Compra de teses é batota, mas não é crime

Na internet não faltam anúncios de empresas que oferecem “apoio” na elaboração de teses de mestrado, artigos científicos, monografias, relatórios, ensaios ou dissertações. Num dos sites mais populares e há mais tempo a operar neste sector, a “ajuda” é descrita de forma vaga, mas ao telefone é traduzida sem rodeios: “Fazemos tudo o que for preciso, incluindo a escrita integral.”

No caso de uma tese de mestrado, por exemplo, o serviço custa 800 euros

Na internet não faltam anúncios de empresas que oferecem “apoio” na elaboração de teses de mestrado, artigos científicos, monografias, relatórios, ensaios ou dissertações. Num dos sites mais populares e há mais tempo a operar neste sector, a “ajuda” é descrita de forma vaga, mas ao telefone é traduzida sem rodeios: “Fazemos tudo o que for preciso, incluindo a escrita integral.” No caso de uma tese de mestrado, por exemplo, o serviço custa 800 euros. Noutro site do mesmo tipo vai-se direto ao assunto: “Aqui pode comprar ou encomendar o seu trabalho académico.”

Ninguém duvida de que entregar uma tese escrita por outrem é, no mínimo, uma fraude académica eticamente censurável. Mas, aos olhos da lei, não é necessariamente crime. Nem da parte de quem vende a tese, nem da parte de quem a compra, explica o advogado Paulo Sá e Cunha. “Sem dúvida que constitui um ilícito disciplinar que pode levar à expulsão da universidade e à anulação do grau, segundo o regulamento interno de cada instituição. Mas pode não constituir nenhum crime, já que há um vazio legal nesta área”, diz.

Na internet, vários sites anunciam a venda de trabalhos académicos. Uma tese de mestrado custa 800 euros

O Código Penal prevê o crime de usurpação, aplicável, por exemplo, no caso de alguém se apro­priar de um trabalho de outro e de o apresentar como seu, e o crime de plágio, que prevê a reprodução de um trabalho alheio com ligeiras alterações, destinadas a dissimular a cópia. Mas é omisso em relação à venda de um trabalho original por parte de um “autor-fantasma”. “Se essas empresas fazem a própria tese, sem recurso a plágio, e a vendem a alguém, isso não constitui nenhum crime, já que não há nenhum enquadramento legal que o preveja”, adianta o advogado.

“Em Portugal, as empresas que vendem esses serviços vivem numa espécie de vazio legal”, corrobora Rui Sousa Silva, professor da Faculdade de Letras do Porto e especialista em linguística forense. Já em Inglaterra, por exemplo, “a existência de um verdadeiro negócio de compra e venda de trabalhos académicos obrigou a uma intervenção das autoridades no sentido de tornar ilegais esses serviços”, conta. Paralelamente, houve também uma mudança nas práticas de avaliação das faculdades britânicas, que passaram a privilegiar mais a avaliação baseada em testes e exames e menos em trabalhos académicos. “Em Portugal também devíamos fazer essa reflexão”, defende o catedrático.

Apesar da multiplicidade de anúncios online sobre este tipo de serviços, “a compra e venda de trabalhos académicos ainda é um mercado diminuto no nosso país”, acredita Paulo Peixoto, professor da Faculdade de Economia de Coimbra e membro da direção do Instituto Internacional para a Pesquisa e Ação sobre a Fraude Académica.

Já o recurso ao plágio é comum. O problema é que as novas gerações já não plagiam na base do copy paste textual, avisa. Em vez desse método, “usam as novas tecnologias, vídeos no YouTube, podcasts, ou seja, fontes não-textuais que não são facilmente descobertas pelos sistemas de deteção de plágio convencionais”. Encontrar a “batota” e puni-la é, assim, um desafio cada vez maior para as instituições de ensino.

JOANA PEREIRA BASTOS COM ISABEL LEIRIA, Expresso, 2023-01-08