Ministro da Ciência e Ensino Superior “Acabar com as propinas agora é altamente populista”

Nunca disse que as propinas iam acabar. Foi um equívoco

A questão do fim das propinas foi relançada no início do ano, durante a Convenção Nacional do Ensino Superior. O ministro garante que nunca falou nisso, que as suas palavras foram mal interpretadas e que apenas se referiu à necessidade de reduzir as despesas das famílias com filhos no ensino superior, uma fatura onde o alojamento e os transportes pesam muito mais. Quanto ao fim das propinas, é cenário que só se pode colocar no dia em que se alargar, a nível europeu, o ensino obrigatório até aos 21 anos. E esse dia ainda está muito longe. Manuel Heitor diz que o processo de Bolonha mudou para muito melhor o ensino superior português. Mas falta modernizar a forma como se ensina.

Entre os objetivos definidos na Declaração de Bolonha quais foram alcançados?

Conseguiu-se alargar a participação no ensino superior, introduzir as formações curtas através dos politécnicos, aumentar a mobilidade de estudantes na Europa e, sobretudo, a participação na formação pós-graduada.

Qual foi a evolução?

Em 2005 tínhamos apenas 12 mil estudantes inscritos em mestrados, hoje temos perto de 59 mil. Sobretudo nas áreas das ciências empresariais, administração e ciências sociais, as instituições assumiram claramente a importância da pós-graduação e da oferta dos 2º ciclos, como complemento da formação inicial e de ligação ao mercado de trabalho. Noutras áreas — como as engenharias, informática, matemática, ciências naturais — houve uma maior resistência das instituições. Criaram-se muitos mestrados integrados (MI) — ciclos longos, de cinco anos —, que dificultam a mobilidade dos estudantes. Por essa razão, decidimos terminar este ano com esses cursos, com exceção dos que são regulados por diretivas comunitárias (Farmácia, Arquitetura e Medicina).

Por que é que as universidades optaram por adotar MI?

Quando houve a restruturação dos ciclos de estudo, em 2007 (licenciatura de três anos, mestrado de dois), havia muitos receios de uma possível perda de estudantes logo ao fim dos três anos. Isso traduziu-se num mecanismo de relativa proteção, com a criação dos ciclos longos. Independentemente de serem necessários para o exercício de uma profissão (como Engenharia Civil), os cincos anos não têm de ser feitos na mesma instituição nem na mesma área. Mas, por inércia, os alunos acabam por fazê-lo nestas formações. Os MI retiram competição. Na minha instituição (Instituto Superior Técnico), os cursos são praticamente iguais ao que eram antes de Bolonha, ao passo que nas áreas de gestão e economias as instituições foram forçadas a mudar. A competição aumentou e é por isso que há muito mais alunos de pós-graduação estrangeiros nas escolas de gestão do que no Técnico.

Quanto tempo têm para reajustarem esses cursos?

Três anos.

Há mais alunos em mestrado agora. Mas os mestres de Bolonha não correspondem aos licenciados de antigamente?

Um mestrado de Bolonha dá muito mais competências e uma formação mais sólida do que as antigas licenciaturas de cinco anos. O processo de Bolonha melhorou muito a formação inicial. O corpo docente e as instituições são mais sólidas e faz-se muito mais investigação. Por isso, não acho justo dizer que é igual. Essa discussão existe sempre que há mudanças. Quando entrei no Técnico, nos anos 70, os cursos de engenharia também passaram de seis para cinco anos. Passados uns anos já ninguém falava dessa diferença.

Bolonha estabelecia a formação ao longo da vida como essencial. Evoluiu-se nessa área?

Foi um dos aspetos menos conseguidos, e é um dos nossos principais défices. Em Portugal a idade média dos estudantes de ensino superior é de 25 anos e cerca de 72% têm até essa idade. Já no centro e norte da Europa, os estudantes até aos 25 anos representam apenas 58% do total. Estudar ao longo da vida é cada vez mais necessário, no contexto da rápida transformação digital da sociedade e da economia.

A responsabilidade é dos trabalhadores ou das empresas?

É um mix. Tem de haver mais investimento das pessoas, e as instituições têm de adaptar a oferta, com aulas à noite e ao fim de semana.

Que outros aspetos de Bolonha estão por cumprir?

Há um longo caminho a percorrer na modernização dos processos de ensino/aprendizagem, tornando-os mais ativos e participativos do lado dos estudantes. A noção de “sala invertida” é cada vez mais uma realidade a dinamizar, assim como uma melhor articulação entre ensino e investigação.

É aceitável uma instituição pública cobrar €7 mil por um mestrado?

Uma grande maioria das formações pós-graduadas que cobram esse valor são pagas direta ou indiretamente pelos empregadores, que têm acordos com as instituições. A nossa preocupação é reduzir a fração que é suportada pelas famílias e que em Portugal ainda é muito alta. Por isso, precisamos de aumentar a ação social e alargar a base dos beneficiários. Em 2015 pagávamos 64 mil bolsas, neste momento temos 80 mil, incluindo os apoios de mobilidade para o interior do país. É um processo que deve continuar. Mas a discussão do financiamento não pode ser isolada da análise dos custos. Sabemos que ter um filho no ensino superior custa entre 5 mil a 6 mil euros por ano e a propina representa, no máximo, 20% dessa despesa. As famílias mais vulneráveis têm a propina paga pela ação social. O problema são os outros quatro a cinco mil euros, pois também sabemos que apenas 5% dos estudantes recebem a bolsa máxima (no valor de €5 mil) e que 52% dos bolseiros recebem o mínimo, que apenas paga a propina.

Então, acabar com as propinas não resolve o problema do acesso?

Quando defendo a necessidade de reduzir as despesas das famílias não é necessariamente mexendo nas propinas. A questão crítica são os outros quatro a cinco mil euros. É preciso reduzir os custos nos transportes e, sobretudo, no alojamento, que é cada vez mais caro.

Reduzir as propinas representa pouco no orçamento familiar, mas imenso no Orçamento do Estado. Vale a pena ir por aí?

Não.

Então porque defendeu o fim gradual das propinas?

Foi algo que não disse. Já transcrevi o meu discurso (na abertura da Convenção Nacional do Ensino Superior) e já pedi ao CRUP para o publicar. O que eu digo é que o Estado tem de trabalhar na próxima década para reduzir os custos das famílias. E um exemplo disso é o programa de alojamento. Nunca falei nas propinas, porque os custos das famílias portuguesas são os outros quatro mil euros. E há a necessidade de alargar a ação social, pois há famílias que precisam e que ficam de fora.

Não disse que eliminar as propinas num cenário a 10 anos era desejável?

Isso tem de ser uma opção da Europa. Quando falo no prazo de uma década, estou a pensar num cenário de alargamento do ensino obrigatório até aos 21 anos. Neste momento, só há quatro países em que a escolaridade obrigatória vai até aos 18: Portugal, Holanda, Bélgica e Alemanha. Em todos os outros termina aos 15 ou 16. A questão europeia é: vai haver um aumento da idade obrigatória? A anulação das propinas em Portugal implica tornar a educação obrigatória até aos 21 anos. Não há nenhum país da Europa que o tenha feito e penso que em menos de uma década é uma discussão que não vai acontecer. Agora, com a evolução das economias do conhecimento, a Europa sabe que tem de formar mais pessoas.

Na próxima legislatura, a redução das propinas será de certeza uma reivindicação.

Eu nunca falei em propinas na minha intervenção. A única vantagem desse equívoco foi ter trazido o ensino superior para o debate. Mas eu não disse que iam acabar. Acho que ninguém disse. E acho que é uma medida altamente populista. Mas era bom aumentar a franja de alunos apoiados.

E fixar um teto máximo nas propinas dos mestrados faria sentido?

Acho que não. Eu iria sempre pela ação social. O que queremos é garantir que quaisquer alunos com competência para frequentar um curso o possam fazer, independentemente de virem de famílias mais vulneráveis e do valor das propinas.

Expresso 26.01.2019