Funcionários públicos terão novo modelo de avaliação em 2023

Secretário de Estado confirma que novo SIADAP vai acelerar as progressões de 2023 em diante. Quotas para as notas mais altas mantêm-se, mas Governo admite aumentar limites em função do desempenho dos serviços, recuperando regra que esteve em vigor até 2013.

O Governo iniciou as negociações com os sindicatos para rever o Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) e espera que comece a produzir efeitos a partir de 2023. No final das reuniões desta sexta-feira, o secretário de Estado que tutela a função pública, José Couto, não se mostrou disponível para acabar com as quotas de desempenho, mas admitiu aumentar o limite em função da avaliação dos serviços, permitindo que mais de 25% dos trabalhadores possam ter um desempenho “relevante” e “excelente”. 

O Governo entregou aos sindicatos um documento com os princípios que irão enquadrar a discussão. Entre eles está a anualização do SIADAP (agora a avaliação é bianual), dar mais relevância às competências dos trabalhadores, a simplificação do processo (que passará a ser suportado por uma plataforma informática) e a possibilidade alargar as quotas em função da avaliação dos serviços.

“O que perspectivamos é terminar as negociações durante o ano de 2021”, afirmou o secretário de Estado. “Estamos a meio de um novo ciclo de gestão [está a decorrer o período de avaliação o 2020/2021] e não faz sentido que os ciclos sejam interrompidos. Portanto, 2023 seria a data de entrada em vigor ou de produção de efeitos [do novo SIADAP]”.

Um dos objectivos do Governo com o novo SIADAP é acelerar as progressões. Um trabalhador demora em média dez anos para mudar de posição remuneratória, uma vez que são precisos dez pontos (cada “adequado” corresponde a dois pontos) para a chamada progressão obrigatória. “Reconhecemos que 10 anos é muito tempo”, admitiu o secretário de Estado sem adiantar em que é que se traduzirá essa aceleração.

“Se tenho um ciclo de avaliação de dois em dois anos e passo para metade do tempo, tenho por essa via uma aceleração das progressões. Temos de ver em que termos exactos o podemos fazer, porque todas as decisões têm de ser sustentáveis”, alertou.

Quotas mantêm-se, mas podem aumentar

À partida, o novo SIADAP deverá manter as quotas para as notas mais altas, deitando por terra uma das principais reivindicações dos sindicatos, que defendem o fim dos limites para as notas mais elevadas.

“Vejo com muita dificuldade que isso [o fim das quotas] possa acontecer”, afirmou José Couto.

“O que podemos fazer é ligar – e é o que está em cima da mesa – a gestão dessas quotas aos resultados conseguidos por cada serviço. O que pretendemos é que a avaliação de um serviço se possa repercutir na distribuição de quotas que esse serviço detenha”, acrescentou.

A ideia não é nova. Até 2013, a lei do SIADAP previa que os serviços com distinção de mérito tivessem uma quota maior para poderem atribuir notas mais elevadas aos seus trabalhadores. A quota para o desempenho “relevante” passava de 25% para 35% dos trabalhadores e a destinada às classificações de “excelente” subia de 5% para 10%. Este artigo acabou por ser revogado no Orçamento do Estado para 2013.

O Governo não desvendou até onde está disposto a ir e no documento entregue aos sindicatos apenas fala na “recuperação dos efeitos da distinção de mérito dos serviços e eventual aumento das quotas”.

Sindicatos insatisfeitos e com muitas dúvidas

A Frente Comum, o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) e a Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap) saíram insatisfeitos da reunião com o Governo. 

“Esta primeira abordagem não corresponde à revogação do SIADAP e à sua substituição por outro regime de avaliação que não tenha quotas, permitindo que todos os trabalhadores tenham acesso aos desempenhos ‘relevante’ e ‘excelente'”, criticou o coordenador da Frente Comum, Sebastião Santana.

Quanto à solução proposta pelo Governo, “a avaliação dos serviços não é necessariamente uma coisa boa”, assegura. “Cria um clima de competição entre serviços muito diferentes. Não se pode comparar um serviço de saúde com falta de pessoal com um que tenha um número adequado, ou uma escola num bairro problemático com outra noutro local”, justifica o dirigente.

Helena Rodrigues, presidente do STE, alerta para as dúvidas que o documento apresentado suscita: “O Governo pretende a simplificação das etapas da avaliação de desempenho e não sabemos exactamente do que se trata e se pode estar em causa a diminuição das garantias de defesa do trabalhador”, nota.

Nas declarações aos jornalistas, José Couto foi peremptório: “Para mim é ponto de honra não diminuir as garantias aos trabalhadores”.

A dirigente do STE lembra que o SIADAP “aplica-se a menos de metade dos trabalhadores da Administração Pública e não é um sistema universal”. “Há carreiras que continuam a progredir de três em três e de quatro em quatro anos, e não em dez”.

A Fesap também saiu do encontro com muitas questões. “Até 2013, nos serviços com avaliação ‘excelente’, havia uma majoração. Trata-se de uma reposição do regime que vigorou?”, pergunta o dirigente José Abraão. E mesmo que haja uma majoração das quotas, alerta: “continuaremos a cometer injustiças relativamente aos restantes trabalhadores que não vêem reconhecido o seu mérito”.

O Governo prevê que os resultados individuais dos trabalhadores estejam “interdependentes” dos resultados do serviço, mas sem saber em pormenor como é que isso acontecerá, José Abraão antecipa problemas: “se é apenas o que aparenta, o sistema de avaliação não será mais justo. Pelo contrário, porque os trabalhadores não podem ser penalizados em consequência das lacunas dos serviços”.

O líder da Fesap diz que também não se esclareceram as dúvidas quanto à revisão das carreiras e da tabela remuneratória única, um processo que o Governo já admitiu também terá de ser iniciado.

Raquel Martins 10 de Abril de 2021, Público