Ministério do Ensino Superior apresentou vários projectos às Finanças mas só o do Iscte teve apoio

Dotação centralizada do Ministério das Finanças garante contrapartida nacional a iniciativas que têm apoio comunitário. MCTES tentou, noutras ocasiões, ter verbas dessa rubrica para projectos do sector, mas levou sempre “nega” de João Leão. Quem o diz é o ex-ministro, Manuel Heitor.

O Centro de Valorização do Conhecimento e Transferência de Tecnologias (CVTT) do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa foi o único projecto da área tutelada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) a ser apoiado directamente pela dotação centralizada do Ministério das Finanças (MF) nos últimos cinco anos. Quem o diz ao PÚBLICO é o ex-ministro Manuel Heitor. A lei define que a afectação dessa verba só pode ser feita por despacho do ministro das Finanças. À época, o cargo era ocupado por João Leão, nomeado vice-reitor daquela instituição de ensino dois dias depois de deixar o Governo.

Manuel Heitor admite que foi o MCTES quem “instruiu o processo” para garantir o apoio das Finanças ao CVTT . Mas não foi caso único. “Fizemo-lo com vários outros projectos. O único que foi aprovado foi o do Iscte”, afirma. O ministério de João Leão chumbou, por exemplo, iniciativas dos politécnicos de Santarém, Castelo Branco e Tomar, que conjuntamente precisavam de pouco mais de 1 milhão de euros dos cofres do Estado para serem viabilizados. Também levaram “nega” projectos que tinham como objectivo aumentar o financiamento à ciência, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Para o ex-ministro Manuel Heitor, “não está em causa a mais-valia” do CVTT do Iscte, cuja necessidade de garantir financiamento público apoiou. “É pena não ter havido mais projectos apoiados”, lamenta.

Desde 2017 que uma portaria (138/2017) regula “o recurso à dotação centralizada do Ministério das Finanças pelos órgãos, serviços e demais estruturas da Administração Pública que necessitem de reforçar o seu orçamento para assegurar a contrapartida nacional em projectos de investimento públicos”. Esta foi a solução encontrada pelo Governo para evitar que fossem desperdiçados fundos comunitários em projectos que tinham a fatia europeia garantida, mas para o qual ainda faltava encontrar a contrapartida nacional.

Investimento de 5,2 milhões

Foi o que aconteceu com o CVTT, que conseguiu, em 2019, um financiamento europeu de 4,8 milhões de euros, no âmbito do Portugal 2020. O investimento total ascende, porém, a mais de 12 milhões de euros. A proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2022, conhecida na semana passada, destina oito milhões de euros à iniciativa, dos quais 5,2 milhões de euros provêm da “dotação centralizada” do Ministério das Finanças (MF), segundo o relatório de execução orçamental do 4.º trimestre do ano passado. O remanescente é coberto com “receitas próprias” da instituição.

O PÚBLICO questionou o MF sobre estas verbas e o processo de aprovação do recurso à dotação centralizada, na quinta-feira e novamente nesta terça-feira, mas não obteve respostas.

O ex-ministro das Finanças João Leão, que agora é vice-reitor do Iscte, garantiu, na sexta-feira, que não teve qualquer intervenção na decisão de incluir no OE para 2022 um financiamento público ao CVTT. No entanto, a mesma portaria define que “a afectação da referida dotação é efectuada por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do desenvolvimento e coesão”. Ou seja, não seria possível que o apoio tivesse sido aprovado sem “luz verde” de João Leão.

A inclusão do CVTT na proposta de OE apresentada em Outubro do ano passado — e que acabaria chumbada no Parlamento — causou protestos, sempre em privado, dos responsáveis das restantes instituição de ensino superior e apanhou de surpresa a própria equipa do MCTES, que não conhecia o valor do apoio do Estado ao Iscte antes de ter visto a versão final do documento.

O PÚBLICO teve também acesso aos documentos que serviram de suporte à negociação da primeira versão do OE com as instituições de ensino superior, onde não constava qualquer referência ao projecto do Iscte. Estavam lá, porém, medidas como o aumento do valor da bolsa de estudo para estudantes de mestrado, o reforço do financiamento do Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior através do Plano de Recuperação e Resiliência e o aumento de 2% nas receitas de impostos transferidas para as universidades e politécnicos públicos, que se mantêm na nova versão do Orçamento.

Nos últimos quatro OE, também não houve projectos de instituições de ensino superior, para além de residências estudantis, incluídos nos investimentos estruturantes da administração central, onde aparece inscrito agora o projecto do Iscte. A excepção é a construção das novas instalações do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, também incluídas no OE 2022. Neste caso, o processo é, no entanto, diferente, já que o projecto mereceu “luz verde” de todo o Governo, tendo sido aprovado em Conselho de Ministros.

Contrato-programa “nunca existiu"

Nesta terça-feira, a reitora do Iscte, Maria de Lurdes Rodrigues, enviou uma carta a todos os reitores das universidades e presidentes de institutos politécnicos onde se pronuncia sobre este caso, garantindo que a instituição “não beneficiou dos favores de qualquer governo, fossem estes do PS ou do PSD/CDS”.

A carta é acompanhada de dois documentos que o Iscte já tinha disponibilizado ao PÚBLICO na quinta-feira. Entre eles, estão um ofício, enviado a 15 de Outubro de 2020, pela reitora ao MCTES, em que se queixava de subfinanciamento da instituição e propunha a celebração de um “contrato-programa” para garantir o financiamento do CVTT.

No final desse mês, o ministro Manuel Heitor enviou uma informação interna aos serviços do seu ministério considerando que a celebração do “contrato-programa” proposto “justifica-se”, devendo “ser alvo de análise e de acordo” posterior entre o Iscte, a Direcção-Geral do Ensino Superior e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.

Segundo Heitor, esse “contrato-programa” “nunca chegou a existir porque foi encontrada pelas Finanças esta solução” de apoio directo ao CVTT pela dotação centralizada do ministério. O PÚBLICO aguarda, desde sexta-feira, pela resposta ao pedido feito ao MCTES, agora liderado por Elvira Fortunato, para ter acesso aos documentos sobre o apoio ao projecto do Iscte.

Na carta enviada aos homólogos, Maria de Lurdes Rodrigues garante ainda que “o responsável pelo acompanhamento do projecto do CVTT é o vice-reitor para a investigação e modernização tecnológica, professor Jorge Costa”, e não João Leão. Não era isso, porém, que se escrevia no site da instituição quando se anunciou a nomeação do ex-ministro, relacionando directamente o seu pelouro do desenvolvimento estratégico com “diversos projectos relevantes em curso, nomeadamente, o futuro Centro de Conhecimento e Inovação nas instalações da Avenida das Forças Armadas”. Esse texto foi, entretanto, alterado.

Samuel Silva 20 de Abril de 2022, Público