Professor alvo de ação disciplinar pede processo disciplinar contra diretora da faculdade

Docente considera que diretora, testemunha no processo contra ele levantado, "violou deveres de imparcialidade e isenção" no comunicado que exarou nesta tarde. Acusa-a de "tomar posição sobre os factos em investigação".

"Um docente acusou outro docente de ter feito pressões sobre a Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa [FDUL] para que o processo de apoio e acompanhamento de denúncias de assédio na faculdade fosse interrompido e abafado. No entanto, a presidente da Associação Académica sempre negou a existência dessas pressões."

Este é o excerto do comunicado assinado pela diretora da FDUL, Paula Vaz Freire, e exarado esta sexta-feira à tarde, que levou o docente em causa, o assistente Miguel Lemos, a por sua vez enviar um comunicado aos media no qual anuncia que vai "requerer ao Senhor Reitor da Universidade de Lisboa a instauração de processo disciplinar à Sra. Diretora da FDUL, porquanto, ao emitir um comunicado para toda a Faculdade, no qual toma posição sobre os factos em investigação num processo disciplinar que não foi decidido e no qual o visado ainda nem sequer teve oportunidade de apresentar a sua defesa, a Sra. Diretora da FDUL violou os seus deveres de isenção, imparcialidade e correção."

A violação aludida prender-se-á com o facto de Paula Vaz Freire assumir no seu comunicado a versão dos factos que consta na queixa apresentada pelo professor catedrático Miguel Teixeira de Sousa contra Miguel Lemos e afirmar categoricamente que "a presidente da Associação Académica sempre negou a existência dessas pressões". Afirmação que, sendo Catarina Preto, a presidente da associação, uma das testemunhas no processo instaurado a Lemos, antecipa conclusões e pode em si ser considerada uma pressão sobre a estudante.

"É inacreditável. Está a tomar o partido de um docente contra o outro", comenta um docente da escola ouvido pelo DN que prefere não ser identificado e que assegura que há grande irritação entre uma parte dos docentes face aos acontecimentos recentes. "Este comunicado vai acicatar os ânimos, não sei onde isto vai parar."

"Veja lá não se prejudique, tenha cuidado há coisas de que é melhor não falar"

Recorde-se que, como o DN noticiou esta sexta-feira, Lemos, autor da proposta de investigação do assédio na escola que foi aprovada pelo Conselho Pedagógico, e da qual resultou a abertura de um canal para denúncias que recebeu 50 relatos validados de assédio moral, sexual e discriminação, foi notificado esta semana de que a Universidade de Lisboa lhe instaurou um processo disciplinar.

Em causa está, em duas reuniões do Conselho Pedagógico (CP) - órgão do qual Lemos faz parte e em cujo âmbito apresentou a citada proposta -, ter referido a existência de pressões sobre a direção da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL), por parte de um professor da FDUL, "para que determinados assuntos não fossem discutidos em público", o que considerou "inaceitável".

A 2 de março, numa exposição entregue ao órgão na qual apresentava a proposta em causa e narrava ter inquirido alguns alunos sobre a existência de assédio na faculdade (exposição apensa à ata nº 5 de 2022 do CP, que desde esta quinta-feira à tarde foi tornada pública), Miguel Lemos dizia: "Tive notícia de que alguns professores teriam abordado a direção da AAFDL, relativamente à discussão pública de casos de assédio na nossa faculdade. Permitam-me, quanto a este ponto, a ironia: ainda que todos os conselhos sobre o futuro profissional dos alunos sejam válidos, bem como preocupações com cuidados a ter na sua vida académica, estes "veja lá não se prejudique", estes "tenha cuidado há coisas de que é melhor não falar" no contexto de publicitação de casos de assédio moral e sexual só podem ser entendidos, e são, como formas de pressão e tentativa de encobrimento de uma realidade que, infelizmente, marca a vida académica da nossa escola. Estas abordagens são (...) elas mesmas, formas de assédio."

Um processo disciplinar baseado numa pergunta

Na reunião seguinte, ocorrida a 7 de março, e na qual as suas propostas foram aprovadas, Lemos acabaria, como se refere na ata, por indicar quem seria o professor em causa.

Fê-lo depois de o presidente do CP, António Barreto Meneses Cordeiro, ter perguntado "se algum dos presentes teria recebido pressões para encobrir algum caso de assédio sexual ou se tinha conhecimento de que alguém tivesse recebido pressões". Tendo Lemos respondido que sim e que "esses factos eram do conhecimento do presidente do conselho", como este negasse, o assistente lamentou que Meneses Cordeiro "tivesse afirmado que os factos por ele referidos não correspondiam à verdade", questionando a seguir: "Porque é que o professor Miguel Teixeira de Sousa me ligou no dia 2 de março às 16H45?"

Esta é a versão dos factos que consta da ata, que resulta do acordo de todos os presentes. Deduz-se que o telefonema em causa ocorreu porque o presidente do Conselho Pedagógico avisou Miguel Teixeira de Sousa das suspeitas de Lemos - facto que Meneses Cordeiro confirma ao DN, admitindo que falou com Teixeira de Sousa e com Catarina Preto sobre o assunto.

Já Miguel Teixeira de Sousa admite ter falado, em fevereiro, com a presidente da AAFDL - que em janeiro tinha, no Conselho Pedagógico, denunciado a existência de assédio sexual e moral de docentes sobre estudantes, assim como de um "clima de medo" que impedia estes últimos de apresentar queixas, até porque estavam convictos de que seria inúteis, por "reinar a impunidade" - sobre o assunto assédio, mas nega ter exercido qualquer pressão; considerando que existiu uma "violação dos deveres de correção" por parte de Lemos, consubstanciando uma ofensa" à sua "honra e dignidade", a 17 de março apresentou uma participação disciplinar contra o assistente.

Fernanda Câncio 29 Abril 2022 — DN