Universidade do Porto. Alunos de 20 valores já não escolhem Medicina

Entraram sete alunos na Universidade do Porto (UP) com média de 20 no Secundário e 20 nos exames de acesso. Curiosamente, não optaram por cursos com as notas mais altas, como Medicina e Engenharia e Gestão Industrial. Decidiram-se por Artes Plásticas, Direito, Arquitetura, Física, Matemática, Informática e Gestão.

O paradigma das escolhas que os alunos fazem sobre os cursos superiores que querem frequentar tem mudado nos últimos anos. E os sete estudantes que este ano ingressaram na Universidade do Porto com média de 20 valores de Secundário e 20 nos exames nacionais de acesso são a prova dessa mudança. Nenhum deles escolheu o curso de Medicina, tendencialmente o mais procurado pelos alunos de excelência nos últimos anos. "As escolhas acompanham sempre os tempos de mudança que vão acontecendo na sociedade, no mundo global. E a sociedade mudou. As prioridades, as vontades, as necessidades mudaram. Na escolha de um curso superior entram vários fatores que devem ser considerados", explica Margarida Braga, coordenadora pedagógica de 12º ano (Externato Ribadouro, Porto), que auxilia os estudantes na análise de percurso académico e ingresso no Ensino Superior.

Para esta responsável, "se há uns anos atrás, havia um aspeto preponderante na escolha e que era o mercado de trabalho, hoje este aspeto tem que ser equacionado juntamente com o perfil de cada aluno, as suas competências efetivas, as áreas nas quais se sente mais confortável, nas quais se sente mais feliz e nas quais pode desenvolver as suas capacidades". Esses "novos tempos" assentam nessa procura da felicidade. "Há uma relação entre o que se gosta e as hipóteses de sucesso. O sucesso traz a felicidade. E a mudança reside nestas várias vertentes", sublinha Margarida Braga.

Dúvidas nas escolhas

As alterações na visão de futuro dos jovens também passam pela existência de dúvidas maiores. "Os jovens de hoje têm muito mais dúvidas relativamente às escolhas e estas dúvidas geram, por vezes, ansiedades", diz Margarida Braga. Este foi um dos motivos que levou alguns dos alunos que entraram na UP com 20 valores a procurar a nota máxima em todas as disciplinas. "Nunca tive o objetivo de tirar 20 a tudo e o problema é que não sabia bem o que queria e, por isso, tinha de ter boas notas a todas as disciplinas", explica ao DN Pedro Gonçalo Oliveira, 18 anos, estudante de Engenharia Informática e de Computação (antigo aluno do Externato Ribadouro). O jovem, que teve nota 20 nos exames nacionais de Matemática e Física/Química, só decidiu que curso iria frequentar no decorrer do 12.º ano. "Estava indeciso entre vários cursos. Informei-me no colégio e falei com pessoas e empresários. Percebi que era mesmo apaixonado pelas tecnologias e que era esse o curso certo para mim", conta.

Também Adriana Strantzalis, 18 anos, caloira de Arquitetura e ex-aluna do Colégio das Terras de Santa Maria, passou "os três anos de Secundário com dúvidas". "Estava em Ciências e Tecnologia. Medicina não podia ser um caminho e sentia alguma pressão para escolher engenharias. Sei que uma aluna com estas notas escolher Arquitetura é surpreendente, mas no dia em que fiz o concurso já não tinha dúvidas, embora não conseguisse parar de tremer", recorda. A jovem acredita que só "arriscando" irá perceber se "este é ou não o curso certo".

"Sinto na pele o impacto do que é ser artista e tenho noção dos obstáculos que vêm aí", diz Catarina Machado. Filha de artistas, compreende que pode não ser fácil singrar na arte, mas sabe que é esse o seu "caminho para a felicidade".

Foi na passagem do 9.º para o 10.º ano que Beatriz Silva, 18 anos, antiga aluna da Escola Secundária Dom Afonso Sanches, mais se questionou. "Todos achavam que ia escolher Ciências e Tecnologia, desde a família aos amigos, mas os meus pais, apesar de preocupados, sempre me apoiaram", refere. A escolha de Direito foi "surgindo aos poucos", até porque se considera "um pouco tímida". "Andei em Ciências Socioeconómicas no Secundário e tive Matemática, mas o curso está muito relacionado com as Ciências Sociais e com a Economia. O que me levou ao Direito foi perceber que as Ciências Sociais eram o que me fazia sentir viva", justifica.

Já João Marinho, 18 anos, caloiro de Gestão e antigo aluno do Liceu Francês (Porto), não conseguiu mesmo escolher entre o curso para o qual entrou na UP e uma licenciatura em Música, na Alemanha. Por isso, decidiu frequentar os dois. "Ao longo dos meus estudos, sempre estive dividido entre duas grandes áreas de interesse, a política/economia e a música. Desde muito novo que toco violino e, aos 13 anos, tive a oportunidade de ir estudar para a Escola Superior de Música Reina Sofia, em Madrid. Desde então que tenho conciliado os meus estudos no Liceu Francês do Porto com esta minha paixão pela música", adianta. Gestão surgiu do seu "interesse pela organização e funcionamento do mundo empresarial". Nesta fase do seu percurso académico, o estudante matriculou-se em tempo parcial na UP e também na licenciatura da Universidade de Música e Teatro de Munique. João Marinho não sabe se irá conseguir conciliar as duas áreas, mas encara a sua "dupla paixão" como um "desafio".

Quem não teve dúvidas sobre o futuro foi Catarina Machado, que já escolhera a escola artística Soares dos Reis porque sempre teve "o caminho bastante claro" sobre o seu gosto pela arte. Filha de pais artistas, compreende que poderá não ser fácil singrar em Artes Plásticas, mas sabe que esse é o seu "caminho para a felicidade". "Sinto na pele o impacto do que é ser artista e tenho noção dos obstáculos que vêm aí. Os artistas em Portugal têm uma situação muito precária, mas a verdade é que se há artistas até aos dias de hoje é porque fazem falta e porque existe paixão. A arte não é secundária...", justifica.

Espaço para o lazer

O que também têm em comum estes alunos de excelência é o facto de terem tido uma adolescência "normal" e "feliz", as experiências típicas de jovens estudantes e um espaço reservado na agenda para as atividades físicas. Adriana Strantzalis pratica ballet duas vezes por semana e nunca deixou de sair com os amigos ou de marcar presença em festas de aniversário. "Há tempo para tudo se formos organizados. Não conseguiria ter estas notas sem equilíbrio emocional", sublinha. Catarina Machado reside em Vila do Conde e frequentava o Secundário no Porto, tinha de sair de casa às 6h da manhã para apanhar o comboio e teve mais dificuldade em gerir atividades em horário pós-laboral. Contudo, "a escola artística é diferente" e não deixou de estar "em todos os convívios com os amigos" e de ver as suas "séries favoritas".

"As escolhas acompanham sempre os tempos de mudança que vão acontecendo na sociedade, no mundo global. E a sociedade mudou", diz Margarida Braga, coordenadora pedagógica do Externato Ribadouro.

Beatriz Silva, escuteira desde os 7 anos, não pensa deixar de o ser, pois trata-se de "um estilo de vida". Neste ano de exames nacionais foi guia e participou ainda mais ativamente nas atividades. Também Pedro Gonçalo Oliveira, que toca piano desde os quatro anos, não deixará de "ir ao ginásio" e de sair com os amigos nesta nova fase da sua vida.

Os "pequenos génios" também não descartam a possibilidade de tirar "outros cursos" e já pensam em participar no programa Erasmus.

Margarida Braga acredita que, "acima de tudo", os jovens devem "acreditar em si próprios e aceitar que não somos todos iguais. Cada um de nós tem competências em algumas áreas, não forçosamente nas áreas que, por vezes, a sociedade impõe como modelo". "Dedicar-se às responsabilidades que lhe são atribuídas e informar-se, junto da família, da escola, dos amigos, das possíveis profissões e dos caminhos necessários para lá chegar" é o conselho que deixa para os estudantes que estão a frequentar o 12.º ano, bem como participar nos Open Days que as diversas universidades promovem ao longo do ano", pois "quanto mais informados, melhor será a decisão".

Cynthia Valente | Diário de Notícias 24 de setembro de 2022