Fernando Pessoa será a segunda universidade privada com curso de Medicina

Mestrado integrado de seis anos funcionará em ligação com hospital que a instituição tem em Gondomar. A outra proposta privada, também no Grande Porto, foi chumbada.

A Universidade Católica foi autorizada a abrir a primeira formação de médicos de uma instituição privada de ensino superior há dois anos e meio

A Universidade Fernando Pessoa foi autorizada a abrir um novo curso de Medicina, que vai funcionar entre o Porto, onde a instituição tem sede, e Gondomar, concelho onde é proprietária de uma unidade de saúde que já designa por Hospital-Escola. A decisão da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) é válida por um ano, renovável por outros três, como é habitual sempre que abre um novo curso.

A decisão de acreditação do curso de Medicina na Universidade Fernando Pessoa foi confirmada ao PÚBLICO por fonte da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Foi tomada no final da semana passada e ainda não foi oficializada. Por esse motivo, a reitoria da instituição privada de ensino superior não quer ainda pronunciar-se. “Só podemos falar quando a acreditação e o plano de estudos aprovados for publicado em Diário da República”, justifica fonte da direcção da instituição liderada por Salvato Trigo.

As instituições privadas podem abrir um novo curso superior assim que este é acreditado pela A3ES, pelo que a Universidade Fernando Pessoa podia iniciar a formação de médicos de imediato. No entanto, à semelhança do que aconteceu quando, há dois anos e meio, a Universidade Católica Portuguesa foi autorizada a abrir a primeira formação de médicos de uma instituição privada de ensino superior, a universidade deve esperar pelo início do próximo ano lectivo para abrir o curso.

O novo curso de Medicina da Fernando Pessoa será um mestrado integrado de seis anos, tal como acontece na generalidade das universidades públicas e também na Universidade Católica. A acreditação agora decidida pela A3ES é válida por um período de um ano. Caso, ao fim de um ano de funcionamento, aquela formação superior demonstre cumprir todas as regras que lhe são impostas por lei e pela agência nacional, a acreditação será renovada. Normalmente, por um período de três anos. É esse o procedimento habitual nos processos de acreditação de um novo curso superior.

Além da universidade, a fundação que gere a Fernando Pessoa é proprietária de um denominado Hospital-Escola, uma instituição de saúde privada no concelho de Gondomar, e que será um dos espaços centrais do novo curso. As aulas deverão também passar pelo Porto, onde a instituição tem sede, na zona de Arca de Água.

A Universidade Fernando Pessoa já oferece vários cursos na área da saúde, como as licenciaturas em enfermagem, medicina dentária, ciências farmacêuticas e análises clínicas e saúde pública, além de mestrados e pós-graduações. A instituição já tinha apresentado propostas para abrir um curso de Medicina, em 2010 e 2012, que tinham sido chumbadas.

Nos últimos anos, a Universidade Fernando Pessoa esteve envolvida em vários processos judiciais relacionados com a sua gestão. Em Abril do ano passado, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto condenou a fundação que detém a instituição no Porto, a pagar 362 mil euros à Autoridade Tributária, após uma inspecção das finanças ter detectado há seis anos vários vícios na contabilidade da instituição. Também visada neste processo foi a sociedade Erasmo - Empreendimentos Educativos, Lda, gerida pelo reitor da universidade, Salvato Trigo, e pela sua família, que mantinha negócios com a fundação igualmente dirigida por si e para onde, de acordo com duas decisões judiciais, desviou mais de dois milhões de euros. Tal valeu a Salvato Trigo uma pena de prisão suspensa de 13 meses, decretada pelo Tribunal da Relação do Porto em Março de 2021, no âmbito do qual a Erasmo foi obrigada a pagar ao Estado 2 milhões de euros.

Duas públicas também na corrida

A Fernando Pessoa era uma de duas universidades privadas que, no final de 2021, tinham apresentado propostas para um curso de Medicina. O outro projecto era da Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (​CESPU), ​sediada em Gandra, cidade do concelho de Paredes, também na área metropolitana do Porto. O projecto desta entidade foi rejeitado pela A3ES, tendo aquela instituição de ensino superior apresentado recurso, que ainda está em análise.

A CESPU é a instituição que mais insistentemente tem tentado abrir um curso de Medicina, tendo apresentado seis propostas à A3ES, entre as quais a que submeteu em 2009, em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Antes disso, já o havia tentado por mais três vezes, no anterior sistema de regulação do ensino superior. No final de 2021, tal como a Fernando Pessoa, fez nova tentativa.

A Universidade Católica foi a primeira universidade privada a abrir um curso de Medicina, em Setembro de 2021. Na altura, na inauguração daquela Faculdade de Medicina, o primeiro-ministro, António Costa, criticou os “bloqueios corporativos” que adiaram a aprovação do novo curso e apontou a necessidade de formar mais médicos. “Todos os dias se sente, ou no sector público, ou no privado, a carência de recursos humanos em medicina. Significa isto que precisamos de mais médicos e que há jovens que desejam formar-se em Medicina”, disse então.

Entretanto, duas universidades públicas apresentaram propostas para a abertura de mestrados integrados em Medicina nos próximos anos: a Universidade de Aveiro, que espera receber os primeiros alunos em Setembro deste ano, e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, que pretende arrancar com a formação de médicos em 2024/25. Para isso será preciso receber luz verde da A3ES. O processo de avaliação das propostas está ainda numa fase inicial.

Ambos os cursos das universidades públicas propõem a disponibilização de 40 vagas, bem abaixo do que acontece nas restantes formações. O curso da Universidade do Minho, com 120 lugares anuais, é o mais pequeno, ao passo que a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa é a que recebe mais novos alunos em cada ano lectivo, 295.

Os sete cursos de Medicina em universidades públicas que já existem em território continental totalizam 1451 vagas. Nas universidades da Madeira e dos Açores há ainda dois Ciclos Básicos de Medicina, que implicam o prosseguimento de estudos numa das universidades do continente.

A Ordem dos Médicos tem-se oposto sistematicamente à abertura de mais cursos, lembrando que os ingressos em medicina "mais do que duplicaram” em 20 anos. Já o primeiro-ministro, António Costa, tem criticado por diversas vezes os “bloqueios corporativos” da Ordem.

Samuel Silva, Público 17 de Janeiro de 2023