Candidatos a bolsas de investigação queixam-se de ‘rasteira’ no concurso. FCT refuta confusão

Concurso para atribuição de bolsas para doutoramento indicava que entrega de certificados de habilitações de licenciatura e mestrado era “relevante mas de apresentação opcional”. Candidatos excluídos acusam FCT de "contradição" por terem sido penalizados na avaliação final devido à não entrega de comprovativos da licenciatura e mestrado

Vários candidatos excluídos da atribuição de bolsas de investigação para doutoramento vão recorrer da avaliação final, alegando que o concurso da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que decorreu entre 3 de março e 28 de abril, era confuso e contraditório ao induzir em erro os concorrentes. Em causa está um aviso na abertura do concurso que indicava como “relevante, mas de apresentação opcional”, a submissão dos certificados de habilitação dos graus de licenciatura e mestrado no ato de candidatura.

“Como o concurso coincidiu com o início da pandemia e as secretarias das universidades fecharam o atendimento presencial no estado de emergência, pensei que a opção de não entregar os documentos se devia a constrangimentos de assinatura e entrega dos certificados de habilitações”, diz ao Expresso uma candidata residente em Lisboa, da área das ciências, que vai recorrer da sua avaliação. A candidata a bolseira, que pede para não ser identificada para “não ser eventualmente prejudicada” no recurso, afirma que ficou “baralhada” quando leu o regulamento do concurso, já que o mesmo também referia que, embora opcional, “a não submissão” dos certificados tinha “consequência na avaliação do critério de avaliação do mérito do candidato”.

A concorrente garante ter tentado contactar a secretaria da universidade para esclarecer a dúvida “se afinal era obrigatória a apresentação dos documentos”, mas não conseguiu ser atendida. Decidiu então submeter a candidatura online sem os certificados, convencida de que, se fossem obrigatórios, seria assinalado ‘erro’ quando fizesse a submissão. “É o que acontece quando falta algum documento ou engano no processo de submissão, mas foi aceite como correto, o que me deixou tranquila”, refere, razão pela qual ficou surpreendida por ter avaliação zero no item em questão e que pesa “20% na classificação final”.

Igualmente “estupefacto” ficou um candidato de 24 anos da área de engenharia, neste momento a trabalhar no estrangeiro, quando foi confrontado esta quinta-feira, dia em que foram publicados os resultados provisórios do concurso - viu que tinha sido penalizado em 20% na avaliação final por não ter submetido os certificados de habilitação. Ainda pondera se vai recorrer para o júri da FCT até 15 de outubro ou se mais vale tentar concorrer a outro tipo de financiamento para fazer o doutoramento.

“Não estava em Portugal no início do concurso, voltei quando o país entrou em confinamento. Como vi que a entrega de certificados era opcional, relaxei”, diz o candidato recusado, salientando que pensou que a referência a opcional, apesar de contar para nota, “significava que teria de fazer a entrega dos certificados obrigatoriamente se fosse admitido à bolsa” e antes de contratualização com a FCT. “A formulação induzia, de facto, em erro, como se prova pela interpretação de outros candidatos que vão recorrer”, conclui.

SUPREMACIA DA BUROCRACIA?

Margarida Amaral, professora catedrática do Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, adianta ao Expresso que “não se percebe porque é que a FCT inclui a indicação de ‘opcional’” quando a submissão dos certificados de habilitações era fundamental na avaliação final. “Estaremos perante uma clara supremacia da burocracia relativamente à meritocracia?”, questiona a docente, que lamenta no concurso da FCT tenha “passado uma rasteira aos candidatos”.

Embora sublinhe que os candidatos “têm a obrigação de ler cuidadosamente o regulamento”, Margarida Amaral interroga por que razão a FCT lançou a confusão ao incluir a indicação que a submissão dos certificados de habilitações era ‘opcional'. “A contradição é evidente, a não ser que se ressalve que tudo é opcional se o candidato não se importar de ter zero a tudo”, acrescenta.

Margarida Amaral, membro da Academia das Ciências, confirma que houve bastantes dificuldades por parte dos candidatos em obter atempadamente os certificados de habilitações, já que as secretarias das instituições de ensino superior se encontravam fechadas. Para a docente, é incompreensível que este ano, ao contrário do que sucedeu em anos anteriores, a FCT não tenha dado possibilidade de submissão dos certificados em fase de assinatura do contrato de bolsa, em vez de ser em fase de candidatura.

“O que mais me choca é que se desconfie à partida que os candidatos possam estar a enganar o júri ao não entregar os certificados, sobretudo quando todos sabemos os constrangimentos que existem atualmente na obtenção de documentos”, lembra.

Ao Expresso, a presidente da FCT refuta que o regulamento do concurso fosse confuso ou induzisse em erro. “Os candidatos sabiam que os certificados contavam para a nota, tanto que figurava uma tabela com os valores por cada item”, sustenta Helena Pereira, que justifica o caráter opcional da entrega dos documentos porque, em anos anteriores, houve candidatos, em especial os que adquiriram os graus académicos anteriores no estrangeiro, “inibidos de se candidatarem por não terem os certificados”.

A presidente da FCT defende que, sendo de submissão opcional, podem na mesma candidatar-se, embora com penalização prevista. Para Helena Pereira, “não se trata de desconfiar dos candidatos” mas de mera prudência para acautelar futuras reclamações de candidatos prejudicados perante “eventuais casos de notas que se descobriria mais tarde não corresponderem à realidade”.

Este ano, o concurso de bolsas de investigação para doutoramento acolheu 3.797 candidatos, tendo sido atribuídas nos resultados provisórios 1.350 bolsas, mais 400 do que em 2019. A taxa de aprovação foi superior a 41% e o financiamento total aprovado de mais de € 101 milhões. Os resultados finais do concurso são divulgados a 30 de novembro.

Jornal Expresso – Isabel Paulo | 2-10-2020