Porquê pagar até 725 euros para entregar a tese de doutoramento? Ministério não diz

Chama-se “taxa de admissão a provas de doutoramento” e o valor pode ir até aos 725 euros — pago pelos alunos, além das propinas. Universidades dizem que é usado para “suportar custos administrativos”, mas há instituições que não o cobram, e outras que cobram apenas 50 euros. O que explica esta arbitrariedade? MCTES não esclarece.

Daniel Rodrigues tinha a tese de doutoramento pronta a apresentar no início de 2021, e foi nessa altura que decidiu parar de “adiar o problema” chamado “taxa de admissão a provas de doutoramento”. Questionava-se porque teria de pagar 500 euros para entregar e apresentar a tese, até porque, na altura, e por causa da pandemia, a apresentação iria ser feita online: “Não havia custos para deslocação dos membros do júri, não havia impressão, não havia qualquer custo associado à minha apresentação”, refere. Decidiu, então, questionar a reitoria e pedir a isenção deste pagamento.

Mas o ex-aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto não foi o único a pôr em causa este pagamento obrigatório em quase todas as universidades portuguesas — ainda que não em todas, nem com igual valor. Antes, a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) tinha pressionado a Universidade do Porto a baixar o valor, fixado nos 550 euros. A reitoria baixou a taxa para os 500 euros. “Quase uma caricatura”, atira Bárbara Carvalho, presidente da ABIC.

O pagamento de uma taxa — além das já elevadas propinas — para entrega da tese e finalização do doutoramento é uma questão que a ABIC diz levar “constantemente às reitorias”. “Raramente temos resposta. E é preciso dizer que esta taxa não é propriamente uma inevitabilidade, porque há faculdades e universidades que não a cobram”, refere Bárbara.

Era precisamente a isenção que Daniel Rodrigues pretendia quando enviou um requerimento à reitoria e argumentou que as provas online não representavam qualquer custo associado à reserva de sala, meios físicos ou deslocação de membros do júri; que os custos administrativos, como a impressão das teses, eram residuais, uma vez que tudo era feito de forma digital; e que “é do conhecimento generalizado da comunidade académica que os membros do júri das provas de doutoramento não são remunerados nem recebem ajudas de custo pelo trabalho de avaliação”. O que justificava, então, o pagamento de 500 euros?

A reitoria respondeu-lhe que, embora a prova online não implicasse a deslocação dos membros do júri (“custos que, aliás, nunca foram considerados”), “comporta necessariamente os demais custos inerentes ao processo administrativo e de avaliação científica que lhe está subjacente, quer para preparação das arguições, quer para as respectivas provas”.

E foi também essa a justificação que a Universidade do Porto deu ao P3, quando questionada sobre a existência do emolumento: “[O valor] Tem por base os custos estimados com o tempo de serviço necessário aos três membros do júri para estudo, análise, verificação e argumentação da tese de doutoramento.” Mas a UP não explicou porque não era a universidade a acarretar estes custos, uma vez que os doutorandos já pagam as respectivas propinas, nem o que explica a discrepância entre este valor e o de outras universidades.

“Isto não é uma prática regulamentada ou transversal a todas as universidades”, afirma Bárbara. A Universidade dos Açores e a de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) não cobram este valor. Na Universidade de Coimbra, o valor fixa-se nos 50 euros; na de Aveiro, nos 100 euros; na Universidade do Minho, nos 300 euros; na do Algarve, 525; na Universidade da Beira Interior (UBI) custa 725 euros. A Universidade da Madeira, Universidade de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa não responderam às questões do P3.

Todas as universidades justificam que o valor cobrado é usado para “suportar questões administrativas”, “fazer face aos custos associados ao processo de realização das provas públicas” ou “assegurar o pagamento de actos administrativos”. Com excepção da Universidade do Minho, que admite que “a verba é utilizada como receita própria da instituição”. As universidades não esclarecem, no entanto, se estão dispostas a abdicar deste valor, nem a razão pela qual são os alunos a arcar com esta despesa.

A UBI justifica que “não pode acarretar esses custos, porque tem propinas de 3.º ciclo/doutoramento mais baixas do que outras instituições”, nomeadamente a de Coimbra e a dos Açores. Segundo o site da instituição, a propina da UBI fixa-se entre os 1625 e os 2000 euros, dependendo do curso; na Universidade dos Açores, varia entre os 1665 e os 3020 euros; em Coimbra, entre os 1375 e os 3000 (com uma excepção a rondar os seis mil euros).

Para a presidente da ABIC, as questões administrativas são “uma falsa premissa”. “Durante a pandemia, qual é a justificação, se as defesas foram por videochamada?”, atira.

“No Verão passado, a ABIC questionou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), dando a entender que esta é uma taxa para a qual não há justificação. Não há custos associados [à entrega da tese] que não devam estar suportados pelas propinas — tendo em conta o seu valor altíssimo”, lamenta a presidente da associação de bolseiros. Nessa altura, o ex-ministro Manuel Heitor “fez umas contas muito rápidas e chegou à conclusão que o próprio ministério poderia suportar, via Orçamento de Estado, esse custo”. Mas na proposta do OE para 2022, não constava esta alteração. “A justificação que nos foi dada foi que a medida não passou no Ministério das Finanças.”

Algumas semanas após a tomada de posse do novo governo, a ABIC reuniu com a actual ministra, Elvira Fortunato, e voltou a abordar a questão. “Se é o ministério que assegura esta despesa ou se são as instituições, não nos compete a nós avaliar. Mas uma taxa daquelas [suportada pelos alunos] é injustificável”, sublinha.

O P3 tentou auscultar, junto do MCTES, qual o fundamento desta taxa, o que pensa o ministério sobre a mesma e sobre a arbitrariedade dos valores, se há abertura para aboli-la e ainda se já haveria uma resposta concreta para dar à ABIC, no seguimento da reunião. Mas o MCTES limitou-se a responder que “não há desenvolvimentos sobre este assunto” e que, tal como o OE 2021, também no OE 2022 não foi contemplada esta questão.

Para Daniel, uma mudança positiva seria “todas as faculdades adoptarem o mesmo preço”, acabando assim com uma arbitrariedade que fica por justificar. “Mas diria que todos os estudantes deviam ser isentos desta taxa, porque já pagamos propinas, que deveriam servir para esse tipo de custos — sejam eles quais forem”, afirma.

“Na verdade, a justificação última é a falta de financiamento do ensino superior”, atira Bárbara. “Mas também não podemos desculpabilizar ou desresponsabilizar as instituições, porque elas não têm de se voltar para os seus estudantes e investigadores para colmatar o que é da ordem do ministério e do Governo. As instituições devem pressionar a tutela e garantir financiamento para essas despesas. Não devem pedir aos que já estão numa situação vulnerável que assegurem despesas que, muitas vezes, nem sequer existem.”

Mariana Durães 4 de Julho de 2022, Público