ENSINO SUPERIOR Exames passam a valer no mínimo metade da nota de acesso ao superior

Proposta do Governo prevê que as provas deixem de ser obrigatórias para a conclusão do secundário, mas serão mantidas para entrada nas licenciaturas. Uma vaga por curso para alunos pobres em equação.

Os exames nacionais vão deixar de ser obrigatórios para a conclusão do ensino secundário, mas continuarão a ser usados para ordenar os alunos no acesso ao ensino superior. A proposta que o Governo tem estado a negociar com os parceiros do sector prevê mesmo que estes possam valer metade da nota de ingresso. Para entrarem nas licenciaturas, os estudantes vão continuar a ter que fazer pelo menos três provas.

A proposta a que o PÚBLICO teve acesso prevê que, para efeito de acesso ao ensino superior, a classificação final do ensino secundário, que até aqui valia pelo menos 50%, passará a ter um peso mínimo de 35%. Em sentido contrário, os exames passam a valer pelo menos metade da nota de ingresso. A fórmula inclui ainda 15% reservados a cursos onde são pedidos pré-requisitos aos candidatos, como nas áreas artísticas, por exemplo. Actualmente, o cálculo é feito ao contrário. Ou seja, a nota interna vale pelo menos metade da média do aluno e os exames pelo menos 35%

Já as classificações internas dos alunos no final do secundário deixam de reflectir o “efeito dos resultados dos exames”. Ou seja, as provas finais deixam definitivamente de ser obrigatórias para a conclusão do 12.º ano, tal como já tinha acontecido nos últimos anos, devido às regras extraordinárias aprovadas para responder aos impactos da pandemia no ensino.

Esta terça-feira, no Parlamento, o ministro da Educação, João Costa, tinha avançado que o novo modelo de acesso ao ensino superior iria introduzir uma “distinção entre o que é a certificação do ensino secundário e o acesso ao ensino superior”, em linha com o que constava do Programa do Governo.

Até 2019, eram quatro os exames nacionais obrigatórios. Neste momento, os estudantes têm apenas que responder às disciplinas específicas definidas por cada curso – em média, cada aluno fez 1,7 provas no ano passado. No modelo que o Governo apresentou aos parceiros do sector prevê-se, no entanto, que o número de provas necessárias para prosseguir estudos para o ensino superior seja, no mínimo, três.

Isto é, todos os alunos terão que fazer exame a Português e à disciplina trienal da componente de formação específica da respectiva via do ensino secundário. Além disso, será necessário fazer pelo menos uma prova específica – estas continuam a ser definidas pelas instituições de ensino superior.

A configuração final do novo modelo de acesso ao ensino superior “ainda não está fechada”, explica ao PÚBLICO o secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Teixeira, que tem liderado o processo. A tutela recebeu esta semana pareceres dos parceiros em resposta à proposta apresentada durante o mês passado. A solução definitiva será apresentada publicamente na terceira semana deste mês.

Inflação de notas

Também ainda não é definitivo o peso dos exames nacionais na nota de ingresso de cada aluno, mas o Ministério da Ciência e Ensino Superior quer que valham pelo menos tanto quanto a classificação interna atribuída pelas escolas, para reduzir os impactos de fenómenos de inflação de notas, como os que têm vindo a público nos últimos anos.

Na proposta em discussão, os exames passam a valer no mínimo 50% da nota de ingresso de cada aluno no ensino superior. Actualmente, estas provas pesam duas vezes no apuramento da média de acesso ao ensino superior. Contam uma primeira vez para a classificação final das disciplinas em que há prova nacional, com um peso de 30%. Depois, a mesma prova vale uma segunda vez no caso de ser também prova de ingresso exigida pelo curso superior a que o estudante deseja concorrer. Ou seja, actualmente, “o peso dos exames nacionais na nota de acesso varia entre 50% e 65%”, como notava o Conselho Nacional de Educação em 2020.

A solução está a dividir universidades e politécnicos. O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) “concorda na generalidade” com as intenções do MCTES, “nomeadamente no que toca ao impacto das classificações dos exames” nacionais na nota de ingresso, diz ao PÚBLICO fonte daquele organismo, posição que o JN já havia referido.

Já o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) mostra “sérias reservas” com a solução. A medida, avaliam no parecer enviado à tutela, “tem uma finalidade muito direccionada, que é combater o fenómeno de inflação das notas do secundário”. No entanto, como “a generalidade dos estudantes com notas de secundário inflacionadas procura ciclos de estudo muito específicos, entende-se que não se deverá tratar o grosso da oferta formativa nos exactos termos com que se deverá tratar os cursos com elevada procura e mais sujeitos à inflação de notas no secundário”.

A configuração final do novo modelo de acesso ao ensino superior “ainda não está fechada”, explica ao PÚBLICO o secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Teixeira, que tem liderado o processo.

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Exames sem mexidas (para já)

Outra alteração proposta pelo Governo é a introdução de uma média ponderada no ensino secundário, que tenha em conta o número de anos de cada disciplina. A intenção é, também aqui, evitar fenómenos de inflação de notas internas nas disciplinas opcionais, que duram apenas um ano, como as que foram sublinhadas pelo PÚBLICO com base na análise dos dados disponibilizados pela primeira vez pelo Ministério da Educação há dois anos. Por exemplo, em Aplicações Informáticas B, disciplina opcional nos quatro ramos da via científico-humanística no 12.º ano, quase 70% dos alunos que realizaram a disciplina no ano lectivo de 2019/2020 obtiveram 18, 19 ou 20.

As alterações ao modelo de ingresso no ensino superior vão ser implementadas “gradualmente” e “sem efeitos retroactivos”, lê-se na proposta do Governo. Isto é, só a partir de 2024 começam a ser introduzidas as mudanças.

Para já, mantém-se o modelo dos últimos anos, anunciou esta quarta-feira, no final de uma audição na comissão parlamentar de Educação, o ministro da Educação, João Costa. Em resposta a perguntas do PSD, o ministro justificou esta decisão com a necessidade de não se causarem “disrupções”, enquanto não houver uma decisão final sobre a revisão do modelo de acesso ao ensino superior.

Esta solução vem no seguimento de uma recomendação, do final do mês passado, da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, que pedia ao Governo que considerasse “a possibilidade de prolongar a vigência das disposições relativas ao acesso e ingresso no ensino superior adoptadas nos dois anos lectivos anteriores”.

Uma das novidades prevista na proposta de modelo de acesso ao ensino superior que está em discussão é a introdução de um contingente especial para alunos muito pobres, à semelhança do que já existe para militares ou estudantes oriundos das regiões autónomas. Em concreto, o Governo prevê que os beneficiários do 1.º escalão do abono de família tenham reservado 1% dos lugares de cada curso em cada uma das fases do concurso nacional de acesso ou, pelo menos, uma vaga, nos cursos de menor dimensão.

Esta solução seria uma alternativa à criação de quotas para alunos das escolas do programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) no acesso ao ensino superior e a cursos técnicos superiores profissionais, uma medida prevista no plano contra o racismo.

A medida, justificava o Ministério da Ciência e Ensino Superior, em Agosto, não avançou no último ano lectivo, ao contrário do que estava previsto, por causa da “queda do Governo”, deixando uma resposta à questão para a revisão do modelo de acesso às universidades e politécnicos que já estava prevista.

Notícia actualizada às 11h13: clarifica a fórmula de cálculo da média de acesso ao ensino superior no segundo parágrafo.

Samuel Silva, Público - 5 de Janeiro de 2023