Governo diz que proposta de aumentos da função pública não está fechada

Executivo propõe que o salário mais baixo da Tabela Remuneratória Única suba para os 665 euros e a posição remuneratória seguinte deverá ir até aos 703 euros mensais. Sindicatos, descontentes, esperam que na reunião de quarta-feira seja possível ir mais longe.

O Governo garante que a proposta de aumentar em 10 e 20 euros os salários mais baixos da função pública ainda não está fechada, abrindo a porta a que, na reunião da próxima quarta-feira, possa ainda apresentar alterações que vão ao encontro das reivindicações dos sindicatos.

Os secretários de Estado da Administração Pública, José Couto, e dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, deram nesta segunda-feira o pontapé de saída nas negociações dos aumentos salariais para 2021. Mas a proposta de aumentar a remuneração mais baixa de 645 para 665 euros, ficando igual ao Salário Mínimo Nacional (SMN), e de dar um aumento de 10 euros aos trabalhadores que agora recebem entre 665 e 693 euros não agradou aos sindicatos que a consideraram “inaceitável”, “miserável” e “incompreensível”, por deixar de fora a maioria dos funcionários públicos.

Durante as reuniões, o Governo não apresentou qualquer estimativa do número de trabalhadores abrangidos pelos aumentos, nem do impacto orçamental da proposta. Questionada pelo PÚBLICO, fonte oficial do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública respondeu que o processo ainda não está fechado, assumindo que ainda poderá melhorar a sua proposta.

“Como é da natureza dos processos negociais, a proposta apresentada hoje [segunda-feira] aos sindicatos não está fechada, pelo que os elementos pedidos podem também sofrer alterações. Sem prejuízo, o Governo tornará públicos os números relativos ao impacto e à abrangência da sua proposta final aos sindicatos”, afirmou o ministério dirigido por Alexandra Leitão.

Custo da medida abaixo da margem orçamental

No Orçamento do Estado (OE) para 2021, o Governo aponta para um aumento das despesas com pessoal face a 2020 de 822 milhões de euros (ou 3,5%). No entanto, uma parte significativa desse valor, 333 milhões de euros, destina-se a fazer face a promoções, progressões e descongelamentos de carreira, 75 milhões são para acomodar o custo associado a contratações de pessoal iniciadas em 2020 e 210 milhões de euros estão previstos para novas contratações na função pública em 2021, nomeadamente no sector da saúde e educação.

Sobram assim, do total de 822 milhões de euros de reforço das verbas para custos com pessoal, pouco mais de 200 milhões de euros para, eventualmente, serem utilizados em novos reforços de pessoal e em actualizações salariais.

Embora o Governo não divulgue, para já, nem dados sobre o número de funcionários visados pelos aumentos nem a sua estimativa de custo para a proposta apresentada, parece difícil que esteja a usar toda a margem prevista no OE.

De acordo com a Síntese Estatística do Emprego Público do terceiro trimestre, existem cerca de 160 mil funcionários públicos na carreira de assistente operacional, cuja remuneração média mensal ascende a 694,8 euros. Assumindo que são estes os funcionários que irão beneficiar dos aumentos agora propostos e que estes se dividem, de forma igual, pela actualização de 20 euros e pela de 10 euros, então o custo adicional suportado pelo Estado, incluindo a prestação do empregador para a Segurança Social, ficaria próximo de 40 milhões de euros.

Quando apresentou o OE para 2021, o ministro das Finanças, João Leão, tinha falado em 100 mil trabalhadores abrangidos pelos aumentos, deixando de fora 85% dos trabalhadores do Estado. Os sindicatos antecipam que o número de pessoas abrangidas pelos aumentos agora colocados em cima da mesa nem sequer ultrapasse os 80 mil.

Salário mínimo igual no público e no privado

Os sindicatos saíram do encontro com o Governo desiludidos, mas com esperança de que na reunião de quarta-feira possa haver desenvolvimentos.

“Esta política salarial não serve, porque continuamos a ter milhares de trabalhadores que não vão ter qualquer aumento. Vai manter-se a compressão da tabela remuneratória única e não se valoriza a antiguidade, nem a diferença entre as carreiras. Temos mais uma reunião, vamos ver se o Governo muda a sua posição”, frisou Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum, à saída do encontro com os secretários de Estado.

José Abraão, líder da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), classificou a proposta apresentada pelo Governo como “miserável” e “incompreensível”. “A maior parte dos trabalhadores fica fora dos aumentos. Não passa de um pequeno ajustamento nas posições remuneratórias já altamente prejudicadas porque lhes retiraram os pontos nos anos anteriores”, critica.

Ainda assim, o dirigente valoriza a abertura mostrada pelo executivo para alterar a proposta. “Esperamos que o Governo reconsidere”, frisa em declarações ao PÚBLICO.

“A reunião não trouxe nada de novo”, lamentou Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado. “O Governo limitou-se a apresentar uma portaria idêntica à do ano passado, para aplicar o SMN à Administração Pública”, afirmou, alertando que a maioria dos trabalhadores ficará com os seus salários congelados, até porque, assegura, as progressões na carreira em 2021 serão muito poucas, e lamentando que o executivo não tenha sequer considerado aumentar o subsídio de refeição.

Com a proposta colocada em cima da mesa, o salário mais baixo da função pública volta a ficar ao nível do SMN que é aplicado no sector privado, o que não acontecia desde 2018. “É um retrocesso”, resume José Abraão.

Em 2019, o nível de entrada na função pública era de 635,07 euros, ficando acima dos 600 euros determinados para o SMN. Em 2020, o salário mais baixo do Estado subiu para 645,07 euros, enquanto o SMN ficou nos 635 euros.  

Na reunião desta segunda-feira, o Governo apresentou também uma proposta de alteração à Portaria 125-A/2019 que regulamenta os concursos de recrutamento na função pública. O objectivo das alterações, como o PÚBLICO noticiou, é “agilizar e simplificar” os procedimentos concursais, “sem perda de garantias dos candidatos e assegurando a transparência de todo o processo”, assegura o Ministério num comunicado.

Helena Rodrigues concorda com algumas mudanças – como o fim da entrevista na alocação dos trabalhadores aos serviços quando se faz recrutamento centralizado –, mas antecipa que a intenção de agilizar o procedimento concursal poderá não se concretizar. “Há uma redução dos prazos que a administração tem de cumprir, mas como toda a gente sabe, esses prazos são meramente orientadores e se não forem cumpridos não acontece nada.”

Raquel Martins e Sérgio Aníbal - 5 de Janeiro de 2021,Público