Doutoramentos nos politécnicos seriam “sul-americanização” do superior, acusam reitores

Dirigentes das universidades contra mudanças que estão a ser discutidas na Assembleia da República. Alterar designação dos institutos superiores é “operação de cosmética”.

Sobe de tom a crítica do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) à iniciativa legislativa que prevê que os institutos politécnicos passem a ter cursos de doutoramento, até agora reservados às universidades. Essa solução abre a porta a uma “sul-americanização” do sistema de ensino superior “em que todos podem fazer tudo sem critérios de qualidade”, entende o presidente daquele organismo, António Sousa Pereira, que é ouvido esta terça-feira no Parlamento, onde a proposta de alteração à lei está em discussão na especialidade.

Formalmente, o CRUP “não tem posição” sobre a possibilidade de outorga de doutoramento nos institutos politécnicos, diz ao PÚBLICO o seu presidente. Mas todo o discurso é crítico dessa possibilidade. Os reitores recordam que, num estudo sobre o sistema de ensino superior nacional feito em 2018, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) considerou que há “doutoramentos a mais” em Portugal, faltando “massa crítica” às formações existentes. Se os doutoramentos se estenderem para os politécnicos, “abre-se a porta a que haja mais”, avisa Sousa Pereira, o que entrará “em contraciclo com as recomendações internacionais”.

Além da possibilidade de outorga de doutoramentos pelos politécnicos, a iniciativa que está em discussão no Parlamento propõe também a mudança de designação dos institutos superiores. Passariam a chamar-se universidades técnicas. O CRUP considera essa solução uma “operação cosmética” que “não tem nenhuma preocupação com os problemas” que o ensino superior enfrenta hoje.

Não é a primeira vez que o CRUP critica a hipótese de os institutos politécnicos terem cursos de doutoramento: já o tinham feito quando o Governo colocou pela primeira vez essa possibilidade na lei, em 2018, e novamente em Junho, quando o assunto chegou ao Parlamento.

A possibilidade de os institutos politécnicos poderem conferir o grau de doutor foi incluída na Lei de Graus e Diplomas, quando esta foi revista. Se, por um lado, os politécnicos passavam a poder outorgar esses diplomas, uma possibilidade até aqui reservada apenas às universidades, por outro, as regras para a aprovação de um ciclo de estudos deste grau ficaram mais apertadas.

Desde essa altura que se sabia, porém, que a concretização da medida implicava também mudanças na Lei de Bases do Sistema Educativo e do Regime Jurídico do Ensino Superior. Os Conselhos Gerais dos politécnicos, por iniciativa do antigo secretário de Estado do Ensino Superior (2001 a 2022) Pedro Lourtie, apresentaram entretanto uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC), que prevê alterações cirúrgicas nos dois diplomas, no sentido de viabilizar os doutoramentos nos institutos superiores.

A ILC foi aprovada na generalidade em Junho, baixando à comissão de educação e ciência da Assembleia da República onde, esta terça-feira, é ouvido o presidente do CRUP, bem como o secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Teixeira. Ainda esta semana é a vez de os representantes dos estudantes dos institutos politécnicos e do sector privado do ensino superior falarem com os deputados. Já o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos só irá ao Parlamento no próximo mês, depois de ultrapassada a discussão do Orçamento do Estado para 2023.

Samuel Silva - 11 de Outubro de 2022, Público