Contratos a prazo terão limite de quatro renovações. O que vai mudar no Código do Trabalho em Portugal?

Os deputados aprovaram esta terça-feira a redução do limite máximo das renovações de contratos de trabalho temporários dos atuais seis para quatro. Análise e votação das propostas de alteração à lei laboral prossegue na próxima quinta-feira

Alargamento da licença parental exclusiva do pai
Teletrabalho: contratos obrigados a fixar um valor para despesas adicionais
Período experimental é reduzido

A proposta do Governo que impõe a redução de seis para quatro, no número limite de renovações dos contratos de trabalho temporários a termo certo foi aprovada esta terça-feira, no grupo de trabalho da Comissão do Trabalho, Segurança Social e Inclusão, onde estão a ser analisadas e votadas as alterações à lei laboral no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. A norma junta-se a várias outras anteriormente aprovadas, mas não fecha o dossiê das alterações ao Código do Trabalho que depois de sucessivos avanços e recuos só deverá estar concluído no final de janeiro, entrando em vigor, previsivelmente, até março. Sintetizamos-lhe as alterações legislativas que já são certas.

A Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão está desde 29 de novembro do ano passado a analisar e votar a proposta do Executivo para a alteração do Código do Trabalho. Esta terça-feira, os deputados aprovaram um conjunto de normas no âmbito do trabalho temporário, que reforçam outras regras aprovadas anteriormente para restringir o recurso das empresas a formas de trabalho precárias (ver abaixo).A nova norma aprovada clarifica que "o contrato de trabalho temporário a termo certo não está sujeito ao limite de duração do n.º 2 do artigo 148.º e, enquanto se mantiver o motivo justificativo, pode ser renovado até quatro vezes". Mas além da redução do limite máximo de contratos temporários que as empresas poderão estabelecer, foram aprovadas outras propostas, incluindo uma dos comunistas.

"A duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a quatro anos", prevê uma das propostas socialistas aprovadas esta tarde. O PS aprovou ainda a norma que determina que ao fim de quatro anos de cedências temporárias pelas empresas de trabalho temporário, ou outra do mesmo grupo, estas empresas são obrigadas a integrar os trabalhadores nos quadros. Esta aprovação foi feita, de forma indiciária. Ou seja, terá ainda de ser confirmada em comissão.

Os deputados do grupo de trabalho aprovaram também, por unanimidade, a proposta do PCP que reforça os direitos dos trabalhadores temporários. "O trabalhador tem direito a férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a outras prestações regulares e periódicas, em dinheiro ou em espécie, a que os trabalhadores do utilizador tenham direito por trabalho igual ou de valor igual", estabelece a iniciativa comunista aprovada.

Além disso, os deputados aprovaram também uma proposta do Bloco de Esquerda (BE) que acaba com a possibilidade de os trabalhadores abdicarem de créditos que lhes são devidos (subsídios de férias ou de natal ou horas de formação não realizadas) quando são despedidos ou o contrato cessa. A proposta foi aprovada com os votos favoráveis do BE, do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

A norma, defende o BE, visa contrariar uma prática de "abuso patronal" que se tornou habitual, em que as empresas incluem na cessação do contrato uma cláusula em que o trabalhador, "num momento de vulnerabilidade", declara que estão liquidados todos os créditos devidos, deixando depois de poder reclamar outros valores que forem apurados.

O QUE JÁ FOI APROVADO

Alargamento da licença parental exclusiva do pai

Os deputados do PS aprovaram na especialidade uma alteração ao Código do Trabalho que alarga dos atuais 20 dias para 28 dias, o período de licença parental exclusiva do pai, ou seja, o número de dias de licença, seguidos ou interpolados, a que este tem direito após o nascimento de um filho. A nova redação da norma determina que “é obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou interpolados, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este”. Segundo os partidos da oposição, esta opção do Executivo terá como resultado prático, sempre que existam feriados durante a licença, uma diminuição do número total de dias.

A proposta do Governo, aprovada apenas com os votos favoráveis do PS, prevê ainda que, após o gozo da licença de 28 dias, o pai tem direito a sete dias de licença, seguidos ou interpolados (em vez dos atuais cinco dias úteis), desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe. E que, em caso de internamento hospitalar da criança durante o período pós-parto, a licença obrigatória “suspende-se, a pedido do pai, pelo tempo de duração do internamento”. Além destas medidas, a lei passa também a garantir a dispensa do trabalho nos casos de processos de adoção e acolhimento familiar, reconhecendo aos adotantes as licenças para assistência a filho.

Teletrabalho: contratos obrigados a fixar um valor para despesas adicionais

Os socialistas viabilizaram a proposta do BE para integrar, nos acordos de teletrabalho, o montante a atribuir ao trabalhador a título de despesas adicionais. Esta informação deve estar prevista nos contratos de trabalho e também nos instrumentos de negociação coletiva. Recorde-se que a regra atualmente em vigor é de aplicação complexa já que obriga o trabalhador a, mensalmente, fazer prova do aumento de encargos decorrentes do teletrabalho, tendo como referência o período homólogo. Tal como está, a lei não clarifica, por exemplo, como devem as empresas proceder nos casos em que exista mais do que uma pessoa em teletrabalho na habitação, nem permite objetivamente aferir se aumento de encargos com eletricidade decorre do teletrabalho ou da aquisição de equipamentos inexistente até ao momento.

A proposta do BE - aprovada pelo PS, com votos favoráveis do PSD e PCP - determina que "o contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais". Caso as partes não cheguem a acordo sobre o valor a atribuir, serão consideradas despesas adicionais, sujeitas a prova junto do empregador, "as correspondentes à aquisição de bens ou serviços" considerados determinantes para o exercício da função. Mais, a comparação com o “período homólogo” que serve atualmente de referência ao cálculo da compensação a atribuir ao trabalhador passa a ser feita tendo como referência o último mês de trabalho presencial.

Período experimental é reduzido

Outra das alterações ao Código do Trabalho já aprovadas em sede de especialidade diz respeito à duração do período experimental. A proposta do Governo prevê que tanto para os jovens à procura de primeiro emprego, como para os desempregados de longa duração, o atual período experimental de 180 dias é reduzido ou até eliminado. Basta para isso que o anterior contrato de trabalho a termo (estabelecido com outro empregador) tenha tido uma duração igual ou superior a 90 dias. Paralelamente, a comunicação à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), por parte do empregador, das denúncias de contrato ocorridas durante o período experimental nestes casos (primeiro emprego e desempregados de longa duração) passa a ser obrigatória no prazo de 15 dias.

Além destas alterações, a proposta do Governo introduz a obrigatoriedade do empregador informar o trabalhador sobre as condições e a duração do período experimental, presumindo-se que ele não exista se esta obrigatoriedade não for cumprida e o trabalhador não for informado no prazo de sete dias após a celebração do contrato. Além disso, para períodos experimentais de 120 dias ou mais, o empregador é obrigado a comunicar ao trabalhador a denúncia de contrato com um aviso prévio de 30 dias.

Presunção de contrato vincula trabalhadores às plataformas digitais

Foi provavelmente o maior braço de ferro entre Governo e partidos da oposição nas negociações. O processo teve sucessivos avanços e recuos, a votação foi adiada por três vezes, mas o polémico artigo 12º- A, relativo à presunção de laboralidade no quadro das plataformas digitais, acabou por ver a luz do dia com os votos favoráveis do PS e do BE, após cedências dos primeiros.

Este artigo agrega os chamados “indícios de laboralidade”, através dos quais os tribunais determinam a existência, ou não, de uma relação laboral entre os motoristas e estafetas e plataformas como a Uber, Bolt ou Glovo. Atualmente, estes profissionais trabalham sem qualquer vínculo com as plataformas e, no caso dos motoristas, a lei TVDE aprovada em Portugal (um modelo único na Europa) até impõe obrigatoriedade de existência de uma terceira parte - o Operador de TVDE - a mediar a relação entre o motorista e a plataforma.

Depois de numa versão inicial, aprovada ainda durante a legislatura anterior, a proposta do Executivo determinar que, sempre que cumpridos os indícios de laboralidade previstos, o vínculo laboral do estafeta/motorista deveria ser feito diretamente com a plataforma, o Governo recuou. Na nova versão da proposta de alteração legislativa foi introduzida a possibilidade deste vínculo ser estabelecido também com “o intermediário”, contrariando a diretiva europeia, entretanto aprovada. Os partidos contestaram e o Governo acabaria por ceder, clarificando a redação da norma.

A versão aprovada estabelece que a presunção se faz preferencialmente com a plataforma digital, podendo esta contestar judicialmente a existência de uma relação de laboralidade e requerer que o vínculo seja feito com o intermediário. Foi criado o que se chama de “inversão do ónus da prova”. Não é o trabalhador que tem de provar que tem uma relação de laboralidade com a plataforma, é esta que tem a responsabilidade de provar que tal não se verifica. Para que o vínculo seja reconhecido basta que sejam cumpridos dois indícios de um conjunto de seis, que enquadram, por exemplo, a fixação de retribuição, supervisão em tempo real ou exercício do poder de disciplina.

Novos limites para a contratação a termo ou temporária

Aprovadas foram também novas regras que criam barreiras à contratação precária. As empresas que cessem um contrato a termo com o trabalhador (por motivo que não lhe possa ser imputado) não poderão voltar a contratar a termo, em regime temporário ou recibos verdes para o mesmo posto, nem para a mesma atividade profissional, sem que tenha decorrido pelo menos um terço da duração do contrato. A regra é válida para aquele empregador específico, mas também para outras empresas do mesmo grupo.

A proposta aprovada determina também limites para o recurso ao trabalho temporário. Sempre que seja alcançada a duração máxima do contrato temporário, o empregador não poderá recorrer a um novo prestador de serviços sem que tenha decorrido um terço da duração do contrato. Além disso, o recurso a empresas de trabalho temporário não licenciadas obriga os empregadores a integrarem no quadro o trabalhador cedido a título temporário.

Recurso abusivo a recibos verdes será penalizado

Os deputados aprovaram a norma que penaliza o recurso reiterado dos empregadores a recibos verdes. Provando-se a reincidência na contratação de falsos recibos verdes, ao empregador pode ser vedado o direito a apoios, subsídios, ou outro tipo de benefícios de natureza fiscal ou contributiva. Além disso, ficam impedidos, durante um período dois anos, de participar em concursos públicos.

Falsos independentes abrangidos por negociação coletiva

Foi também aprovada em sede de especialidade a proposta do Governo e do PS que viabiliza a aplicação dos instrumentos de regulamentação coletiva que estejam em vigor no sector de atividade, profissão ou região, a trabalhadores independentes, sempre que mais de 50% da sua atividade seja prestada ao mesmo empregador. Para isso, os trabalhadores têm de declarar junto da empresa a sua situação de dependência económica.

Cuidadores informais poderão requerer trabalho parcial

Os cuidadores informais passarão a ter direito a requerer o regime de trabalho a tempo parcial durante um período de quatro anos, horário flexível e a possibilidade de recusar trabalho suplementar. Os deputados aprovaram a proposta do Executivo, mas o PS chumbou as propostas da oposição (BE e PCP) que reduziam para sete horas diárias o horário de trabalho em Portugal.

A proposta do Governo que altera a legislação laboral, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, entrou no Parlamento em junho de 2022, sem o acordo da Concertação Social. Foi aprovada na generalidade em 8 de julho com os votos favoráveis do PS, abstenção do PSD, Chega, BE, PAN e Livre e contra da IL e PCP. Está desde 29 de novembro em discussão em sede de especialidade.

As muitas propostas de alteração apresentadas pelos partidos e o braço de ferro em torno da regulamentação das relações de trabalho nas plataformas digitais, fizeram derrapar a entrada em vigor da nova lei que chegou a estar prevista para 1 de janeiro. Os partidos querem encerrar as votações ainda em janeiro para que as novas regras entrem em vigor até março deste ano, prazo inscrito nas metas do PRR.

3 JANEIRO 2023  - Cátia Mateus Jornalista Expresso