.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (7) pela prática dolosa de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 4 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 60 UCs (€ 6.120,00) e (8) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00).
  4. foi condenado pela (3) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 24.º, n.º 1, alínea c) e 19.º, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00) e (8) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00),
  5. foi condenado pela (1prática negligente deuma infração financeira, p. p. pela alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, por violação das normas secundárias da alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, ambos do CCP, na multa de 15 UCs (€ 1.530,00), (2) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00), (7) pela prática dolosa de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 4 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 60 UCs (€ 6.120,00) e (8) pela prática negligente de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5 da LOPTC, por referência às normas secundárias dos artigos 22.º, n.º 1, alínea b) e 20.º, n.º 1, alínea b), ambos do CCP, na multa de 25 UCs (€ 2.550,00).
  6. Desta sentença os recorrentes interpuseram recurso para o plenário da 3.ª secção do TdC, que, por acórdão de 12 de janeiro de 2022, decidiu conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida quanto à condenação de A., B. e C. (bem como da codemandada D.) pela prática de uma infração financeira, p. p. pelo artigo 65.º, n.ºs 1, alínea l), 2 e 5, mantendo, no mais, a decisão recorrida.
  7. Os recorrentes interpuseram então recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, nos seguintes termos:

“(…) vêm interpor

RECURSO

para o Tribunal Constitucional, o que fazem nos termos seguintes:

  1. Recorribilidade

Do acórdão nº 3/2022, proferido 12 de janeiro de 2022, pelos Juízes do Tribuna! de Contas, em Plenário, na 3ª Secção do Tribunal de Contas, nos termos do artigo 100º, nº 1 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas [LOPTC], aprovada pela Lei 98/97, de 26 de agosto, em recurso ordinário interposto nos termos do artigo 96º, nº 3 da mesma LOPTC, não cabe novo recurso ordinário.

O recurso foi interposto de sentença nº 17/2021, proferida em 30 de agosto de 2021 que, na parte relevante, decidiu nos termos seguintes:

  1. A) Julgo improcedente a invocada exceção dilatória da incompetência material do Tribunal de Contas para julgar as infrações financeiras ora imputadas aos Demandados; nos termos e com os fundamentos expostos nos pontos 3. a 3.1 desta sentença;
  2. B) Julgo improcedente a questão prévia da invocada inconstitucionalidade das normas dos artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, por violação do princípio da autonomia financeira universitária ínsita no nº 2 do artigo 76.º da CRP; na dimensão normativa que legitima a efetivação de responsabilidades financeiras dos responsáveis pela Universidade do Minho, enquanto fundação pública com regime de direito privado, quando estes, no exercício das suas funções, afetem e utilizem receitas próprias e realizem despesas não financiadas por dinheiros públicos.

- vd. ponto 3.3. da sentença;

(...)

Os segmentos do dispositivo das alíneas A) e B) da sentença nº 17/2021 respeitam [entre outras] às questões suscitadas em recurso e que foram mantidas peia alínea b) do acórdão nº 3/2022, agora recorrido.

Das decisões das instâncias, e na procedência parcial do requerimento inicial do Ministério Público, os Recorrentes foram

- condenados como responsáveis de um conjunto de infracções,

- e absolvidos pelas instâncias da prática de outro conjunto de infrações.

Não relevando o detalhe das condenações e absolvições para apreciação da admissibilidade e do mérito do presente recurso de constitucionalidade, justifica-se apenas sinalizar que as condenações pecuniárias dos recorrentes ascendem ao montante global de 28.050,00€ [15.300,00€+2.550,00€+10.200,00€]

Não é o montante das condenações pecuniárias que importa para o presente recurso.

A motivação dos Recorrentes prende-se, apenas, com a clara identificação e definição dos limites formais e materiais do princípio da autonomia universitária, constitucionalmente consagrada.

Princípio ao abrigo do qual, enquanto decisores institucionais, foram chamados a tomar decisões de contratação que eram as necessárias à instituição.

Como dito, do acórdão ng 3 [2022, proferido em conferência, não cabe recurso ordinário, [cf. Artigos 96º e 100º, este a contrario, da LO PTC.

  1. Fundamento do recurso

A admissibilidade do recurso funda-se no artigo 70º, 1, al. b) e nº 2, da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro.

III. Normas jurídicas recorridas

São normas jurídicas recorridas o artigo 1º, nº 1, e o artigo 5º, nº 1al. e), da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas [LOPTC], aprovada pela Lei 98/97, de 26 de agosto, na dimensão normativa que legitima a efectivação de responsabilidades financeiras de fundações públicas, com regime de direito privado, quanto à afectação e utilização de receitas próprias e à realização de despesas não financiadas por dinheiros públicos.

Quanto a todas as decisões recorridas procederam à aplicação de dimensão normativa violadora do princípio da autonomia universitária consagrado no artigo 76º, nº 2 da Constituição da República.

  1. Normas da Constituiçãovioladas

Constitui norma violada o artigo 76º, nº 2 da Constituição da República.

  1. Prevenção da questão

As questões foram expressamente colocadas pelos Recorrentes quer na contestação, quer no recurso ordinário.

Na CONTESTAÇÃO as questões de constitucionalidades estão suscitadas:

- no Prologo, Parte A, sob os nºs 1 a 12;

-     Parte 1, sob os nºs 243 a 257.

No RECURSO ORDINÁRIO as questões estão suscitadas:

-     na motivação do recurso, de fls 96 a 101;

-     na conclusão XVI, a fls 113.

As questões de constitucionalidade foram assim suscitadas,

Nos termos da lei o Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidades por infracções financeiras, [art. 1º, nº 1 da LOPTC]

Aceitando-se embora a jurisdição do Tribunal de Contas a mesma só pode ser exercida nos exactos limites definidos na lei, tanto de organização e funcionamento do próprio Tribunal, como do regime jurídico e estatuto das Universidades.

Cumprindo ter presente que as Universidades/Fundação não são regidas pela lei quadro das fundações, mas pela lei nº 62/2007, da Assembleia da República, que aprovou o Regime Jurídicos das Instituições de Ensino Superior.

Quanto a todas as entidades sujeitas a jurisdição do Tribunal de Contas os poderes de controlo financeiro devem ser exercidos na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correcção económica e financeira da aplicação dos mesmos dinheiros e valores públicos.

Ainda nos termos da lei integra a competência material essencial do Tribunal de Contas “Julgar a efectivação de responsabilidades financeiras de quem gere e utiliza dinheiros públicos, independentemente da natureza da entidade a que pertença, nos termos da presente lei;" [Art. 5.º, nº 1, al. e) da LOPTC]

Matricialmente o Tribunal de Contas deve ter presente que, sem que tal implique desorçamentação, às Universidades em geral, e à UMinho em concreto, está legalmente reconhecida autonomia financeira.

A autonomia financeira da UMinho resulta expressamente dos seguintes diplomas:

  1. Da Constituição da República, que consagra o princípio no seu artigo 76º, nº2, com o seguinte teor: "As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino [Capítulo III Direito e Deveres Culturais, do Título III, Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais]
  2. Da Lei 62/2007, que consagra no seu artº 11º, nº l, o seguinte: "As instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza"
  3. Dos próprios estatutos, aprovados por Despacho Ministerial [por último o despacho normativo 13/2017 do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que no seu artigo 1º, nº l dispõe: "A Universidade do Minho, doravante designada abreviadamente por Universidade, é uma fundação pública com regime de direito privado; dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, cultural, administrativa, patrimonial, financeira e disciplinar.”

E, sendo embora certo que, nos termos daquela Lei 62/2007, no seu art. 11º, nº 5, se define que "A autonomia das instituições de ensino superior não preclude a tutela ou a fiscalização governamental, conforme se trate de instituições públicas ou privadas, nem a acreditação e a avaliação externa, nos termos da lei."

Tal tutela efiscalização só pode respeitarão perímetro da afectação e utilização dos dinheiros públicos, não às receitas próprias das Universidades/Fundação.

Como alegado e documentado nos autos, as receitas da UMinho com origem em dotação orçamental não representam sequer metade das receitas e cobrem apenas uma parte da despesa com recursos humanos.

Despesa com recursos humanos que, pela dimensão do pessoal e pela natureza dos vínculos, se apresenta como pouco elástica, limitando e condicionando o exercício da gestão.

Não se inclui na competência do Tribunal de Contas, enquanto tribunal de natureza não judicial, a efectivação de responsabilidade financeira das Universidades/Fundação, com regime de direito privado, na parte respeitante à afectação e utilização de receitas próprias sem origem no Orçamento do Estado.

Nos termos da Constituição e da Lei, a competência do Tribunal de Contas para efectivar responsabilidades financeiras respeita apenas à afectação e utilização de dinheiros públicos, no caso integralmente consumidos com o pagamento parcial dos encargos com pessoai.

São inconstitucionais, por violação do princípio da autonomia financeiras das universidades/fundação, as normas dos artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, na dimensão normativa que legitima a efectivação de responsabilidades financeiras de fundações públicas, com regime de direito privado, quanto à afectação e utilização de receitas próprias e à realização de despesas não financiadas por dinheiros públicos.

Devendo o Tribunal de Contas declarar-se incompetente para apreciar a acusação do Ministério Público que respeita exclusivamente à afectação e utilização de receitas próprias da Universidade do Minho, enquanto Universidade/Fundação.

Para julgar improcedentes tais excepções o tribunal elaborou uma longa argumentação que assim se pode resumir: competência do Tribunal de Contas e a constitucionalidade das normas resultará em última análise dos interesses públicos servidos pelas Universidades, independentemente do regime que se lhes aplique.

  1. Demonstração da sua aplicação

As questões constitucionalidade foram conhecidas por ambas as instâncias recorridas. Assim, e em concreto:

- na sentença nº 17/2021, sob a epígrafe 3. O DIREITO, de fls 178 a 208;

- no acórdão nº 3/2022, sob a epígrafe 3. Violação da autonomia, constitucional e legal, da universidade, de fls 90 a 95.

VIL Efeitos

O recurso tem efeito suspensivo do processo; artigo 78º, nº 3 e nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional.

Termos em que requer a V.Exª que se digne admitir o presente recurso, ordenando a sua subida imediata, nos próprios autos, fixando-Ihe efeito suspensivo do processo, já por ser esse o regime regra, como também por dever manter os efeitos e regime de subida do recurso anterior, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional, tudo em vista de ser apreciada e declarada a inconstitucionalidade material das normas jurídicas indicadas e ordenada a reforma da decisão recorrida em conformidade com dimensão normativa constitucionalmente conforme das normas impugnadas dos artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, aprovada pela Lei 98/97, de 26 de agosto, na dimensão normativa que legitima a efectivação de responsabilidades financeiras de fundações públicas, com regime de direito privado, quanto à afectação e utilização de receitas próprias e à realização de despesas não financiadas por dinheiros públicos.

  1. O Tribunal “a quo” admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, que foi também recebido no Tribunal Constitucional. 
  2. Os recorrentes apresentaram alegações, depois de notificados para o efeito (artigo 79.º da LTC), enunciando as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal de Contas pela sentença nº 17/2021 e pelo acórdão nº 3/2022, ambos da 3ª secção,  julgou improcedente a questão prévia da inconstitucionalidade das normas dos artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, por violação do princípio da autonomia financeira universitária ínsita no n.º 2 do artigo 76.º da CRP,  na dimensão normativa que legitima a efetivação de responsabilidades financeiras dos responsáveis pela Universidade do Minho, enquanto fundação pública com regime de direito privado, quando estes, no exercício das suas funções,  afetem e utilizem receitas próprias e realizem despesas não financiadas por dinheiros públicos de afetação legalmente consignada.

  1. Às instituições de ensino superior público de natureza fundacional, consagradas no artigo 129º do RJIES, deve ser reconhecida a mais ampla autonomia universitária.
  2. Insere-se no perímetro da autonomia universitária, constitucionalmente consagrada, a aplicação do regime de direito privado no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, como densificado pelo regime do artigo 134º, nº 1 do RJIES, com a ressalva de que este regime não pode prejudicar a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.
  3. Da aplicação do regime de direito privado no que respeita à gestão financeira, patrimonial e pessoal pelas instituições de ensino superior público de natureza fundacional não decorre nenhuma presunção de perturbação dos princípios constitucionais ressalvados, contra o que resulta implícito nas decisões recorridas que aplicaram dimensões normativas constitucionalmente desconformes por violadores do direito fundamental à autonomia universitária.
  4. Do uso das competências do Tribunal de Contas consagradas no artigo 214º da Constituição, como no artigo 158º do RJIES, não pode decorrer a compressão do perímetro do direito fundamental à autonomia universitária, expressamente consagrado no artigo 76º, nº 2 da Constituição da República.
  5. A garantia constitucional do direito à autonomia das universidades reflete uma inflexão na compreensão das relações entre o Estado e o ensino superior, abandonando -se uma perspetiva centralista, com origem no período da monarquia absolutista, para se regressar às origens do ensino universitário europeu como espaço de liberdade de ensinar e aprender.
  6. Especificamente quanto às instituições de ensino superior de natureza fundacional, e no que concerne à dimensão financeira da autonomia universitária, deve afirmar-se excluída da competência do Tribunal de Contas a fiscalização, controlo e efetivação de responsabilidades financeiras por atos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal, praticados ao abrigo do regime de direito privado sempre que esteja em causa a utilização de receitas próprias da universidade-fundação de utilização não consignada por lei. 
  7. A dimensão normativa aplicada pelas instâncias do Tribunal de Contas traduz o esvaziamento do conteúdo material da autonomia financeira das universidades que, assim, ficaria reduzida a uma mera “autonomia de gestão”, destituída da dignidade e da proteção conferidas pelo reconhecimento do direito fundamental, tal como consagrado no artigo 76º, nº 2 da Constituição. 
  8. Devendo ser declarada a inconstitucionalidade material das normas do  artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, aprovada pela Lei 98/97, na dimensão normativa que legitima a efetivação de responsabilidades financeiras dos responsáveis de instituições de ensino superior público de natureza fundacional, por atos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal, praticados ao abrigo do regime de direito privado, sempre que esteja em causa a utilização de receitas próprias da universidade-fundação de utilização não consignada por lei. 
  9. Mais devendo ser ordenada a reforma da decisão recorrida em conformidade com dimensão normativa constitucionalmente conforme das normas impugnadas dos artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, preservando a dimensão nuclear da autonomia universitária como direito fundamental constitucionalmente consagrado, no artigo 76º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa;

*

PEDIDO

Termos em que deve ser julgado procedente o recurso e, em consequência:

  1. a) Declarada a inconstitucionalidade material das normas do  artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, aprovada pela Lei 98/97, na dimensão normativa que legitima a efetivação de responsabilidades financeiras dos responsáveis de instituições de ensino superior público de natureza fundacional, por atos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal, praticados ao abrigo do regime de direito privado, sempre que esteja em causa a utilização de receitas próprias da universidade-fundação de utilização não consignada por lei. 
  2. b) ordenada a reforma da decisão recorrida em conformidade com dimensão normativa constitucionalmente conforme das normas impugnadas dos artigos 1º, nº 1, e 5º, nº 1, al. e) da LOPTC, preservando a dimensão nuclear da autonomia universitária como direito fundamental constitucionalmente consagrado, no artigo 76º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa;

Como é de DIREITO e de JUSTIÇA DEMOCRÁTICA!”

  1. O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo do seguinte modo:

1.             A., B. e C.  vieram interpor, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da LTC, o presente recurso visando a apreciação da (in)constitucionalidade «(…) das normas dos artigo[s] 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, al .e) da LOPTC, aprovada pela Lei 98/97, na dimensão  normativa  que legitima a efectivação de responsabilidades financeiras dos responsáveis de instituições de ensino superior público de natureza fundacional, por actos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal praticados ao abrigo do regime de direito privado, sempre que estejam em causa a utilização de receitas próprias da universidade-fundação de utilização não consignada na lei”.

  1. E, para o efeito, invocam, em termos de parâmetro constitucional, ter sido violada a “autonomia universitária como direito fundamental (…) consagrado no artigo 76.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.”
  2. Conforme decorre das conclusões extraídas nas alegações de recurso para este Tribunal Constitucional, os ora recorrentes – demandados nos autos de processo de responsabilidade financeira e sancionatória n.º 33/2019-JRF, 3ª seção, do Tribunal de Contas - sustentam o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade dessa interpretação normativa nos seguintes argumentos:

“2. Às instituições de ensino superior público de natureza fundacional, consagradas no artigo 129.º do RJIES, deve ser reconhecida a mais ampla autonomia universitária.

  1. Insere-se no perímetro da autonomia universitária, constitucionalmente consagrada, a aplicação do regime de direito privado no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, como densificado pelo regime do artigo 134.º, n.º 1 do RJIES, com a ressalva de que este regime não pode prejudicar a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.
  2. Da aplicação do regime de direito privado no que respeita à gestão financeira, patrimonial e pessoal pelas instituições de ensino superior público de natureza fundacional não decorre nenhuma presunção de perturbação dos princípios constitucionais ressalvados, contra o que resulta implícito nas decisões recorridas que aplicaram dimensões normativas constitucionalmente desconformes por violadores do direito fundamental à autonomia universitária.
  3. Do uso das competências do Tribunal de Contas consagradas no artigo 214.º da Constituição, como no artigo 158.º do RJIES, não pode decorrer a compressão do perímetro do direito fundamental à autonomia universitária, expressamente consagrado no artigo 76.º, n.º 2 da Constituição da República.
  4. A garantia constitucional do direito à autonomia das universidades reflete uma inflexão na compreensão das relações entre o Estado e o ensino superior, abandonando -se uma perspetiva centralista, com origem no período da monarquia absolutista, para se regressar às origens do ensino universitário europeu como espaço de liberdade de ensinar e aprender.
  5. Especificamente quanto às instituições de ensino superior de natureza fundacional, e no que concerne à dimensão financeira da autonomia universitária, deve afirmar-se excluída da competência do Tribunal de Contas a fiscalização, controlo e efectivação de responsabilidades financeiras por actos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal, praticados ao abrigo do regime de direito privado sempre que esteja em causa a utilização de receitas próprias da universidade-fundação de utilização não consignada por lei.
  6. A dimensão normativa aplicada pelas instâncias do Tribunal de Contas traduz o esvaziamento do conteúdo material da autonomia financeira das universidades que, assim, ficaria reduzida a uma mera "autonomia de gestão", destituída da dignidade e da protecção conferidas pelo reconhecimento do direito fundamental, tal como consagrado no artigo 76.º, n.º 2 da Constituição. (…)”.
  7. Resulta assim que  a questão suscitada nos presentes autos reside em saber se é ou não violadora do princípio da autonomia financeira das universidades,  consagrado no artigo 76.º, nº 2 da CRP, a interpretação normativa dos artigos 1.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, alínea e)  da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC - Lei n.º 98/97, de 26 de agosto) no sentido de que o Tribunal de Contas dispõe de competência material para fiscalizar a legalidade, apreciar a boa gestão financeira e julgar a efetivação de responsabilidades financeiras  por atos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal praticados, ao abrigo do regime de direito privado, sempre que esteja em causa a utilização, não consignada por lei,  de receitas próprias da universidade-fundação.
  8. A resposta (negativa) a essa questão encontra-se, desde logo, bem sintetizada no sumário do douto acórdão recorrido (Acórdão n.º 3/2022 – 3.ª secção, do Tribunal de Contas), nomeadamente nos pontos que a seguir se transcrevem: 

“(…) 2. A autonomia financeira de que as Universidades gozam, consagrada constitucionalmente, nos termos do n.º 2 do artigo 76.º da CRP, caracteriza-se pela autonomia na decisão, através dos órgãos próprios da Universidade, sobre a gestão e dispêndio dos recursos financeiros que lhes sejam afetos, quer sejam dotações orçamentais, quer sejam receitas ou rendimentos que possam arrecadar, máxime propinas e outras taxas de frequência, sem prejuízo do controlo estadual sobre a legalidade das suas decisões.

  1. As instituições de ensino superior públicas, ainda que de tipo fundacional, são consideradas "entidades adjudicantes" e estão sujeitas às regras da contratação pública, desde a entrada em vigor do DL 149/2012 de 12.07, com a redação dada por este ao artigo 2.º do CCP.
  2. Não é incompatível com a autonomia financeira das universidades, ainda que de tipo fundacional, a instituição de um regime de controlo sobre a utilização dos recursos financeiros geridos pelas instituições de ensino superior públicas e com a eventual responsabilização financeira, no caso de não observância das regras e procedimentos a que os órgãos de gestão das Universidades estão sujeitos.
  3. As normas que atribuem competência ao Tribunal de Contas, para julgar a efetivação de responsabilidades das instituições de ensino superior públicas de quem gere e utiliza dinheiros públicos, ainda que na dimensão das "receitas próprias" das universidades, não padecem de inconstitucionalidade, nomeadamente não violam a autonomia financeira das universidades. (…)”.
  4. Na verdade,  tal como afirmado nesse douto aresto, in casu não se pode senão deixar de entender que “as normas que atribuem competência ao Tribunal de Contas, para julgar a efetivação de responsabilidades das instituições de ensino superior públicas de quem gere e utiliza dinheiros públicos, ainda que na dimensão das "receitas próprias" das universidades, não padecem de inconstitucionalidade, nomeadamente não violam a autonomia financeira das universidades, consagrada no artigo 76.º , n.º 2, da CRP”.
  5. E isto porque, acompanhando as razões constantes dessa mesma decisão, também se nos afigura  totalmente infundada a argumentação dos demandados, ora recorrentes, no sentido de, que no caso em apreço,  “a dimensão normativa aplicada pelas instâncias do Tribunal de Contas traduz o esvaziamento do conteúdo material da autonomia financeira das universidades que, assim, ficaria reduzida a uma mera "autonomia de gestão", destituída da dignidade e da protecção conferidas pelo reconhecimento do direito fundamental, tal como consagrado no artigo 76.º, n.º 2 da Constituição”.
  6. Com efeito, como bem se refere na fundamentação dessa douta decisão, com a qual se concorda e que aqui, mais resumidamente (vide supra ponto 7), também se transcreve:

(…)  a autonomia financeira de que as Universidades gozam, consagrada constitucionalmente, nos termos do n. º 2 do artigo 76.º da CRP, caracteriza-se pela autonomia na decisão, através dos órgãos próprios da Universidade, sobre a gestão e dispêndio dos recursos financeiros que lhes sejam afetos, quer sejam dotações orçamentais, quer sejam receitas ou rendimentos que possam arrecadar, máxime propinas e outras taxas de frequência, sem prejuízo do controlo estadual sobre a legalidade das suas decisões. (…).

(…) tal autonomia não é sinónimo de que as Universidades, integradas ou qualificadas como "instituições de ensino superior públicas", ainda que instituições de ensino superior públicas de "natureza fundacional" como é o caso da Universidade do Minho (doravante UM), possam pôr e dispor dos recursos financeiros, na dimensão de "receitas próprias", como lhes aprouver, como se fossem entes privados, sem sujeição ao mesmo enquadramento legal a que estão submetidos outros entes públicos, também com autonomia financeira e com receitas, umas provindas do orçamento do Estado, outras receitas próprias.

Com efeito, a Lei n.º 62/2007 de 10.09 (…) afirmou, claramente: (i) a sujeição das instituições de ensino superior públicas "ao estabelecido na lei quanto ao equilíbrio orçamental e à disciplina das finanças públicas" (cf. artigo 113.º, n.º 3); (ii) a aplicabilidade, às instituições de ensino superior públicas, das regras quanto ao equilíbrio orçamental (cf. artigo 113.º, n.º 4); (iii) que são "nulas e implicam responsabilidade financeira as decisões que determinem ou autorizem a realização de despesas ilegais ou sem cobertura orçamental" (cf. artigo 113.º, n.º 7) (iv) a responsabilidade financeira a que estão sujeitos os titulares dos órgãos de tais instituições "pelas infrações que lhes sejam imputáveis, nos termos gerais" (cf. artigo 157.º, n.º2); (v) a sujeição das instituições de ensino superior "à jurisdição do Tribunal de Contas nos termos da lei geral" (cf. art.º 158.º);  (…) 

(…) a autonomia financeira das universidades garante que são os órgãos de gestão destas quem decide quando e onde serão gastos os recursos financeiros (sejam transferências orçamentais sejam "receitas próprias") de que dispõem. (...) Porém, a forma como contratam, para adquirir os bens e serviços onde gastam esses recursos financeiros, implica a observância de um determinado regime contratual e financeiro, nos mesmos moldes de outros entes públicos, também com autonomia financeira e receitas próprias.

Não pode assim considerar-se incompatível com a autonomia financeira das universidades, ainda que de tipo fundacional, consagrada constitucionalmente, a instituição de um regime de controlo sobre a utilização dos recursos financeiros geridos pelas instituições de ensino superior públicas e com a eventual responsabilização financeira, no caso de não observância das regras e procedimentos a que os órgãos de gestão das Universidades estão sujeitos.

(…) a CRP integrou o Tribunal de Contas nas diversas categorias de tribunais e atribui-lhe, como "órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas", entre outras, a competência para "efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da lei" (cf. artigos 209.º e 214.º, n.º 1, alínea c), ambos da CRP).

Em consonância com tal mandato constitucional a LOPTC veio estabelecer, nos artigos 1.º, 2.º e 5.º, respetivamente, os termos da jurisdição e dos poderes de controlo financeiro, identificar as entidades sujeitas a tal jurisdição e poderes, bem como definir a competência material essencial do Tribunal de Contas, aí se incluído a competência para "Julgar a efetivação de responsabilidades financeiras de quem gere e utiliza dinheiros públicos, independentemente da natureza da entidade a que pertença, nos termos da presente lei;" (alínea e) do n.º 1, do artigo 5.º).

(…) nenhuma norma reconduz ou qualifica como "dinheiros públicos" apenas os provindos das transferências do GE. (...) as designadas "receitas próprias" da UM não podem qualificar-se como dinheiros privados, em contraponto àqueles "dinheiros públicos" (…)

(…) instituições de ensino superior públicas, "estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas coletivas públicas de direito público de natureza administrativa..." (…).

(…) uma das ressalvas, ao regime de direito privado, no que respeita à gestão financeira das instituições de ensino superior público de natureza fundacional, como é o caso da UM, é precisamente o de não prejudicar a "aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade".

(…) na atribuição, por parte do Estado às Universidades, de prerrogativas de autoridade, como o poder de cobrar "receitas próprias", nomeadamente as provenientes do pagamento de "propinas" e outras taxas (cf. artigo 115.º, nomeadamente n.º 1, alínea b), da Lei n.º 62/2007), está subjacente a afetação dessas receitas próprias às atribuições das instituições de ensino superior (cf. artigo 8.º da Lei n.º 62/2007), por forma a terem melhores condições de as levar a cabo. (…)

(…) não tem igualmente fundamento, admitindo que os recorrentes aceitem que a UM estaria sujeita às regras da contratação pública, naquela dimensão do uso de dinheiro provenientes de "receitas próprias", que a violação dessas regras não teria qualquer consequência legal, em termos de infração financeira. Nessa tese dos recorrentes, pese embora a consagração daquela responsabilidade financeira (cf. art.º 157.º n.º 2 da Lei 62/2007), nenhum Tribunal teria competência para a efetivar, nomeadamente o Tribunal de Contas (…)”.

  1. Importa acentuar, ainda, que as receitas das universidades-fundação pública, com regime de direito privado, mesmo quando integram receitas próprias sem origem no Orçamento do Estado, não deixam de constituir «dinheiros públicos» já que resultam de receitas de entidades públicas, obtidas no exercício, desenvolvimento e por causa da missão de serviço público a que essas  universidades estão afetas  as quais, por isso mesmo, não só não estão dispensadas do controlo jurisdicional do Tribunal de Contas como também os seus gestores/ responsáveis financeiros não estão isentos das responsabilidades financeiras que a esse mesmo Tribunal de Contas cumpre fiscalizar, julgar e efetivar.
  2. Como bem decorre do douto acórdão recorrido, o princípio da autonomia financeira das universidades públicas, mesmo que universidades-fundação, não constitui óbice ao disposto no n.º 1 do artigo 214.º da CRP, nos termos do qual o Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, competindo-lhe nomeadamente a efetivação da responsabilidade por infrações financeiras.
  3. Daí que, por tudo o exposto, se entenda pois não estar ferida da inconstitucionalidade, por não se revelar violadora de qualquer princípio ou constitucional, nomeadamente do artigo 76.º, n.º 1 da CRP, a interpretação normativa dos artigos 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, alínea e) da LOPTC no sentido de que o Tribunal de Contas é materialmente competente para efetivar responsabilidades financeiras dos responsáveis/gestores das universidades-fundação pública com regime de direito privado, mesmo na situação em que estes, no exercício das suas funções, afetem e utilizem receitas próprias, não consignadas na lei e sem origem no Orçamento de Estado.
  4. Como afirmado na douta decisão singular, também recorrida, da Mm.ª Juíza Conselheira da 3.ª secção do Tribunal de Contas, “o controlo financeiro e jurisdicional, que é simultaneamente público, técnico e externo, levado a cabo pelo Tribunal de Contas em nada colide com o princípio da autonomia financeira das universidades ínsito no n.º 2 do artigo 76.º da CRP, que permanece imaculado”.

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.

     Cumpre apreciar e decidir.

*

  1. Fundamentação
  2. Os preceitos legais a que respeita o objeto do recurso de fiscalização interposto possuem a seguinte redação:

Artigo 1.º

Definição e jurisdição

1 - O Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efetiva responsabilidades por infrações financeiras.

 “Artigo 5.º

Competência material essencial

1 - Compete, em especial, ao Tribunal de Contas: (…)

  1. e) julgar a efetivação de responsabilidades financeiras de quem gere e utiliza dinheiros públicos, independentemente da natureza da entidade a que pertença, nos termos da presente lei;

     Os recorrentes pretendem a sindicância destes dispositivos legais numa dimensão normativa específica, ora a que legitima a efectivação de responsabilidades financeiras de fundações públicas, com regime de direito privado, quanto à afectação e utilização de receitas próprias e à realização de despesas não financiadas por dinheiros públicos”, quando em confronto com o princípio de autonomia conferido às universidades, recenseado no artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

     Na lógica do recurso interposto, a expressão “financiadas por dinheiros públicos” pretende exprimir os casos em que as despesas realizadas pelos gestores universitários (entendidas infracionais) hajam sido suportadas em verbas que não tenham origem no orçamento do Estado, mas em receitas próprias da instituição. Entendem os recorrentes que, nesse âmbito e quando estejam em causa instituições do tipo fundacional, como tal sujeitas a regime de Direito Privado (artigo 134.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2007 de 10.09 [RJIEP]), ao TdC falecerá competência para efetivar a responsabilidade financeira prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea l), da LOPTC, como é o caso dos recorrentes, sob pena de rutura com a autonomia financeira e de gestão das universidades.

  1. A propósito da autonomia universitária, a doutrina assinala duas dimensões nesta garantia, uma componente pessoal, “que garante à comunidade académica e aos seus membros a liberdade de ensinar e de investigar (autonomia como garantia de direitos, liberdades e garantias individuais)” e uma componente institucional, “que consiste num direito fundamental da própria universidade à autonomia” (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Ed., 2001, pp. 913-914). A garantia desdobra-se depois em cinco aspetos constitucionais sinalizados no preceito, a autonomia estatutária (a liberdade de fixação de estatutos), a autonomia científica (autodeterminação e auto-organização em matéria científica, corolário da liberdade de criação científica – artigo 42.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), a autonomia pedagógica (autodeterminação das formas e métodos de ensino e de avaliação, bem como a organização do serviço docente e do programa curricular, por sua vez corolário da liberdade de ensino – artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa), a autonomia administrativa (liberdade de  gestão e capacitação para a prática de atos administrativos, incluindo em matéria de contratação e de governação de recursos, sem subordinação a outros órgãos administrativos) e a autonomia financeira (que inclui o direito a financiamento público garantido e a liberdade de organização de orçamento próprio, que compreende necessariamente a capacidade para cobrar receitas e as alocar ao pagamento de despesas sem dependência de entidades terceiras) (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pp. 914-915).

     Esta caracterização da autonomia das universidades atende à sua especial função, não apenas enquanto estabelecimentos académicos, mas principalmente enquanto fonte de criação e difusão do pensamento científico em contexto nacional. Esta atividade apenas se pode entender viável e profícua se se desenvolver em ambiente livre, ou seja, sem os constrangimentos inerentes à subordinação a outros órgãos administrativos, por isso se estabelecendo este amplo espaço de autonomia estatutária, regulamentar e operacional, entregando a órgãos universitários o governo das matérias que diretamente lhe digam respeito. A jurisprudência constitucional já fez ver: 

o poder, de algum modo originário para se administrar – isto é, para regular os seus assuntos e resolver os seus problemas da forma por si julgada adequada, dispondo para tal dos meios necessários e gerindo com grande liberdade o seu funcionamento’ é que ‘traduz a ideia de uma (verdadeira) autonomia às universidades: na verdade, estas só serão autónomas na medida em que lhes seja reconhecido um domínio de interesses (assuntos) próprios, um domínio relativamente ao qual a administração estadual se limite a exercer uma tutela de mera coordenação, ou seja, na medida em que constituam algo mais que meros instrumentos (ainda que dotados de personalidade jurídica pública – ainda que institutos públicos) da administração indirecta do Estado, como tem sido tradicional entre nós (…)

(…) essa autonomia universitária ‘implica já, antes de mais, um domínio de autonomia universitária’ que ‘pode assumir um sentido de autonomia constituinte (estatutária) e uma autonomia corrente (de normação corrente)’, cabendo na primeira a elaboração ‘dos respectivos estatutos dentro dos parâmetros e limites que uma lei-quadro consagre’, e, na segunda, a elaboração ‘dos regulamentos necessários à adequada gestão do núcleo de interesses que constituem o seu campus autonómico, no respeito pelas leis e pelos respectivos estatutos sem necessidade de uma prévia normação específica’

(acórdão do TC n.º 491/2008, citando CASALTA NABAIS, “Considerações sobre a autonomia financeira das universidades portuguesas”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, 1991, pp. 352 e 353)

No entanto, se o artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece estas premissas de princípio, deixa para a Lei ordinária a tarefa de oferecer a respetiva concretização e densificação normativa. O legislador infraconstitucional, ainda que vinculado pela Lei Fundamental na medida apontada, beneficia, como tal, de ampla margem na definição do quadro legal de autonomia das universidades, cabendo-lhe definir a moldura concreta em que se traduz:

“não há dúvida que a norma constante do n.º 2 do art.º 76.º da Constituição assume a autonomia universitária como uma garantia fundamental (…) “mas também é certo que a não densifica, tendo-se limitado a apontar os domínios materiais que a mesma abrange (autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira) e a remeter para a lei ordinária a definição do concreto âmbito em que a mesma se consubstancia.

(…) do preceito constitucional pode inferir-se, pelo menos, a ideia de que o legislador ordinário está obrigado a conferir conteúdo útil e constitucionalmente relevante à garantia de autonomia universitária, nos domínios enunciados, o que passa por ter de prever um regime que salvaguarde a protecção, nessas matérias, dos interesses específicos e próprios das universidades.

Os termos mais ou menos amplos em que essa autonomia se pode expressar, ou o recorte geral do âmbito normativo da autonomia, foram, assim, deixados, pelo legislador constitucional, para o legislador ordinário, a concretizar através de lei formal.

Deste modo, a autonomia universitária é exercida dentro dos parâmetros e limites de uma lei-quadro que expressa a ‘delimitação geral do quadro dos diversos aspectos ou configurações em que essa autonomia se vai exprimir’, diga ela respeito ao seu estatuto próprio de pessoa pública, ou ao modo como, para a prossecução dos seus interesses próprios, ela se auto-organiza.’”

(acórdão do TC n.º 491/2008)

Cabe ainda assinalar que o regime constitucional das universidades em matéria de gestão não se cinge à autodeterminação administrativa ou financeira, antes inclui um conceptual de autogoverno, configurando a instituição como uma entidade dotada de estrutura orgânica de representação própria. Isto “permite conceber as universidades como uma expressão de administração autónoma” e não apenas como uma forma de administração estadual indireta (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 916), acentuando a sua liberdade na gestão das matérias que lhe dizem respeito e de organização dos seus recursos.

Por sua vez, o recorte subjetivo da autonomia das universidades “ultrapassa o mero plano institucional para se projectar, também, em alguma medida, no âmbito dos agentes universitários, nomeadamente, no que importa à liberdade de investigação, de ensino, de pensamento e de pedagogia, com respeito pela Constituição” (acórdão do TC n.º 491/2008). Significa isto que os agentes universitários (maxime, professores, alunos e membros dos órgãos institucionais) se devem entender também abrangidos pelo espaço de autonomia decorrente do artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, beneficiando também desse estatuto constitucional de garantia.

  1. Aqui chegados, cabe fazer ver que o argumento de essência em que os recorrentes assentam a sua razão radica numa pretensa elasticidade da garantia de autonomia das universidades, defendendo que possuirá maior extensãoem função do regime jurídico a que estejam sujeitas: tratando-se de universidades do tipo fundacional, sujeitas a regime de Direito privado (artigo 134.º, n.º 1, do RJIES) e quando não estejam em causa atos de gestão de receitas obtidas ao abrigo de acordos plurianuais de financiamento celebrados com o Estado (artigo 136.º do RJIES), a liberdade de autogoverno garantida pelo artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, defende-se, imporia se afastasse a competência do TdC para efetivar a responsabilidade dos respetivos gestores por infrações financeiras.

Ora, não é assim. A ordem de razões que fundamenta o princípio da autonomia das universidades e a atividade prestacional pública em causa são sempre os mesmos, qualquer que seja o regime de Direito a que as instituições públicas estejam sujeitas, pelo que não é possível concluir pela existência de assimetrias na garantia constitucional em função do critério proposto:

“A expressão serviço público estadual refere-se a uma organização permanente de meios humanos e financeiros criada e mantida pelo Estado e ordenada à prossecução de tarefas públicas relevantes da satisfação de necessidades coletivas individualmente sentidas. À luz do atual Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (…), tal serviço público pode corresponder a um estabelecimento público ou, alternativamente, a uma fundação pública com regime de direito privado.

Num ou noutro caso, ao criar e manter a organização em causa, o Estado prossegue tarefas suas enquanto «Estado de direitos fundamentais», ao qual é constitucionalmente cometido o dever de criar e de assegurar a permanência dos pressupostos materiais que permitem aos indivíduos o exercício de liberdades por si tituladas, bem como o dever de garantir que sejam realizadas as prestações correspondentes a direitos positivos objecto de expresso reconhecimento constitucional.”

(L. PEREIRA COUTINHO, Problemas relativos à natureza jurídica das Universidades e das Faculdades, icjp.pt, pp. 10-11)

De resto, a sujeição das instituições a regimes de Direito Público ou Privado ocorre no plano infraconstitucional, corporizando apenas fórmulas diferentes de organizar as estruturas de meios dos estabelecimentos de ensino público e com base em critérios estritamente utilitários e funcionais. Dito de outro modo, o espaço de liberdade conferido aos gestores das instituições universitárias como decorrência da autonomia agasalhada pela Constituição e a medida por que se pode entender consentida a sindicância da legalidade dos atos de gestão praticados encontra-se prevista com referência às universidades, não possuindo variações constitucionalmente impostas em função dos diferentes regimes jurídicos admitidos no plano infraconstitucional. Sublinhamos que não intervém aqui, em qualquer dimensão, a reserva de autonomia privada ou a liberdade de gestão de empresa conferida pelo artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa: tratamos, sempre e em todos os casos (quer se trate de universidades-fundação ou sob outra forma), de entidades públicas, cuja natureza jurídica não é alterada pela sujeição a regime privado de certas entidades assim classificadas.

Por sua parte, o artigo 214.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa elege o TdC como o órgão jurisdicional supremo de fiscalização da despesa pública, conferindo-lhe poderes para efetivar a responsabilidade financeira sobre infratores nos termos estabelecidos pela Lei ordinária (cfr. artigo 214.º, n.º 1 alínea c), da Constituição da República Portuguesa).

A natureza do TdC e o seu âmbito de atribuições e competências foi sumariado por este Tribunal Constitucional no acórdão n.º 127/2016 (v., também, acórdão do TC n.º 255/2018) nos seguintes termos, que aqui chamamos à colação:

“[o Tribunal de Contas] é, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, da Constituição, o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, correspondendo-lhe a natureza de órgão constitucional judicial (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anots. I e II ao art. 214.º, p. 575). A efetivação da responsabilidade por infrações financeiras prevista na alínea c) do citado artigo 214.º, n.º 1, é uma consequência natural da competência para julgar as contas públicas e distingue-se de responsabilidades de outro tipo, designadamente da responsabilidade penal, a efetivar pelos tribunais judiciais (cfr. o artigo 211.º, n.º 1, da Constituição e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, cit., anot. VIII ao art. 214.º, pp. 578-579).

Nesse sentido, estatui a LOPTC, no seu artigo 58.º, desde antes da Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, que a efetivação de responsabilidade emergente de infrações financeiras – tanto na sua vertente reintegratória, como na vertente sancionatória – tem lugar mediante processos de julgamento de contas (na sequência de verificação externa de contas) e de responsabilidades financeiras (na sequência de ações de controlo realizadas pelo Tribunal fora do processo de verificação externa, ou, posteriormente à citada Lei, em relação a infrações financeiras evidenciadas em relatórios de órgãos de controlo interno dos serviços e organismos da Administração). (…)

“a responsabilidade financeira sancionatória corresponde à condenação ao pagamento de uma multa pela prática culposa ou dolosa de certos factos previstos na lei, não precludindo as reposições que eventualmente forem devidas a título de responsabilidade financeira reintegratória: está em causa sancionar o incumprimento de regras relativas à legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas e à boa gestão financeira (artigo 65.º da LOPTC, nas suas várias versões (…)

Os processos relativos à efetivação de responsabilidades financeiras reintegratória ou sancionatória têm natureza jurisdicional (artigos 89.º a 95.º da LOPTC, nas suas várias versões – v., a propósito, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., anot. V ao art. 214.º, p. 577: “o processo judicial definido na lei (cfr. L n.º 98/97, arts. 89.º e ss.) garante as dimensões básicas do due process of law”), competindo a respetiva preparação e o seu julgamento exclusivamente à 3.ª Secção do Tribunal de Contas: em 1.ª instância, por um só juiz; em recurso, pelo plenário daquela Secção, não podendo o juiz autor da decisão recorrida intervir no respetivo julgamento (artigos 79.º e 97.º, n.º 2, da LOPTC, desde a redação originária). Os responsáveis podem constituir advogado; nos recursos jurisdicionais, tal constituição é obrigatória (artigos 13.º, n.º 6, e 97.º, n.º 6, da LOPTC, desde a redação originária).”

Está bom de ver, a atividade sujeita a fiscalização e que é passível de fundar processos jurisdicionais de responsabilidade por infrações financeiras reporta à forma como é realizada a despesa pública, independentemente de qual seja a fonte de financiamento que tenha permitido angariar as disponibilidades que a suportem. É assim também quanto a universidades, já que, tratando-se de entidades públicas, independentemente do regime de Direito, privado ou público, a que estejam sujeitas, nem as suas receitas, nem as suas despesas podem ser consideradas privadas.

É certo que o financiamento público das universidades do tipo fundacional não resulta diretamente da orçamentação geral do Estado, mas de fonte contratual com caráter plurianual (artigo 136.º, n.º 1, do RJIES), o que permite a estas entidades defenderem-se contra instrumentos executivos e centralizados de controlo da despesa (v. g., cativações ou variações negativas da dotação orçamental de ano para ano). Assim e por consequência da maior estabilidade (e previsibilidade) das receitas periódicas que daí decorre, fica conferida aos gestores, na prática, maior liberdade na gestão dos recursos. No entanto, também para as universidades-fundações, importantes fontes de receitas próprias no seu plano financeiro decorrem de prerrogativas de Direito público que lhes estão conferidas enquanto instituições públicas, seja exemplo as propinas cobradas a alunos (cfr. artigo 115.º, n.º 1, alínea b), do RJIES e artigo 16.º da Lei n.º 37/2003 de 22.08). Estas são fixadas em função de uma moldura legal de Direito Público, não nas condições de contexto da atividade privada, em que o mercado constitui o principal parâmetro para cálculo de preço. No geral e deixando de parte as remessas de fonte estadual, todo o quadro de receitas das universidades-fundações está colocado em paridade com o previsto para as demais instituições públicas universitárias (cfr. artigos 115.º e 136.º, n.º 3, ambos do RJIES e Lei n.º 37/2003 de 22.08).

Em qualquer caso e para o que mais importa, todas estas incidências resultam da modulação do Direito ordinário e não de parâmetros constitucionais: verdadeiramente, se o financiamento público está implícito à autonomia conferida pela Lei Fundamental às universidades, por disso depender a efetividade do princípio e a respetiva ação pública, quando observada no seu conjunto, de modo nenhum a origem das receitas se arvora em critério constitucional que definisse graus de autonomia diferenciados entre instituições. Se “na sua dimensão de autonomia administrativa e financeira [o princípio da autonomia] confere, à instituição universitária, o poder de decidir sobre a afectação dos seus recursos” (acórdão do TC n.º 491/2008), isso significa que tanto ficarão abrangidas por esta garantia as receitas obtidas de financiamento estadual direto, como as decorrentes de outras fontes. Os gestores de entidades públicas entender-se-ão, pois, livres e autónomos, de um lado, e passíveis de responsabilidade, de outro e por contraponto, pela realização de despesa pública em condições idênticas, qualquer que seja a origem da receita que haja sido mobilizada para suportar essa despesa.

Causa, de resto, perplexidade que o objeto do presente recurso tenha sido limitado pelos recorrentes à competência e autoridade do TdC para a efetivação da responsabilidade financeira (artigos 1.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos da LOPTC) de gestores universitários, nada mais.

De facto, não está abrangida pelo objeto do presente recurso a fiscalização da constitucionalidade (a contra-luz do princípio da autonomia) da sujeição das universidades do tipo fundacional ao regime da contratação pública (artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do CCP), como não se questiona a caracterização da violação deste regime jurídico-publicístico nesse domínio como infração financeira (artigo 65.º, n.º 1, alínea l) da LOPTC). Seria, de facto, francamente incongruente que se admitissem os gestores das universidades do tipo fundacional, à semelhança dos demais gestores públicos, como sujeitos à observância de normas de Direito público em matéria de contratação e, bem assim, por tipificadas infrações a este título – sem que o princípio da autonomia universitária se entendesse violado –, e, do mesmo passo e com fundamento no artigo 76.º, n.º 2, da Lei Fundamental, se negassem ao órgão jurisdicional de fiscalização das contas públicas atribuições ou competências para efetivação da respetiva responsabilidade financeira.

Resta concluir, à guisa de remate, que não existe fundamento para entender desrespeitada a garantia de autonomia das universidades, recenseada no preceito constitucional citado, ao conferir ao TdC atribuições e competências em matéria de efetivação da responsabilidade financeira (sancionatória) de gestores de universidades do tipo fundacional por atos de realização de despesa, qualquer que seja a origem das receitas que a suportem no plano financeiro, tal como resulta do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos da LOPTC, ora sob fiscalização.

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III. Decisão

Nestes termos e com estes fundamentos, decide-se:

a)Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos da Lei n.º 98/97 de 26 de agosto (Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal de Contas), quando interpretada no sentido de permitir a efectivação de responsabilidades financeiras de (gestores de) fundações públicas, com regime de direito privado, quanto à afectação e utilização de receitas próprias e à realização de despesas não financiadas por dinheiros públicos;

b)Julgar o recurso improcedente.

Custas pelos recorrentes, cuja taxa de justiça, ponderados os critérios aplicáveis, se fixa em 25 UC (artigo 84.º, n.º 2, da LTC e artigos 6.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro).

Lisboa, 9 de junho de 2022 - António José da Ascensão Ramos - Assunção Raimundo - José Eduardo Figueiredo Dias - Mariana Canotilho - Pedro Machete