OE2022 não ataca principais problemas no ensino superior e ciência

Reitores, investigadores e SNESUP têm perspetivas diferentes, mas convergem no essencial: o orçamento para a Ciência, e Ensino Superior é tímido e não traz solução para os principais problemas.
A proposta do Orçamento do Estado para este ano (0E2022), aprovada na generalidade a 29 de abril, pelo Parlamento, não desilude, mas também não apaixona. É o que se esperava. Uma cópia do documento que provocou a queda do Governo da geringonça e que a nova ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, praticamente herdou.

"A proposta de Orçamento de Estado para 2022 coincide com a comunicada pela tutela em agosto de 2021 e cumpre o previsto no contrato de legislatura, pelo que, nessa perspetiva, corresponde às expectativas", afirma Amílcar Falcão, reitor da Universidade Coimbra, ao JE Universidades. "Contudo — adianta — não altera de forma significativa o subfinanciamento do sistema de ensino superior que persiste há muitos anos, agravado pela quebra de receita própria e aumento de despesa que ocorreu no período de pandemia, e, mais recentemente, também pela inflação galopante que afeta a economia".
António de Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto, também afasta o efeito surpresa. "Sabia-se que a atual proposta não iria diferir muito da anteriormente chumbada e que, por força da conjuntura (inflação, preços da energia e matérias-primas, disrupção nas cadeias de abastecimento, instabilidade geopolítica, limitações ao comércio internacional, ressaca da pandemia, etc.), o novo orçamento seria cauteloso, pouco expansionista e rigoroso nas contas públicas". A proposta está em linha com o padrão dos últimos orçamentos, sintetiza. O reitor lembra que o OE 2022 prevê cerca de três mil milhões de euros (700 milhões provêm do PRR) para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o que representa um crescimento de 18,7% face ao executado em 2021.
António de Sousa Pereira saúda "a intenção de aumentar gradualmente o número de bolsas até ao final da legislatura, de reforçar os apoios ao alojamento para estudantes deslocados e de expandir a oferta de camas a custos acessíveis".
Estes são, de resto, os aspectos mais positivos de uma proposta "pouco ambiciosa" para o sector, "numa altura em que Portugal precisa de adotar um modelo de desenvolvimento mais inteligente, inovador, inclusivo e sustentável".
Na perspetiva do reitor da Universidade do Porto, "há que investir mais e criar melhores condições para a difusão, produção e transferência de conhecimento tecnocientífico". Isso implica, adianta, "um reforço de verbas para as instituições de ensino e ciência, a promoção e valorização do emprego científico, a desburocratização das atividades de I&D+i e a criação de sinergias academia-empresas".
Subfinanciamento

A proposta do XXIII Governo relativa à Lei de Orçamento de Estado para 2022 (LOE 2022) prevê um acréscimo de 135 milhões de euros relativamente ao valor total orçamentado no OE de 2021 no programa Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o que significa um acréscimo de 4%. Este acréscimo compara com o acréscimo total de 138,5 milhões de euros previsto no OE de 2021 que igualmente significava um crescimento de 4% relativamente ao ano anterior.
Para Mariana Gaio Alves, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), estas verbas são pequeníssimas para alterar significativamente o que quer que seja. "Estes acréscimos são insuficientes para reverter o subfinanciamento estatal que se vem verificando há já mais de 10 anos e que suscita a asfixia orçamental no ensino superior e ciência". Uma asfixia que se vê sobretudo, conforme exemplifica, "nas contratações sem remuneração ou a baixo custo, na atribuição ilegal de mais horas de aulas do que as que estão previstas por lei e na ínfima parte de colegas que progride de escalão remuneratório e nas carreiras".
Alguns problemas agravaram-se desde o início da pandemia. Existindo, segundo refere, notícia sobre "opções de redução dos custos com pessoal, através da extinção de algumas ofertas curriculares diminuindo o número de horas letivas asseguradas, sobretudo no caso de professores convidados, e através de aumento do número de alunos em cada turma apenas possível pelo recurso a sistemas de videoconferência para a lecionação".
A realidade sufoca e cerceia o futura, denuncia Mariana Gaio Alves: "Se é consensual que o país só se desenvolve com mais ensino superior e ciência, esta proposta de OE não inclui medidas que permitam planear o crescimento das atividades de investigação e de formação de profissionais e cidadãos de forma sustentada".
"É necessário — adianta a presidente do SNESUP — um plano de ação com o triplo objetivo de: estabilizar vínculos contratuais combatendo a precariedade; permitir que os resultados da avaliação de desempenho sejam uma realidade e os salários atualizados; e reforçar o número de docentes e investigadores integrados nas carreiras, rejuvenescendo estes grupos profissionais".
Emprego científico
Nuno Cerca, investigador principal com agregação na Universidade do Minho, diretor adjunto do Centro de Engenharia Biológica, secretário do Conselho Geral desta Universidade, e antigo presidente e fundador da Associação Nacional dos Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT), nem discute as verbas. "Parto sempre do princípio que todos os sectores da sociedade desejam sempre uma maior fatia do OE para si mesmo, e portanto não seria de estranhar que também os cientistas pedissem mais dinheiro para executar a sua missão. Se o reforço foi bom? Não foi".
Embora considere que, à partida, as referências à "valorização das carreiras científicas e académicas" e ao "estímulo inequívoco à contratação de investigadores doutorados" são um bom sinal, no entanto, não é claro como pretende a tutela atingir esses objetivos. E justifica: "Um dos principais problemas do documento é que parece que apenas estão a considerar como necessidades permanentes os investigadores regularizados ao abrigo do PREVPAP".
Isto, "é um erro fundamental do OE2022", alerta o investigador, porque, justifica: "todos aqueles que conhecem o sistema científico e tecnológico nacional sabem perfeitamente que há um número muito mais significativo de investigadores a desempenhar funções permanentes, mas sem o devido vínculo". (ver artigo ao lado).
Nuno Cerca confessa o receio de que os governantes "não estejam a considerar as necessárias reformas para capacitar as instituições, financeiramente, de forma a que estas possam desempenhar todas as suas funções, e assumir as suas responsabilidades com os seus investigadores". Na sua perspetiva será possível resolver o problema sem alterar a dotação. Bastará redistribuir a verba disponível de forma diferente.

Jornal Económico (O) / Educação | 13.05.2022 ALMERINDA ROMEIRA